Em 1988, a maratonista Rosa Mota subia ao lugar mais alto do pódio olímpico nos jogos de Seul. Vinte e nove anos depois, 13 participantes, em grupo ou a solo, sonham chegar a Changwon, na Coreia do Sul, e misturar novamente as cores nacionais com o ouro.

E o que os move? Um género musical com origem no país, o K-Pop. Uma combinação de sonoridades e estilos musicais, efeitos audiovisuais, coreografias sincronizadas, estética colegial, muita cor e uma sensualidade adolescente. Os jovens intérpretes das girl ou boyband (os idols) ditam tendências de moda. Os grupos coreanos - Girl’s Generation (SNSD), EXO, SHINee, SuperJunior, 2NE1, Mamamoo, entre os mais conhecidos – passam por anos de treino até chegar a um palco. Os videoclipes têm uma produção de invejar e uma das características do género é a existência de pequenas frases em inglês no meio das letras em coreano, o que ajuda à internacionalização. Mas se perguntarmos a um fã, este dirá que a língua não é uma barreira – e nada que o Google não dê uma ajuda.

K-Pop World Festival, o ponto de partida para algo mais, pedem os fãs

Faltava pouco mais de uma hora para o início do evento. À entrada algumas dezenas de jovens esperavam à porta do Museu do Oriente, em Lisboa. Correção, não eram apenas jovens. Havia pais, muitos pais. Ouve-se uma chamada. Beatriz e Inês, de 15 e 19 anos, não têm bilhete e aguardam que alguém chame pelo seu nome. “Houve muita gente que não teve bilhete, quem não tem colocou o nome numa lista”, explica uma das amigas. “Não sei se vai chegar a nós. Se não chegar a nós vou chorar”, lamenta a outra. Correu tudo bem, minutos mais tarde vimo-las a entrar na sala.

Aqui todos amam a Coreia
Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Beatriz Clara deixou de dançar quando se mudou de Almodôvar para Lisboa. No sábado veio apenas ver e apoiar as “All.Ways”, grupo com o qual participou nas últimas duas edições. Já sabe o que é estar em palco, desta vez a experiência será na plateia. “É um evento de muita emoção e, acima de tudo, de convívio”, conta. Ao lado de Beatriz está a mãe, Ana Romba. Esta não esconde a emoção que vive quando vê a filha em palco, “choro baba e ranho quando vejo a minha filha atuar”.

As “All.Ways” são um grupo escolar, nasceram da ideia das professoras de português da escola alentejana. Das sessões caseiras de cinema asiático ao grupo bastou o entusiasmo dos alunos. O conjunto tem elementos com idades entre os 12 e os 43 anos. No início de janeiro de 2014 começaram a preparar a primeira atuação e esta foi a terceira vez que tentaram carimbar o passaporte para a Coreia. A língua pode ser uma barreira, mas as professoras já estão a tentar ultrapassá-la, aprendendo de forma a ensinar ao grupo.

O relógio marca a contagem decrescente para o início do evento. Já são poucos os lugares livres na sala. O público é irrequieto. As vozes sobrepõem-se ao som que sai das colunas. Reconhecem cada música e reagem, gritam, cantam. “O público é muito reativo quando veem as estrelas que gostam, basta aparecer no ecrã o artista”, conta Mauro Ventura, 20 anos.

Duas amigas de 14 anos vieram de propósito do Algarve para o evento, uma sozinha, outra com os pais. O que as faz fazer vários quilómetros para neste dia estar no Museu do Oriente? O K-Pop claro, mas que raio de pergunta. Defendem-no, é um estilo que une. “É exatamente igual à música americana, só muda a língua”, asseguram. Até no número de seguidores, grande também em Portugal. “Quase todos os meses há eventos, principalmente em Lisboa. Mas também há regionais. Há um pelo menos uma vez por menos”. E elas vão “ao máximo” que conseguem.

Mas o que distingue o K-Pop de outros estilos? “Toda a produção, desde as vozes até à melodia, e o resultado de anos de treino”, explicam Pedro (23), Inês (24) e Catarina (19). O “boom do Psy” contribuiu para a difusão do estilo com “Gangnam Style” a chegar ao primeiro lugar das principais tabelas de músicas mais ouvidas. “As pessoas começaram a perguntar o que era isto, começaram a ouvir a apaixonar-se pelas músicas. Acabou por tomar outra dimensão”. Esse interesse reflete-se no festival. “Nas primeiras edições não se enchia a sala, desde há quatro anos que isso mudou”. A comunidade de fãs tem também aumentado e “hoje já é muito fácil encontrar quem conheça e goste”. O J-Pop [Pop japonês] deu uma ajuda. “Os fãs de J-Pop e de anime começaram a mostrar a música e a cultura coreana.” Falta, porém, um evento “grande” de K-Pop, com convidados internacionais, na opinião do grupo. “O K-Pop Festival podia ser um ponto de partida para isso”.

Como se diz sonhar com a vitória em coreano?

A maioria das participações já tinha pisado o palco noutras edições. Como foi o caso das E-DEN, vencedoras da edição de 2016 na categoria Performance e que tiverem as honras de abertura do evento. Há que não baixar os braços, que o digam aqueles que incansavelmente iluminaram a sala, de início ao fim, com os feixes de luz distribuídos à entrada. De todas as cores, são um adereço indispensável dos eventos K-Pop. E foram eles que iluminaram a atuação das Night Souls.

Muitos dedicaram a sua atuação a terceiros, foi o caso dos Athena, cuja homenagem foi ao sexto elemento que, por motivos de saúde, não pode estar presente e os obrigou a reajustar a coreografia na tarde da competição. A escolha da canção também é importante. Para as Reset, agora em duo, prendeu-se com um tema que as faz sentir confiantes e as ajuda a superar momentos menos bons. A preocupação com o visual é tida em conta. As 24/7 sabem-no, talvez por essa razão prefiram ser as próprias a personalizar o guarda-roupa. A música de Cátia Mota, que chegou ao top 3 da edição do ano passado, foi escolhida por um elemento de outro grupo que atuaria mais tarde, um exemplo da camaradagem entre colegas.

Algumas pisavam o palco pela primeira vez, outras pela última. Não vimos a reação de Beatriz, mas apostamos que torceu pelo seu grupo, ela que tão bem nos explicou como é estar em palco com as All.Ways. Algumas participações não escondem a aproximação aos grupos originais, como as Sweet Seranade, outras preferem homenagear com a sua atuação, como as Nolza. E a dedicação aos artistas é tão grande que Mariana Rolo estuda coreano há cerca de dois anos e sente-se cada vez mais confiante para cantar na língua dos seus grupos preferidos.

Jéssica Tavares quis incluir na sua atuação os seus amigos, família e fãs – que pela reação do público na sala são já muitos. E depois do evento deste sábado, os de Matheus Paraízo vão ser ainda mais – e quem sabe alguns deles coreanos. As Saweet fecharam a tarde, quando o nervosismo por saber quem seria vencedor já era muito.

A música dos BTS valeu a Matheus o primeiro lugar na categoria Canto. No final do evento, o jovem de Vila Conde partilhou connosco o que lhe ia na alma. “Sinto-me grato”. Foi graças a duas amigas, a Marta e a Isabel, que Matheus entrou no mundo do K-Pop. Fica o desejo de cumprir o sonho de chegar à Coreia. O mesmo sonho é partilhado pelas Nolza, vencedoras na categoria Performance. À quarta participação foi de vez. “Estamos loucas” é “inacreditável”, não conseguiam esconder o entusiasmo. Para as quatro amigas tudo começou “como começa para toda a gente, através da Internet. Conhecemo-nos na escola, tínhamos o mesmo gosto e gostávamos de dançar. Resolvemos tentar. Porque não?”. E agora? “Primeiro vamos festejar, depois... vamos continuar a dançar”. Laila, Tatiana, Rita e Eduarda deixam uma mensagem a quem, como elas, tem este sonho: “Tentem, é uma experiência incrível. Não é preciso vencer, isto também é pela diversão. Nos quatro minutos em palco sentimo-nos como umas estrelas”.

“Esta plateia é super especial”

A apresentação (em português e inglês - e coreano em alguns momentos) ficou a cargo de Rui Andrade e de Sílvia Ferreira. O ator e músico falou ao SAPO24 sobre como é voltar a repetir a condução do evento. Sem hesitações, diz-nos que não há como não gostar. “Todo o rigor e tudo aquilo que investem em termos de imagem e a nível musical é realmente de se gostar”, conta o apresentador, que até em coreano cantou, algo que não é tarefa fácil. Em palco, mesmo não sabendo o que estava a cantar, emocionou-se com a reação do público, que logo no primeiro acorde perceberam qual era a canção. Prova de que “a língua não é uma barreira quando falamos de música”.

Será que Portugal volta a ter representação na Coreia?
Rita Sousa Vieira | MadreMedia

E o público? “Esta plateia é super especial, digo-o mesmo a amigos meus. A euforia que se sente aqui, destes jovens, não se encontra em mais lados. Não há num espetáculo da Adele ou da Beyoncé. O encantamento é total. Basta ouvirem o acorde de uma música, basta verem o frame de um vídeo que ficam completamente rendidos. Essa energia é contagiante e passam-na para nós em palco”.

“De ano para ano a qualidade das participações está a aumentar”

A Embaixada da República da Coreia em Portugal organiza, desde 2012, a eliminatória portuguesa do K-Pop World. “De ano para ano a qualidade das participações está a aumentar”, diz-nos Jin Sun Lee, assessora cultural na Embaixada da República da Coreia em Portugal.

Também o número de inscrições tem aumentado, tendo a edição deste ano superado as de anos passados, 28. Se nas primeiras edições alguns grupos tinham ainda dificuldades no domínio da língua coreana, cada vez mais os participantes exibem os seus dotes artísticos, mas também linguísticos. “Mas não queremos que o interesse pela cultura coreana se fique pelo K-Pop”.

O K-Pop World Festival é organizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros sul-coreano e as eliminatórias nacionais, como a portuguesa, realizam-se em mais de 60 países, num total de 80 pré-eliminatórias. Em cinco edições já realizadas, Portugal apenas foi escolhido para disputar a final em 2014. Filipa Cardoso venceu a categoria de Canto e levou as cores nacionais à Coreia, ficando entre os 14 melhores do mundo.

As pré-eliminatórias visam selecionar um vencedor na categoria de Canto, há seis candidatos, e outro na de Performance, concorrem sete grupos. Os vencedores de cada categoria ficam a dois passos - ou a duas seleções - de ir à Coreia.

Boa sorte, Nolza e Matheus.