A data da declaração unilateral da independência de Portugal é 24 de setembro, mas este ano os festejos oficiais foram adiados para 16 de novembro, no dia das Forças Armadas, tendo como palco a avenida Amílcar Cabral, o nome do histórico combatente da Guiné-Bissau.

A escassos dias da festa, máquinas e operários espalham alcatrão na renovada e iluminada avenida central de Bissau, que contrasta com as restantes vias da capital e de todo o país, onde as crateras que ficam depois da época das chuvas obrigam a redobradas manobras e tornam mais lenta qualquer viagem, a pé ou de automóvel.

A ausência de uma rede viária, de serviços de saúde, de saneamento básico e água potável, de todo o tipo de infraestruturas salta à vista num país onde “ainda há muita coisa a fazer”, como constatou à Lusa Abulai Djaura, presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis (RENAJ).

Para o dirigente juvenil, “há dois momentos importantes no país”: o antes, em que foram dados passos importantes para a Guiné-Bissau, e o depois da democracia, que a juventude vive com alguma “frustração”.

A independência surge com o “partido único”, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), surgiram depois várias organizações da sociedade civil e outros partidos.

Desde então, como apontou, “o país viveu momentos difíceis, golpes de Estado, derrubes de governos, só um Presidente conseguiu terminar o mandato”.

“A juventude está um pouco frustrada por causa de cíclicas instabilidades que o país vive, que não permitem aos jovens sonharem e conseguirem concretizar esses sonhos”, afirmou.

Esta realidade motiva os jovens a sair do país, a optar pela emigração porque a Guiné-Bissau “não oferece o mínimo que é o período pós-gradução, no caso um mestrado”.

Abulai lamentou que sendo a Guiné-Bissau um país de jovens, com mais de 60% da população nesta faixa etária, não tenha uma estratégia para aproveitar “essa força da juventude”, essa mão-de-obra “para desenvolver diferentes setores”.

O dirigente trabalha na Universidade Lusófona, em Bissau, e disse que do número total de pessoas que sai por ano de diferentes escolas de formação “menos de 10% consegue um emprego direto, o resto até estágio é difícil de conseguir”.

“Se não houver estabilidade, como é que vamos resolver estes problemas todos”, questionou.

O cantor guineense Binhan Quimor nasceu após a independência, mas nos seus 48 anos só vê desorganização no país que ama e sobre o qual vê cada vez mais a esperança a diminuir.

Em entrevista à Lusa, Binhan Quimor, um dos mais badalados da nova geração de músicos guineenses, disse que os nativos lutaram contra a presença colonial portuguesa “para se livrarem dos maus-tratos e sacrifícios”, mas, notou, em 50 anos “nada ou quase nada mudou” na Guiné-Bissau.

O artista, conhecido pelas suas canções de consciencialização social e de crítica aos políticos, afirmou que, dado ao estado do país, os objetivos que levaram os guineenses a pegar em armas para lutar contra a presença colonial falharam.

“Até hoje não temos bons hospitais, não temos boas escolas, a sociedade está toda ela desorganizada”, observou Binhan Quimor.

O artista apontou o dedo aos jovens que, disse, reclamam pela assunção do controle do país, quando na verdade “são mais corruptos do que os mais velhos”.

Binhan costuma enaltecer nas suas canções a esperança de que um dia tudo vai passar, mas na conversa com a Lusa admitiu estar, cada vez mais, com pouca esperança num país que ama de verdade.

Para o artista, a cultura guineense é o reflexo da “própria desorganização do país” que, referiu, em 50 anos de independência nem consegue ter um estúdio de gravação ou uma escola de música condigna.

A preparar-se para lançar, talvez no início do próximo ano, o seu segundo disco de originais, Binhan dá o exemplo da “luta” que os artistas têm enfrentado com a pirataria das suas obras, uma vez que o país ainda não tem políticas contra o fenómeno.

“Publicas um CD e no dia a seguir já é pirateado no mercado do Bandim e as autoridades dizem que não podem fazer nada porque não existe uma lei” de proteção dos direitos autorais, concretizou.

Até aos anos 80/90 o país “era formidável”, segundo Antónia Adama Djaló, presidente da Associação das Mulheres de Atividades Económicas (AMAE), para quem a guerra do 07 de junho de 1998 “estragou tudo”.

“A partir daí começámos a instabilidade, sucessivos golpes e ainda não parou até à data presente”, referiu à Lusa.

Num país pequeno, com pouca população, mas várias riquezas como a água que escasseia noutras zonas de África, Antónia Djaló está convencida de que “se os governantes tivessem a cabeça no lugar, neste momento a Guiné-Bissau era um paraíso”.

“São sucessivos governos, sucessivos golpes, que não deixam a população livre para se exprimir, trabalhar, ter condições para poder dar o sustento à família”, vincou.

Para esta mulher, “os sucessivos governos têm prejudicado a população da Guiné, pensam só nas famílias deles” porque se pensassem na população procurariam a estabilidade.

A data da declaração unilateral da independência de Portugal é 24 de setembro, assinalada na altura com uma cerimónia organizada no Boé pela Assembleia Nacional Popular, e criticada pelo Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, que a considerou “uma manifestação de um partido”, tendo marcado os festejos oficiais para 16 de novembro, dia das Forças Armadas.

Entre os líderes convidados para as cerimónias oficiais estão o Presidente e primeiro-ministro portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, mas o programa oficial ainda não foi divulgado.