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Newsletter diária • 22 jul 2022

 
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Os cereais ucranianos também são uma "arma de guerra"

 
 

Edição por Alexandra Antunes

A Rússia e a Ucrânia, sob a mediação da Turquia e da ONU, assinam hoje em Istambul um acordo para permitir as exportações de cereais bloqueados nos portos ucranianos devido ao conflito em curso.

A presidência turca anunciou na quinta-feira que a cerimónia de assinatura do acordo irá contar com a presença do chefe de Estado turco, Recep Tayyip Erdogan, do secretário-geral da ONU, António Guterres, e de representantes da Ucrânia e da Rússia, cujas identidades não foram avançadas por Ancara.

Istambul foi palco na semana passada de uma reunião de peritos militares da Rússia, Ucrânia e Turquia e de representantes da ONU para tentar desbloquear a exportação dos cereais russos e ucranianos retidos devido à guerra na Ucrânia e evitar uma crise alimentar global.

O anúncio deste acordo surge um dia depois de o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, ter afirmado que insistiu junto da ONU para que a organização alcançasse um acordo que facilite as exportações agrícolas da Rússia, afetadas pelas sanções ocidentais, em troca da passagem dos cereais ucranianos bloqueados devido à guerra.

Olhando para a história, percebe-se que a questão dos cereais tem sido sempre um tema — que agora se repete.

O efeito mortífero do uso dos cereais como 'arma' na Ucrânia há 90 anos, narrado no livro Fome Vermelha da historiadora Anne Aplebaum, é agora revivido, à escala global, com o bloqueio das exportações alimentares deste país invadido pela Rússia.

“Apesar das evidentes diferenças, há várias similitudes entre o Holomodor, em 1932, e o bloqueio dos cereais ucranianos, em 2022. Desde logo, o entendimento por parte de Moscovo de que a fome é uma arma terrivelmente eficaz para fazer ceder os mais frágeis”, explicou à Lusa James Bakewell, historiador da Universidade de Sussex, em Brighton, Reino Unido.

“E os mais frágeis são geralmente os civis. Ou, no caso atual, os civis dos países dependentes dos cereais da Ucrânia, dos países menos desenvolvidos”, adiantou.

Outra similitude entre os dois períodos detetada por Bakewell foi a estratégia de controlo da opinião pública: em 1932, colocando ucranianos contra ucranianos, criando cisões entre a população; em 2022, colocando os países menos desenvolvidos contra os países mais desenvolvidos, na esperança de que estes consigam influenciar os governos das grandes potências, “por exemplo, levantando sanções económicas, em troca do desbloqueio dos portos ucranianos”.

Contudo, diversos especialistas em Direito Internacional consideram que será muito difícil estabelecer o bloqueio dos cereais nos portos ucranianos como um “crime de guerra”, na medida em que Moscovo está apenas a exercer o seu direito de controlo territorial conquistado durante a invasão iniciada no final de fevereiro.

Ainda assim, a alimentação está a ser usada como arma de guerra, com idênticos resultados aos procurados e obtidos em 1932-33, quando a requisição forçada de quotas de cereais aos agricultores ucranianos terminou com a morte de cerca de quatro milhões de pessoas.