O que falta à saúde em Portugal?
Edição por Tomás Albino Gomes
Há dois anos que os dias são total ou parcialmente dominados pelo tema da saúde, numa cronologia que começa com a pandemia de covid-19, esquemas de vacinação e que passa, mais recentemente, pelos casos de varíola-dos-macacos e pelas situações que se somam e que ameaçam somar-se de urgências de ginecologia e obstetrícia fechadas.
Por tudo isto, torna-se ainda mais relevante o Relatório de Primavera 2022 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), publicado esta terça-feira, que aponta a falta de orientação estratégica na saúde e que diz que é preciso responder com inteligência para sair da crise agudizada pela pandemia com maior capacidade de resiliência.
Neste relatório, o OPSS enuncia os maiores desafios do Serviço Nacional de Saúde (SNS), aponta as tentativas de resposta “recentes e ambiciosas” que constam do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas insiste na necessidade de definir uma orientação estratégica estrutural para o setor.
O documento, aponta logo de início os três grandes desafios do SNS - o acesso aos cuidados de saúde, os recursos humanos e a saúde pública -, enunciando igualmente as “tentativas de resposta”, como a reforma da saúde mental, a digitalização da saúde, a Lei de Bases da Saúde e o Estatuto do SNS, a dedicação plena “apenas para alguns profissionais” e a criação dos Sistemas Locais de Saúde.
Num documento carregado de interrogações, escolhemos duas.
“É necessário que cada hospital possa definir, em negociação com cada profissional, as metas de desempenho a atingir. É necessário que as metas sejam realistas, exequíveis, monitorizáveis, e adaptadas às necessidades locais. É necessário poder avaliar o cumprimento das metas e, eventualmente, retirar a dedicação plena a quem não as conseguir cumprir”, refere o documento.
No capitulo dedicado aos Recursos Humanos e Concorrência Público/Privado, assinado por Julian Perelman, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa, o relatório sublinha que será igualmente necessário que os valores pagos possam enfrentar a concorrência do setor privado.
De qualquer modo, insiste o OPSS, “de nada servirá um modelo de remuneração inovador e atrativo se não foram melhoradas as condições de emprego, como a flexibilidade nos contratos em termos de horas, e de trabalho, como sendo a possibilidade de investigar e estudar, de progredir na carreira, e de ser reconhecido pelas chefias”.
Diz que a “entrega” do Serviço Nacional de Saúde ao privado - “embora nunca anunciado publicamente” - já está a acontecer, na prática, ”com os hospitais públicos a colmatarem a falta de profissionais através da compra de serviços aos privados”.
A pandemia mostrou que a planificação da força de trabalho em saúde é insuficiente, a organização profissional antiquada e que falta uma carreira que estimule os talentos, considera o Observatório.
“Ficou por demais óbvio como foi ignorante não ter há muito (e continuar assim...) uma licenciatura em saúde pública como base de um ‘exército’ essencial na resposta às rotinas e quando necessário às crises sanitárias”, refere Henrique Barros, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e autor do primeiro capítulo do documento, intitulado “O que a pandemia nos fez”.
O especialista defende igualmente que os anos da pandemia mostraram a centralidade da força de trabalho em saúde, a necessidade de uma formação adequada e de uma distribuição equitativa e inteligente dos recursos humanos pelo espaço geográfico.
O documento sublinha a quebra assistencial nos cuidados de saúde, referindo que se perderam “momentos essenciais de intervenção”, e refere que se protelaram “desnecessariamente atitudes preventivas e curativas que poderão ter reflexo na morbilidade futura”.
Considera igualmente que a organização “é a chave do sucesso” e que não vale a pena insistir ”na inaceitável ideia das falsas urgências”: "se o recado pode ser aceitável para quem desenha os serviços e o acesso a eles (…) o que se exige é não culpar a vítima”.
O relatório do OPSS diz também que a pandemia deixou a descoberto “a real ausência de uma estratégia de saúde escolar e planos não avulsos de intervenção nas escolas”.
Pode ler todas as questões e as propostas no texto abaixo sobre o documento.
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