O estratega
Fidel tinha 32 anos quando entrou triunfante em Havana. Estávamos em 1959, usava barba e uniforme e celebrava a derrota de um exército de 80 mil homens contra uma guerrilha que no seu pior momento contou com 12 homens. Sem passado militar, Fidel Castro expulsou do poder o general e ditador Fulgêncio Batista, numa luta que começou com o fracasso da tomada do quartel Moncada, em 1953.
Fidel aplicou uma "doutrina militar própria" e conseguiu "transformar uma guerrilha num poder paralelo, formado por guerrilheiros, organizações clandestinas e populares", disse à AFP Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual embaixador venezuelano em Cuba.
O líder cubano derrotou conspirações apoiadas pelos EUA e enviou 386 mil concidadãos para lutar em Angola, Etiópia, Congo, Argélia e Síria. Ao longo de 40 anos (1958-2000) escapou a 634 tentativas de assassinato, escreveu Fabián Escalante, ex-chefe dos serviços de inteligência cubanos, segundo o site Cubadebate.
Ao jornalista Ignacio Ramonet, Fidel confessou carregar quase sempre uma pistola Browning de 15 tiros. "Oxalá todos morrêssemos de morte natural, não queremos que se adiante nem um segundo a hora da morte", disse em 1991.
O sedutor
"Fiquei tão impressionada! Não pude fazer mais do que olhá-lo no rosto e dizer: amo-te“, conta Mercedes González, uma cubana de 59 anos, que só viu de perto o líder cubano duas vezes, mas não resistiu ao "efeito" Fidel.
Seja pelo aspeto rude de guerrilheiro ou pelos seus discursos quilométricos - a maioria espontâneos porque ele gostava do "nascimento das ideias", segundo Salomón Susi, autor do Dicionário de Pensamentos de Fidel Castro -, Fidel fascinava também as massas, as mulheres, os políticos e os artistas.
"Ele projeta uma imagem pública muito atraente", um dom que também "faz parte da sua lenda", diz Susi. Já longe do poder, Fidel publicou reflexões sobre diversos temas. Apesar disso, o grande sedutor mantém fechada a sete chaves a sua vida privada (dois casamentos e sete filhos com três mulheres, é a única coisa que se conhece).
"A vida privada, na minha opinião, não deve ser instrumento da publicidade, nem da política", sentenciou em 1992.
O inimigo
"É o homem dos 'E's: ególatra, egoísta e egocêntrico". Assim é definido Fidel Castro pela dissidente Martha Beatriz Roque, de 71 anos. Quem se opôs, acrescenta, enfrentou uma tripla resposta: "a prisão, os espancamentos e os protestos de repúdio".
Fidel desafiou dez presidentes dos Estados Unidos antes do seu irmão Raúl, que o sucedeu no poder, decidisse restabelecer relações diplomáticas com o seu adversário da Guerra Fria, em 2014.
Fidel Castro governou com mão de ferro, e durante anos (1990 e 2002) a ilha foi condenada internacionalmente por violações dos direitos humanos.
Em 1959, o governo de Fidel condenou a 20 anos de prisão o comandante de Sierra Maestra, Huber Matos, por insurreição. Na "primavera negra" de 2003 mandou prender 75 dissidentes, incluindo Martha Beatriz Roque, e nesse mesmo ano foram fuzilados três cubanos que roubaram uma lancha para fugir para os Estados Unidos.
Fidel sempre negou os pedidos internacionais para uma abertura política e considerou os opositores "mercenários". "Eu vou lembrar-me dele como um ditador", conclui Roque.
O mito
Enquanto proclamava o triunfo da revolução em 1959, várias pombas voaram em seu redor e uma delas pousou no seu ombro. As pessoas entenderam isto como um sinal sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.
Num país onde o cristianismo se mistura com os cultos africanos, os cubanos atribuíram a Fidel a proteção do orixá Obatalá, o deus pai, o mais poderoso. Viam-no como um homem inabalável, que tinha solução para tudo, era considerado quase imortal até adoecer em 2006. Apesar da gravidade, sobreviveu.
"Pode ser que seja tocado pelos deuses, como dizem os que têm axé (sorte e poder)", segundo a especialista cubana em cultos africanos, Natalia Bolívar.
A figura paternal do "comandante", tão respeitada como temida, é omnipresente.
"Tenho um colete moral, é forte. Tem-me protegido sempre", disse aos jornalistas enquanto mostrava o peito durante uma viagem aos Estados Unidos, em 1979.
Fidel dizia não apreciar o culto à personalidade. Não há estátuas, mas sua imagem multiplica-se na ilha.
O inspirador
Um século XX sem Fidel Castro? Impossível dizer. Nos anos 60, Fidel apoiou as guerrilhas da Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Uruguai e Venezuela. No final dos 90, adotou politicamente Hugo Chávez (morto em 2013) e hoje Cuba é anfitriã e garante o acordo de paz que pretende acabar com meio século de luta armada na Colômbia.
A revolução de Fidel "provoca (...) a vontade de lutar, de ir para montanha, empunhar um fuzil para tentar mudar as coisas", diz Iván Márquez, o número dois das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Mas também é "graças a Cuba que podemos avançar tanto. Nenhuma outra tentativa de paz na Colômbia (...), tinha conseguido o que se conseguiu aqui, acrescenta Iván em entrevista à AFP.
Fidel exportou, além disso, as missões médicas que ajudaram os governos de esquerda a serem populares. "É o personagem mais importante do século XX no hemisfério ocidental", diz Márquez.
O Quixote
"Voltarão". Em 2001 Fidel Castro prometeu que traria de volta cinco dos seus agentes presos pelos Estados Unidos três anos antes.
"Quando Fidel disse 'voltarão', disse ao povo cubano: vocês os trarão", disse à AFP René González, um dos cinco cubanos libertados por Washington entre 2011 e 2014.
González ilustra assim o poder do ex-líder de contagiar os outros com as suas ideias, por mais incríveis que parecessem.
Mas nem sempre o Quixote caribenho venceu. Após um esforço titânico, não conseguiu, como tinha proposto, produzir 10 milhões de toneladas de açúcar em 1970. Mas conseguiu que Cuba derrotasse o analfabetismo em apenas um ano (1961).
Também se propôs a fazer de Cuba uma "potência médica", quando tinha somente três mil médicos no país. Hoje tem cerca de 88 mil especialistas, um para cada 640 habitantes.
Na ilha, proliferaram os "planos Fidel", experiências sem sucesso para criar búfalos, gansos ou transformar Cuba numa produtora de queijos de qualidade, quando ainda tinha um défice de vacas.
Também não conseguiu que os Estados Unidos devolvessem o território de Guantánamo, cedido há um século, mas conseguiu trazer de volta o menino Elián González, levado clandestinamente numa embarcação pela sua mãe, que morreu na tentativa de chegar a Miami, e cuja custódia provocou um braço de ferro entre Havana e Washington.
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