As vitórias, derrotas e promessas do semestre português na União Europeia
Terminam hoje os seis meses com Portugal a presidir ao Conselho da União Europeia, um dos órgãos que traçam o futuro dos 27 — o único cuja presidência rotativa vai andando de país em país, em vez de estar arrumado num corredor de Bruxelas.
Desde janeiro, contam-se pequenas vitórias, algumas derrotas — e promessas que, apesar dos esforços consideráveis, passam para a próxima presidência: a eslovena.
Comecemos por aí: os esforços foram consideráveis, mas a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia termina hoje sem concretizar um dos seus grandes objectivos: ver arrancar no terreno a recuperação económica pós-pandemia de covid-19.
“Era tempo de agir a agimos”, afirmou na semana passada o primeiro-ministro, António Costa, ao fazer, perante os homólogos, um balanço desta quarta presidência portuguesa da UE.
A meta de ter os planos nacionais aprovados até 30 de junho, abrindo caminho à libertação da primeira ‘tranche’ do Fundo de Recuperação e Resiliência, foi anunciada logo em dezembro pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e renovada em abril, quando António Costa apontou para a aprovação de um primeiro pacote de Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) na reunião de ministros das Finanças (Ecofin) de 13 de junho.
Portugal até foi o primeiro país a apresentar formalmente o seu plano de investimentos à Comissão Europeia, mas outros Estados-membros não foram tão rápidos: a 30 de abril, data limite indicativa para a entrega, apenas oito dos 27 o tinham feito e, atualmente, dois meses passados, ainda há três países que não o fizeram.
A Comissão aprovou entretanto 12 planos, os mesmos que deverão ser submetidos ao Ecofin marcado para 13 de julho, quase um ano depois da histórica cimeira em que os líderes europeus aceitaram criar um fundo de 750 mil milhões a financiar, pela primeira vez na história da UE, com dívida emitida em nome dos 27.
Foi neste outro aspeto que Portugal fez a diferença, nunca abrandando a pressão sobre os restantes Estados-membros para a ratificação da decisão dos chamados recursos próprios.
Esse processo ficou concluído a 28 de maio, permitindo que, a 15 de junho, a Comissão lançasse a primeira e maior emissão de obrigações institucionais de sempre na UE, angariando 20 mil milhões de euros.
Ainda na vertente económica, e tendo estipulado também como objetivo aprovar todos os regulamentos para a entrada em vigor do quadro financeiro plurianual, o orçamento da UE para 2021-2027, a presidência negociou e conseguiu que fosse aprovada praticamente toda a legislação, incluindo a reforma da Política Agrícola Comum (PAC), acordada nos últimos dias.
Portugal definiu como terceiro grande objetivo chegar ao final de junho com o processo de vacinação contra a covid-19 “bem avançado” em todos os Estados-membros, um “elemento essencial para a recuperação económica e social”.
Depois de significativos atrasos no primeiro trimestre, durante o qual apenas 4,1% da população adulta da UE foi imunizada, o reforço da entrega de vacinas permitiu avanços, mas as desigualdades entre Estados são importantes e o surgimento da variante Delta complicou e fez retroceder o desconfinamento em várias regiões e países.
Uma vitória, neste domínio, foi o certificado digital covid-19, adotado “em tempo recorde” para facilitar a circulação na UE.
A presidência portuguesa definiu como quarto grande objetivo “um impulso definitivo" à realização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, promovendo, no Porto, uma Cimeira Social, que reuniu decisores, parceiros sociais e sociedade civil.
A Cimeira ficou contudo marcada pela questão do levantamento das patentes das vacinas, proposta dois dias antes pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Levantamento que não aconteceu.
Por outro lado, e apesar da insistência de Portugal ao longo dos seis meses na importância da defesa do Estado de direito na UE, que passou pelo relançamento dos procedimentos contra Hungria e Polónia, a presidência termina com uma polémica envolvendo direitos fundamentais.
O “dever de neutralidade” afirmado pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus em relação a uma carta de 13 líderes da UE defendendo os valores fundamentais europeus, publicada depois da aprovação na Hungria de uma lei proibindo “a promoção” da homossexualidade junto de menores de 18 anos, valeu fortes críticas internas ao governo.
A polémica chegou até às bancadas do Euro2020, com a UEFA a remeter-separa uma posição semelhante. Portugal perdeu a oportunidade de afirmar que os direitos humanos não são política — são direitos humanos.
Inicialmente planeada para diferentes cenários de evolução da pandemia, as sucessivas vagas determinaram que a regra fosse muitas vezes a reunião por videoconferência ou híbrida, o que afetou a dinâmica de algumas negociações, mas também, e sobretudo, a visibilidade da presidência, com uma cobertura mediática forçosamente dificultada.
Ainda assim, com espaços bem apetrechados em Lisboa, o fausto da presidência portuguesa não se livrou das críticas na imprensa internacional.
Entre o que foi feito e o que falta fazer (até para concretizar os avanços conseguidos), é sempre difícil decifrar o valor histórico da política feita nos últimos seis meses. O caminho está desenhado, mas ainda falta alcatroar troços e marcar algumas linhas.
Hoje no Euro
Entretanto, o Euro está em pausa até ao final da semana. Este é o calendário dos Quartos de final da competição (de onde Portugal já foi eliminado):
Sexta-feira, 2 de Julho
Suíça - Espanha (17h00, São Petersburgo)
Bélgica - Itália (20h00, Munique)
Sábado, 3 de Julho
República Checa - Dinamarca (17h00, Baku)
Ucrânia - Inglaterra (20h00, Roma)
Economia
Mais de um ano depois da adoção de medidas para fazer face aos efeitos da pandemia na economia e nas famílias, os despejos e os cortes de energia e comunicações eletrónicas voltam a ser permitidos a partir de quinta-feira.
Atualidade
O matemático Jorge Buescu fala sobre a degradação do ensino em Portugal desde 2015, sobre investigação e até sobre a "Disneylândia" em que Lisboa se tem vindo a transformar.