Festa de São Mateus, em Viseu. Diz o slogan, “há 625 anos a feirar”. Em noite de 15 de agosto, a celebrar 50 anos de carreira, Marco Paulo, regressa, 10 anos depois, a uma casa que o faz feliz. Uma felicidade que não é só dele mas de um público que lhe pertence por direito e que ali está para assistir. Recebeu o SAPO24 nos camarins. Conversou de tudo, abertamente. Connosco e com as fãs que em cada terra por onde passa fazem fila à porta horas antes dos concertos.

Quando entrámos, explicava que tinha recebido um convite de uma fã, por carta, para almoçar. Sónia, de seu nome. Respondeu, telefonicamente, à própria, e disse que “não marca encontros com quem não conhece, mas podia vir com a mãe (Beatriz) aos camarins antes do concerto”. Sónia queria fazer uma surpresa à mãe, doente. Beatriz, 66 anos, que tinha o sonho de conhecer o cantor que ouve desde nova apareceu, sim, mas com a filha Conceição que fez questão de dizer que também da última vez que Marco Paulo esteve em Viseu tinha ido ao camarim para pedir um autógrafo.

Sentado, recebeu mãe e filha. Convidou a mãe para se sentar, fez-lhe uma festa na cara e afagou-lhe as mãos. Em sinal de respeito. Perguntou por Sónia. “Não pode vir”, respondeu Conceição. “Eu ia chamar a Sónia ao palco”, respondeu de imediato Marco Paulo.

São 19h00 e a fila começa a engrossar na parte trás do palco da Festa de São Mateus. Marco Paulo, vestido informalmente, está acompanhado de Maria Helena, jornalista da Rádio Emissora das Beiras. Há uma história curiosa entre ambos. “Recordo-me de inúmeras viagens Lisboa-Porto e Porto-Lisboa, ouvia nesta rádio músicas minhas”, adianta Marco Paulo. “No programa de discos pedidos era um dos artistas referência”, explica a jornalista e proprietária da rádio da Região Centro que chega a todo o mundo português. Tornaram-se amigos há 20 anos, contabilizam.

“Esse é pirata... Elas não sabem, coitadinhas”

Nos camarins, estruturas pré-fabricadas, sem grandes luxos, com dois cadeirões, uma cadeira de esplanada, uma mesa com farturas e fruta, Marco Paulo recebe as fãs. Sabe o nome de muitas. Preocupa-se com elas (e eles) e com os horários. É isso que explica o porquê destes encontros antes do concerto. “Estamos em Viseu, sei que há gente que vem do Barreiro, Guimarães, de longe ... se as recebesse depois, lá para uma hora da madrugada chegariam muito tarde a casa. E amanhã é um dia de semana”, sublinha.

Neuza e Luís Bondes, acompanhados do filho Miguel, entram a rir. “Olá Marco”. “Olá minha querida, como estás?”. Marco Paulo trata (quase) todas as fãs por “tu”. Dá um toque de intimidade e cumplicidade. Neuza diz que ainda não falhou um concerto nestes últimos dois anos. O artista confirma. Natural do Barreiro, orgulha-se de ter em casa toda a discografia, LP’s, CD’s e DVDs. “Eu sei lá quantos discos tenho. Olhe, tenho todos”, resume, ostentando o cachecol oficial dos 50 anos do artista.

O marido chega-se à frente na conversa, embora o protagonismo no diálogo com Marco Paulo e com a equipa do SAPO24 seja de Neuza. “Quando a conheci, a primeira prenda que lhe dei foi um LP (disco)”, recorda Luís, recuando de imediato. “O Marco Paulo pegou-me ao colo no Bombarral”, relembra ela, por sua vez. “Todas as músicas me arrepiam. "O Queria tanto "e "O assim foi" comovem-me”. Luís sorri e confirma.

O entra-e-sai é quase constante nos camarins. António Coelho que anda “há mais de 40 anos com o Marco”, segundo o próprio, vai controlando as entradas de fãs de todas as idades. A porta nunca se fecha e quem está para entrar vai acenando e sorrindo para o artista. E pressiona com o olhar quem está lá dentro.

Há gente que não o vê há mais de 10 anos. É só para “tirar uma foto”, pede outra fã. As selfies são substituídas por estes pedidos que imortalizam os fãs ao lado do cantor. Quem está nos camarins, neste caso a equipa SAPO24, veste o papel de fotógrafo de uma corte muito particular. A do rei Marco Paulo.

Pedem autógrafos em todo o lado. Em papéis, nos discos, CD’s e cachecóis, muitos cachecóis. “Esse é pirata”, aponta Marco Paulo. Os olhos riem. Quem lhe dá o material, junta as mãos à face como que a pedir misericórdia. “Elas não sabem, coitadinhas ... vão aos concertos e como querem comprar, compram logo à entrada”, desculpabiliza-as. “Os verdadeiros e originais estão à venda cá dentro, não é lá fora, está bem, minha querida”, deixa o recado a quem está a viver os (poucos) minutos de sonho, uma mensagem que passa de boca em boca na fila.

A senhora que se segue já sabia. Mesmo assim pede que assine o (mal) dito, apontando para uma fotografia dos primeiros anos do artista com a vasta cabeleira de caracóis. “Queres que assine aqui na cara? Não tenho espaço...”, avisa Marco Paulo. “Não meu amor, em cima dessa carinha linda, não. Aqui (entre fotografias)”, pede a fã. Assim foi.

Ao lado de Marco Paulo antes dos “Dois Amores”

António Coelho garante a ordem nestes convívios. “Estou com ele desde antes dos Dois Amores”, diz. “É a pessoa em que mais confio”, refere Marco Paulo. “Sou padrinho de casamento dele e ele é padrinho do meu afilhado (Marco António) que toca viola baixo”.

Com a entrada de uma fã mais nova que a maioria – que está ali a pedido da avó que quer um autógrafo – a pergunta impôs-se. Seria ela mesmo fã? Marco Paulo, interrompe e responde. “Sabe, nunca faço essa pergunta. Sei que atravesso gerações e sei que não sou uma mera moda passageira”. Entra em diálogo com quem está defronte de si com um papel na mão. Pergunta-lhe a idade. E dá uma lição. “Os mais antigos vivem. Despertam a curiosidade”, frisa. “Os mais novos andam aos sabores da moda que depois outro consome num curto espaço de tempo”. Pelo meio elogia José Cid. “Era um grande compositor. Fez músicas lindíssimas”, assume.

Agradece as flores que vai recebendo. “Vai para minha casa, ofereço à minha mãe ou deixo em Fátima à Nossa Senhora de quem que sou devoto”, promete. Uma criança de cerca de quatro anos é apresentada como fã número 1. A avó babada pede-lhe para cantar. Não cantou. Há quem entre a choramingar. “Há tanto ano que o ouço”, tremelica a voz, mostrando um cartaz. Outra tem Marco Paulo no telemóvel. "Atreve-te a ter outro!", disparou de imediato Marco Paulo. “Sou sobrinha do Carlos Menezes”, escuta-se. “Conheço muito bem”, responde.

Nos camarins fala da doença. O amigo de casa vira artista em palco

O diálogo entra também na intimidade. Fala abertamente da doença. Mostra a cicatriz. Pede para tocarem, sem receio. Antes do concerto, é um amigo de casa. “No palco, um artista”, avisa. Um artista que já não atira o microfone de uma mão para a outra.

Marco Paulo na Feira de São Mateus, em Viseu. Veja as fotos.

Fim das conversas com que alimenta a alma. Recolhe aos camarins 40 minutos antes do espetáculo. Sozinho. Para acertar música e letra. E faz questão de explicar que se veste a sós antes dos espetáculos. É um ritual. Tem dois fatos para escolher.

Neste hiato de tempo, conversámos com António Coelho. O braço direito e esquerdo de Marco Paulo. Com barba branca, cabelo comprido apanhado, é, também ele, uma figura mimada por quem segue religiosamente e em peregrinação o artista.

Recorda os primeiros anos em que tocavam em circos, levavam o som e a carrinha. De quando Marco Paulo “acompanhava a filha do ilusionista professor Karmem”, dos “32 espetáculos em mês de 30 dias” e das viagens em que “seis de nós íamos de carrinha” e o artista “ia de carro”. Hoje António guia o carro de Marco Paulo. “Não é vedeta, nunca foi a festas, gosta de parar em Canal Caveira (cozido à portuguesa) e na Mealhada (leitão)”.

Nesta viagem do tempo fala de como tudo começou, com a música “Com o vento vou cantando” e “O mais feliz do mundo”, e da viragem para “Joana” e “Dois amores”. “Foi o povo que o fez. É o povo que o segura”, sustenta. “Em Mortágua, estava gente de Lisboa. Por vezes damos pouco para tudo aquilo que elas nos dão”, nota.

“Andava muita gente a perguntar se eu vinha...”

O tempo passa e a orquestra que o acompanha vai dando uns toques. Aproxima-se a hora. Abre a porta do camarim e ali permanece à entrada. A imagem que se vê é a que sempre se teve de um artista deste calibre. Luz branca de fundo, um braço, ao alto, num lado da porta, outro, no lado oposto, mais descaído, a cabeça, de lado, inclinada.

Veste fato escuro, camisa às riscas azuis e lenço branco. Numa mão tem uma folha com as músicas. Levanta o véu daquilo que se irá passar na próxima uma hora e quinze minutos. “Às vezes canto “1h30, outras vezes, 2h”, previne. Duas certezas estão definidas à partida. “Não faço encores” e termina com “O sol brilhará”. Pedem para esperar “porque há gente a entrar”. Marco Paulo cede e avisa. “Não podemos esperar muito”.

Entrou em palco ao som da banda. “Como passam os anos” foi a canção de arranque. Pegando na letra, parece que não passam.

“Boa noite, Viseu”, grita Marco Paulo. “Boa a noite a todas e boa noite a todos”, prossegue. Entre o reportório, conversa com público e relembra os 50 anos de estrada. Tem saudades de Viseu.

O que conversou nos camarins, transporta para a praça pública. Fala abertamente da operação a que foi submetido, da necessidade de beber água por causa do rim operado. Fala do rim direito e do rim esquerdo e que a falta de um obriga o outro a ser alimentado. Explica, gesticulando com as mãos. Acrescenta que não bebia muita água, mas que agora, por indicação médica, terá que o fazer. Desde a operação diz que já fez cinco concertos... “Andava muita gente a perguntar se eu vinha ...”. Ouvem-se palmas.

“Vocês são a minha maior família”

À terceira música, entra o “Dois Amores” com direito a momento acústico com o público a entoar o refrão. Cada música que canta, incita “façam barulho!”. As fãs fazem-lhe a vontade. Diz que tem um agregado familiar pequeno. Virado para o público de braços semiabertos diz: “vocês são a minha maior família”.

Pede um minuto (que serve para descanso) e anuncia espetáculo de 2 de dezembro, no Meo Arena que terá a orquestra e mais 25 músicos. Elogia a banda, as vozes de Telmo e Elisabete, e o afilhado Marco António. De voz pausada, anuncia mais duas músicas e diz que é uma bênção de Deus estar a cantar depois da operação. Como se estivesse na sala da sua casa, entre amigos, fala da fã Maria Helena, da rádio das Beiras, dedica a música “Na hora do adeus” a todos os emigrantes, refere-se a quem vem de Porto, Águeda e do Barreiro (anunciando Neuza) e conta a história (privada) da senhora das batatas de Carregal do Sal. “Gosto de pessoas assim genuínas”, suspira.

Pede aos fãs para levantarem os braços à contagem de “1,2,3”. Pede a alguns elementos da banda, onde se inclui o afilhado, para com o telemóvel, tirarem a maior selfie do mundo com os fãs de braços no ar. Ele estará sentado num banco alto que permaneceu sempre no meio do palco.

“O mais importante na vida é saúde. Não queiram palácios e carros, tenham muita saúde na vossa vida e aproveitam o melhor que puderem”. Depois do recado, entra “Sempre que brilha o sol”. Fim de concerto. Sai como entrou. Com música da banda.

Desloca-se para o camarim. De porta aberta, deixa cair dos ombros o casaco. Despede-se. É, de novo, o momento a sós. Quem continua a lidar com fãs é António Coelho que vende o material oficial do artista. São 50 anos de estrada.