Em 1848, uma expedição britânica liderada por Sir John Franklin partiu com o objetivo de completar a Passagem do Noroeste e, assim, descobrir um caminho mais rápido para chegar à Ásia sem que se tivesse de atravessar o oceano Atlântico e Pacífico. A expedição tinha duas grandes embarcações, o HMS Terror e o HMS Erebus. Os dois desapareceram e o seu destino era, até há bem pouco tempo, desconhecido. 129 pessoas perderam a vida nesta aventura. Daqui nasceram histórias, lendas e sobre estes navios escreveram-se poemas.

As buscas começaram no século XIX. Foram onze anos à procura e sem resultados. O rasto era nulo: não havia sobreviventes ou destroços dos barcos.

Este mês, a 3 de setembro, foi encontrado o HMS Terror, no fundo de Terror Bay, dois anos depois da descoberta do Erebus, noticia o The Guardian esta segunda-feira. O feito foi alcançado pela Fundação de Pesquisa no Ártico.

O fim de um dos maiores mistérios da exploração do Ártico

Daniel McIsaac, um dos investigadores, relembra como foi o momento da descoberta. Depois de uma manhã sem resultados, quando navegavam em busca de destroços ou de algo novo a que se pudessem agarrar, uma silhueta digital surgiu nos ecrãs. “Toda a gente se pôs de pé”, conta. Era o Terror.

A partir daí, a equipa de investigadores passou mais de uma semana a comparar as digitalizações recolhidas com a estrutura conhecida do HMS Terror. E bateu certo.

“Parece que o navio foi afundado pelo inverno”, conta Schimnowski. “Estava tudo fechado. Até as janelas estão intactas. Se pudéssemos tirar o navio do fundo do mar e tirar-lhe toda a água, ele provavelmente flutuaria".

No passado domingo, um grupo de investigadores da Fundação de Pesquisa no Ártico, conseguiu que um pequeno dispositivo telecomandado entrasse para dentro do navio afundado.

O bom estado de conservação do navio vai permitir novas descobertas acerca de como era o quotidiano de uma tripulação há dois séculos atrás. Em declarações ao The Guardian, Adrian Schimnowski, diretor para as operações da fundação, disse que já encontraram duas garrafas de vinho, mesas e armários. E, através das imagens que chegavam, também foi possível ver o interior de algumas cabines e dos locais onde estava armazenada a comida.

As marcas do naufrágio encaixam nas histórias que se contavam sobre o lendário navio. Mas há um pormenor que está a deixar os investigadores intrigados e que pode mudar alguns pontos da história, o HMS Terror foi encontrado a 96 km a sul do local de onde se pensava que o navio tinha chocado contra um iceberg.

Jim Balsillie, criador da Fundação para a Pesquisa no Ártico, tem uma teoria acerca do porquê do navio estar tão longe de onde se pensava ter naufragado.

“Esta descoberta muda a História”, diz Balsillie ao The Guardian. “Dada a localização do navio e o estado em que está, é quase certo que o HMS Terror foi fechado pela tripulação que, depois, embarcou no HMS Erebus, onde, mais tarde, viria a ocorrer a tragédia fatal”.

Inuit, a tribo indígena que ajudou a encontrar os dois navios

A procura dos navios da expedição liderada por Franklin foi lançada pelo antigo primeiro-ministro canadiano Stephen Harper em 2008, como parte de um plano mais amplo para afirmar o Canadá como nação soberana no Ártico e para promover a exploração dos seus recursos naturais - como petróleo e gás natural -, que se tornaram mais acessíveis à medida que os glaciares foram derretendo.

A última grande descoberta tinha sido feita há dois anos, quando um grupo arqueólogos marinhos do Canadá encontrou o Erebus, o outro navio que naufragou e que seguia na expedição com o Terror. A descoberta teve como base uma história antiga de uma população Inuit, que contava que um grande navio de madeira se tinha afundado no golfo de Queen Maud.

Agora, o conhecimento dos Inuit voltou a ter um papel importante na descoberta de um navio naufragado. Desta vez, com o HMS Terror.

Sammy Kogvik, um membro da tribo indígena Inuit que habita a Gjoa Haven, contou uma história bizarra a Schimnowski: há seis anos, Kogvik saiu para pescar com um amigo. Quando chegaram ao lago viram um enorme pedaço de madeira, parecido com um mastro, a emergir da placa de gelo que cobria a Terror Bay. O esquimó utilizou uma máquina que tinha consigo para tirar algumas fotografias de si mesmo com o pedaço de madeira, mas só quando voltou para a zona habitada percebeu que a câmara tinha caído do seu bolso. Por essa mesma razão, Kogvik manteve a descoberta em segredo, com medo que o desaparecimento da câmara tivesse sido causado por de maus espíritos, que a população Inuit acredita que vagueiam por aquela zona devido aos naufrágios.

Schimnowski não ignorou o relato e decidiu explorar a história de uma tribo que já tinha ajudado a encontrar o outro navio. E foi assim que a verdade virou mito, e o mito ajudou a desvendar um mistério.