Marcelo, a crise e uma dissolução anunciada
Edição por Abílio dos Reis
O Presidente da República fará hoje uma comunicação à nação e a hora escolhida para o fazer, como já tem vindo a ser hábito quando a matéria é importante, não acontece por acaso. É à hora que os portugueses estão sentados à mesa, é à hora que a maioria já saiu do trabalho, é a uma hora que em teoria chega a muitas pessoas. Ou seja, cerca das 20h00, é tempo de ouvir o Presidente.
Marcelo Rebelo de Sousa vai comunicar, portanto, a sua decisão sobre a ameaça que no último mês deu como certeza: a dissolução do parlamento, na sequência do chumbo da esquerda ao Orçamento do Estado para 2022 proposto pelo Governo de António Costa. Depois, é provável que anuncie a marcação da data de eleições legislativas antecipadas.
Esta intervenção acontece um dia depois de ter ouvido o Conselho de Estado e cinco após as audiências com os partidos com assento parlamentar — em que a maioria explicou que a data favorita, em caso de eleições, será 16 de janeiro. Há dois dias, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que iria escolher "a data mais razoável", que "corresponda à melhor solução para o esclarecimento dos portugueses", sem ter em conta processos eleitorais partidários.
Mas como é que chegámos aqui? A ter que falar sobre eleições antecipadas, dissolução do parlamento e datas? Ora, se recuarmos seis anos, o Chefe de Estado já tinha anunciado em 2015 o seu croqui e o modo de atuação num cenário de crise política. Na Voz do Operário, em Lisboa, quinze dias depois de ter anunciado a sua candidatura presidencial, falando especificamente "sobre o poder de dissolução da Assembleia da República", Marcelo Rebelo de Sousa enquadrou-o como "um poder livre do Presidente da República".
O Presidente aprofundou as suas razões na altura, enfatizando que este "não é um poder absoluto", mas que "deve ser exercido no caso de os problemas verificados no Governo ou nas relações entre Governo e parlamento revelarem ou suscitarem graves situações críticas que comprometam o interesse nacional, e que não sejam compatíveis com uma solução dentro do quadro parlamentar existente". Na sua ótica, mediante esta justificação, parece que o chumbo do OE compromete o interesse nacional.
Caso se confirme esta intenção, será a oitava vez que Assembleia da República já foi dissolvida desde o 25 de Abril de 1974 — e Marcelo não foi o único a fazê-lo. Aliás, a situação é exatamente a aposta: todos os chefes de Estado eleitos em democracia utilizaram este poder constitucional.
Em suma, Marcelo Rebelo de Sousa já começou os preparativos para materializar a ameaça feita de eleições antecipadas, decorrentes do 'chumbo' da proposta orçamental na Assembleia da República, e deverá anunciar hoje a dissolução do parlamento e data das eleições legislativas. Portanto, resta esperar pelo jantar para saber qual o próximo passo da crise política.
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