Merkel pela voz da biógrafa: "Fez da Alemanha o centro moral da União Europeia, mesmo do mundo"
Edição por Tomás Albino Gomes
Kati Marton não é uma pessoa qualquer; sobre ela também se poderia escrever uma biografia. Nascida na Hungria, em 1949, os pais, jornalistas, fugiram para os Estados Unidos a seguir à revolução falhada de 1956, dando-lhe uma formação académica americana, seguida dum curso na Sorbonne e no Instituto de Estudos Políticos, em Paris. Doutorou-se na Universidade George Washington e fez carreira como jornalista e escritora. Tivemos ocasião de a entrevistar de passagem por Lisboa. É uma mulher altaneira, habituada aos circuitos internacionais, mas também uma profissional experimentada e eficiente, que não desperdiça palavras. O seu último trabalho, "A Chanceler. A Notável Odisseia de Angela Merkel", biografia sobre a líder política editada pela Desassossego, foi o mote da conversa com o jornalista José Couto Nogueira.
Este é um breve resumo da entrevista, em três grandes ideias, que pode ler na íntrega aqui.
A relação de Angela Merkel com Vladimir Putin
"A minha preocupação actual com a Europa é que não há nenhum líder com as qualidades dela e um relacionamento equivalente com Putin. Foi a única líder que ele respeitava e ambos conhecem os dois idiomas, ele fala alemão e ela fala russo; além disso são dois verdadeiros guerreiros. [...] Não podem enganar-se um ao outro, e ele sabe disso. Portanto, podem resolver coisas. Tiveram a mesma formação, mas chegaram a conclusões diferentes. Para ela, a queda do império soviético foi a sua libertação; para ele, foi a maior catástrofe do século XX".
A Europa
"A Alemanha já era o maior poder económico e financeiro da Europa. O que ela fez foi manter essa posição, mas para lá disso, transformou o país no centro moral da União Europeia. Direi mesmo que do mundo. E isso é uma vitória notável para o ex-Terceiro Reich. Ela conseguiu-o com duas atitudes: em 2015, quando acolheu um milhão de refugiados muçulmanos do Médio Oriente num país cristão e branco. Aliás, esse milhão integrou-se quase totalmente. Assim, agora temos um modelo de como fazer uma integração.
A segunda atitude foi fazer com que o país aceitasse as mulheres (em postos relevantes), as minorias, os homossexuais – o casamento de pessoas do mesmo sexo foi legalizado – e fez tudo isso discretamente, demonstrando o quanto se pode conseguir sem se vangloriar. Ela não precisa dos nossos elogios, nem dum Prémio Nobel. É a sua própria crítica, a política mais centrada em si própria [a expressão que Marton utilizou foi “inner directed”] que alguma vez conheci".
A relação da chanceler com o pai que nunca votou nela
"Como biógrafa de Merkel, devo dizer-lhe que o pai incutiu nela um forte sentido moral, e de responsabilidade em relação aos menos afortunados. Esta postura revelou-se em 2015 na sua abordagem à questão dos refugiados, uma postura a que chamo de “um gesto à Martinho Lutero”, pois Lutero disse “Tomo esta posição porque não há outra posição a tomar.” Em 2015, foi um verdadeiro milagre.
Além disso, embora ela nunca tenha obtido a aprovação completa do pai – ele, por exemplo, nunca votou nela – imbuiu-a de uma forma de pensar rigorosa, que valoriza a argumentação. A clareza do pensamento dela vem, por um lado, do pai lhe ensinar que numa discussão é preciso apresentar factos, não basta dar opiniões, e por outro lado, ter sido treinada como cientista. Foi a combinação dessas duas influências que a fez tão racional. Realmente, a Alemanha foi muito afortunada em ter uma líder assim".
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