Num discurso feito na conferência “Desinformação: os impactos na Península Ibérica”, organizada pela agência Lusa, Augusto Santos Silva defendeu que a desinformação “polui o espaço público” e “põe em causa fundamentos da vida pública democrática”.

O presidente da Assembleia da República alertou, em particular, para o facto de a desinformação colocar em causa a ideia de que “é necessária uma intermediação ou uma mediação qualquer”, além de comprometer o escrutínio e o debate racional para além de uma “explicação emocional”.

“A vida pública não resulta apenas da relação entre uma massa e uma liderança. Quando a vida pública fica reduzida a essa relação, a probabilidade de movimentos de natureza fascista [emergirem] é alta, como a história da Europa nos anos 1920 e 1930 prova”, disse.

Neste contexto, Santos Silva defendeu que é necessário uma “abordagem firme, mas também muito cautelosa” no combate à desinformação, de forma a garantir que não se limitam direitos, liberdades e garantias.

“Devemos ser muito cuidadosos porque em nenhuma circunstância podemos pôr em perigo esta trindade de que a institucionalidade democrática tanto necessita: a liberdade de expressão de todos, o direito à informação de todos e a liberdade de imprensa”, salientou.

Santos Silva confessou fazer-lhe “bastante impressão” a velocidade com que o combate à informação chega, “mais depressa do que deveria”, ao “terreno administrativo e penal”, através de medidas de remoção de conteúdos ou intervenção de tribunais.

“Não quer dizer que ele [o combate] não seja necessário, mas é necessário em último recurso. (…) Devemos ser muito cautelosos, porque esse deve ser um caminho feito com toda a parcimónia e devendo ter em atenção que há outros planos que são mais pertinentes e até podem ser mais eficazes do que o plano administrativo e penal”, disse.

O presidente do parlamento defendeu ainda o “combate cultural, político e ideológico”, mas sobretudo o “combate educacional”, considerando que, a médio e longo prazo, “a literacia digital é o melhor antídoto contra a desinformação”.

A par destes combates, Santos Silva considerou também que o jornalismo “é um instrumento indispensável na luta contra a desinformação”, designadamente através dos seus mecanismos de verificação objetiva, contextualização de factos e crítica de fontes.

Apesar disso, advertiu que o sistema mediático, além de ser vítima, tem também sido “cúmplice da desinformação” e está a “dispensar perigosamente o jornalismo”.

“Evidentemente esta palavra é muito forte – a palavra cumplicidade – e qualquer relato do que eu estou dizer que se cinja apenas a esta palavra é, ele próprio, um exemplo de como procede a desinformação: ‘Você esteve 40 minutos a dissertar sobre desinformação, mas eu isolo uma coisa e digo: ‘Silva foi à Lusa atacar os media”. É um exemplo prático de como funcionam as técnicas de desinformação”, disse.

Para ilustrar essa cumplicidade que considerou existir, o presidente do parlamento abordou a “lógica da espetacularização”, a “apologia do direto em bruto” ou a “exploração do passional e emocional”.

“‘Sim eu sei que o que aquele senhor está a dizer não tem interesse nenhum, é mais uma mentira que ele ou ela diz todos os dias, mas sei que, se puser essa expressão, vou prender a assistência ao meu programa e, portanto, é o que faço'”, exemplificou.

A par desta situação, Santos Silva abordou também a ideia de que “o valor das notícias é comandado diretamente pelo público”, em detrimento da lógica de “valor noticioso”, dando o exemplo “dos problemas amorosos da estrela de televisão serem mais importantes do que os números do desemprego”.