Vistas habitualmente apenas pelos conservadores do museu, que as cuidam e recuperam, estas são algumas das marionetas, na sua maioria nunca expostas, de um acervo acumulado ao longo de duas décadas, e que poderão ser conhecidas pelo público até 29 de outubro.

“As marionetas não são objetos inertes. Foram criadas para entrar em ação e contar histórias, portanto a sua musealização é muito complexa”, observou a diretora do museu, Ana Paula Rebelo Correia, durante uma visita para jornalistas à nova mostra, antes da abertura.

É a primeira vez que o Museu da Marioneta apresenta uma exposição com peças das reservas do seu acervo, com cerca de 5.000 exemplares, e as escolhidas – incluindo três teatros portáteis e um teatro de sombras – são originárias da Europa, África e Ásia, realizadas entre finais dos séculos XIX e XX.

Intitulada “A Outra vida das Marionetas – Coleções das Reservas do Museu”, a nova exposição temporária foi montada na antiga igreja de Nossa Senhora da Nazareth, atualmente sala de espetáculos e de exposições temporárias do museu fundado em 2001 no Convento das Bernardas, tutelado pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa (EGEAC).

A abrir a mostra – cuja cenografia é da autoria do artista plástico António Viana – está um Teatro de Sombras criado por Heiner Knappe (1929), realizado na década de 1970 na Alemanha de Leste e apresentado em 1980, constituído por um cenário em madeira representando uma cidade e por setenta peças, entre marionetas e adereços, em madeira recortada com aplicações de acetato.

A peça representada neste teatro era uma adaptação de “A Sombra”, de Hans Christian Andersen (1805-1875), publicada pela primeira vez em 1847, e o teatro foi concebido para quatro atores que manipulavam as marionetas de vara e os adereços correspondentes a cada uma das cenas atrás de um bastidor em tecido.

“O museu tem uma ligação muito forte com marionetistas portugueses e estrangeiros, sobretudo da Europa”, apontou Ana Paula Rebelo Correia, referindo que por essa razão têm surgido doações de vários países, uma das mais recentes da coleção de Michael Meschke, marionetista sueco de 93 anos.

Esta doação de um conjunto intitulado “Canções suecas” inclui três músicos-marionetas de fios, realizadas em 1953 por Meschke, e cuja manipulação “é complexa e implica mover nove fios através de uma cruzeta em madeira para que possam executar o máximo de gestos, com o maior realismo”.

Michael Meschke nasceu em 1931, na Alemanha. Em 1939, para fugir à guerra, os pais emigraram para a Suécia, onde fez a sua formação artística.

Em 1958, fundou a Companhia Marionetteatern em Estocolmo, que dirigiu durante 40 anos, tornando-se uma referência internacional. Em 1973 fundou o Museu Internacional da Marioneta de Estocolmo.

“Quando fez o contacto para a doação, Michael Meschke referiu-se sempre às marionetas como ‘os meus filhos'”, disse a diretora.

Perto deste conjunto está outro doado pela família de Henrique Delgado (1938-1971), “um caso ímpar no estudo da marioneta em Portugal”, segundo Ana Paula Rebelo Correia, recordando que, ao longo da curta vida, o marionetista desenvolveu um aprofundado trabalho de investigação que se mantém uma referência para o conhecimento do teatro de marionetas a nível nacional.

“Foi também criador de marionetas, sobretudo de luva, e deu um contributo fundamental para que outros países conhecessem o trabalho dos marionetistas portugueses, através da investigação e de contactos internacionais”, salientou a responsável, questionada pela Lusa.

Nos anos de 1960, Henrique Delgado foi um dos fundadores do Robertoscope, companhia criada com Henrique Trindade e que fazia parte da Casa do Pessoal da Companhia das Águas onde era funcionário, tendo mais tarde fundado e dirigido o Teatro Lilipute, com marionetas que ele próprio concebeu e construiu, onde atuaram as peças agora expostas.

Ao longo do percurso da mostra, surgem conjuntos provenientes de outros países da Europa, como República Checa, Áustria e Itália, e também de outros continentes, de países como a Índia e a China, com tradição milenar desta arte.

Saídas das caixas, das gavetas e dos armários das reservas, entram novamente em cena, para a exposição, algumas peças originais – como um teatro portátil feito a partir de uma cadeira – ou outras com histórias mais sinistras, como o conjunto de peças criadas por soldados alemães durante a Segunda Guerra Mundial, no âmbito de um curso de marionetas que decorreu nas casernas onde se encontravam e no couraçado Prinz Eugen.

“A utilização do teatro de marionetas como meio de propaganda nazi tornou-se recorrente, em paralelo com a rádio ou o cinema, a partir de 1938, quando foi fundado o Instituto do Reich para o Teatro de Marionetas”, explicou a diretora do museu.

Devido ao baixo custo das produções e da possibilidade de itinerância, a fácil relação com todos os públicos e o uso do humor e de narrativas populares conhecidas para incutir a ideologia pretendida, o teatro de marionetas teve grande expansão na frente de guerra alemã.

Ao longo dos séculos, as marionetas – eruditas ou populares – foram para muitas pessoas a única forma de contacto com o teatro, contando histórias do quotidiano ou do divino, fazendo crítica social, política e religiosa.

Embora a tradição tenha decaído depois do advento da rádio, do cinema e da televisão, a vida destas peças está a ser recuperada pelo crescimento do turismo em todo o mundo, segundo a diretora do Museu da Marioneta.