Quando se fala ou escreve sobre "True Detective", de uma maneira ou de outra, a conversa acaba invariavelmente a desconstruir a temporada de estreia (2014) desta série de antologia. E o que não faltam são razões para que assim seja: o genérico de introdução, a química de Matthew McConaughey e Woody Harrelson, os monólogos memoráveis do Detetive Rust Cohle, a fotografia de Adam Arkapaw e a realização de Cary Joji Fukunaga (a cena sequencial de seis minutos "sem cortes" ainda hoje é falada), o inquietante e filosófico guião de Nic Pizzolatto, o criador e argumentista, que através das tiradas icónicas de Rust apimenta o tema da religião com o existencialismo e niilismo (tiradas fantásticas e que ficam para a posteridade, mas que valeram a Pizzolatto várias críticas e acusações de plágio). Enfim, há muito por onde gostar e o que não faltam são justificações para ter feito tanto sucesso junto da crítica e do público.

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No entanto, algo se passou e perdeu pelo caminho nas temporadas seguintes. A segunda (2015), apesar de todo o star power, foi um fiasco (Fukunaga nada teve a ver com o projeto devido a divergências com Pizzolatto, que assumiu as rédeas de produção em toda a linha — e isso nota-se no guião atabalhoado e apressado e na falta de entidade visual dos episódios); para a terceira (2019), deixou-se o tempo andar para a audiência ganhar saudade, resgatou-se o oscarizado Mahershala Ali para liderar o elenco e tentou-se recuperar a fórmula do sucesso da primeira ao chamar-se um parceiro para acompanhar Pizzolatto no processo criativo (David Milch, o criador de "Deadwood"). Ainda assim, e por mais que diste muito da segunda em termos de qualidade e se aproxime do que fez "True Detective" ser "True Detective", parece ter a falta da "essência" da primeira.

Até que, volvidos quatro anos, a série está de regresso — agora com uma nova identidade e frescura. Concretamente, a história leva-nos até a uma noite gelada de inverno em Ennis, no Alasca, quando oito homens cientistas desaparecem sem deixar rasto. Perante o mistério, entram em cena as detetives Liz Danvers (a veterana Jodie Foster, que recentemente revelou ter rejeitado ser a Princesa Leia no filme “A Guerra das Estrelas” e ter pouca paciência para trabalhar com a Geração Z) e Evangeline Navarro (Kali Reis, uma lutadora de boxe profissional com títulos mundiais com ascendência cabo-verdiana e nativo-americana, que se estreia na televisão depois de o ter feito no cinema em 2021). Juntas, como nota a sinopse oficial, vão ter de "enfrentar a escuridão que carregam dentro de si e escavar as verdades assombradas que jazem enterradas sob o gelo eterno".

  • Curiosidade: é escusado ir ao Google à procura de mais informação sobre Ennis ou dos seus crimes. O condado de North Slope Borough é real e serviu de inspiração, mas Ennis é pura “ficção”. Assim como as filmagens decorram quase a 5000 quilómetros do Alasca, mais concretamente na Islândia.

A maior diferença desta nova Era de "True Detective"? Pizzolatto, o criador, saiu completamente de cena. Para o seu lugar entrou Issa López, realizadora-argumentista mexicana que se estreia num projeto em inglês depois de a HBO a convidar para tomar as rédeas da franquia — culpa do seu "Tigers Are Not Afraid", uma fábula de terror em formato indie sobre um grupo de crianças encarcerado que tenta fugir às amarras dos cartéis de droga e respetivos tigres (basta ver o trailer para sentir a influência de Guilherme Del Toro). A par de López, nos créditos também salta à vista o nome de Berry Jenkins (realizador de "Moonlight"), que serve como produtor-executivo.

Numa entrevista recente ao LA Times, López confessou ter uma obsessão "pouco saudável" pelos puzzles do mundo de Sherlock Holmes quando era mais jovem. E durante a pandemia, isolada e fechada, recuperou esse sentimento e resolveu trabalhar num thriller policial em prol desses tempos. Assim o fez, mas ao mistério de Arthur Conan Doyle acrescentou o toque detetive de "Se7en - Sete Pecados Mortais" e o terror de "The Thing", de John Carpenter. O projeto ficaria a marinar e acabaria na gaveta. Até que o telefone tocou — e o resultado está à vista na HBO Max desde o último domingo e dá pelo nome de "True Detective: Night Country".

True Detective: Night Country
créditos: HBO Max

Issa López realizou e teve dedo no guião de quase todos os episódios. E apesar de a história que escreveu ser ficção, as influências são baseadas em acontecimentos reais, nomeadamente o mistério que envolveu o navio-fantasma Mary Celeste que desapareceu no meio do Atlântico em 1872 e o famoso "Caso Dyatolov", incidente ocorrido em 1959 quando nove soviéticos morreram nos Montes Urais em circunstâncias suspeitas. Também muito reais são os crimes representados contra as mulheres indígenas do Alasca (um estudo de 2016 concluiu que quatro em cada cinco mulheres foram vítimas de violência durante a sua vida, sendo que metade foram vítimas de violação).

Sobre a série em si, as críticas foram muito positivas. O consenso dos sites da especialidade (93% Rotten Tomatoes, 81% Metacritic) é o de que esta temporada é a que mais se aproxima da qualidade evidenciada pela aclamada e adorada Era Matthew McConaughey-Woody Harrelson — ainda que recentemente tenha estalado uma polémica com a nova showrunner, que se queixou nas redes sociais da prática de review bombing por parte dos "bros e fãs hardcore da temporada 1".

Já a nível de adesão, a HBO tem razões para sorrir porque López, Foster e Reis parecem ter conseguido fazer aquilo que as últimas duas temporadas não conseguiram: agarrar o público. É que apesar das notícias do review bombing, a realidade é que o primeiro episódio teve mais de 2 milhões de espectadores assim que ficou disponível — mais do que o primeiro episódio da segunda temporada de "The White Lotus" e muito perto do primeiro episódio da segunda temporada de "Euphoria", segundo a Variety.

  • Nos créditos finais, falou-se de Todos Menos Tu (nos cinemas), Stick The Landing (podcast) e Matilha (RTP e Prime Video).