Mais de 40% das mulheres são empurradas para uniões prematuras quando ainda são menores, em Moçambique, mas Amina é exceção. Faz parte das mais de 90 jovens que a organização não-governamental (ONG) portuguesa Helpo ajudou nos últimos três anos a entrar na área de ciências e tecnologia do ensino superior moçambicano, na Universidade Lúrio, com o projeto Supera-te.

“Quero estudar e abrir uma farmácia em Angoche”, terra natal na costa central do país, onde desde pequena soube por experiência própria que é o tipo de serviço que faz falta a toda a população.

Vanessa Paulo, 18 anos, entrou num curso de engenharia florestal e acredita que elas estão a dar um exemplo com impacto na vida de outras raparigas.

“Tenho amigas que já casaram. Acho que se casaram porque não acreditavam que podiam entrar na universidade e nem chegaram a tentar”, conta à Lusa.

“Outras meninas que me vejam entrar na faculdade vão ter a mesma ambição, em vez de serem empurradas para casar”, acrescenta Hermelinda Baessa, 17 anos.

Depois de um trabalho árduo inicial de divulgação, o projeto Supera-te arrancou em 2020 e 11 das raparigas que apoiou nesse ano entraram em áreas de ciências e tecnologia do ensino superior.

No ano seguinte foram 32 e este ano já entraram 50, numa altura em que ainda há instituições a anunciar ingressos.

O projeto funcionou nestes três anos em 40 escolas das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, oferecendo centro de estudos com Internet e computadores através dos quais professores do Instituto Politécnico de Leiria têm dado apoio com aulas à distância durante os dois meses (dezembro e janeiro) de exames de final do 12.º ano e de admissão às universidades.

Um apoio que fez a diferença, relatam as alunas.

Até porque muitas “nem uma secretária, nem um sítio para estudar tinham” e o projeto também lhes deu isso, um tempo e espaço protegidos para a formação, relata Joana Carreiro, técnica de projeto da Helpo.

A simples tarefa de ir até aos centros de estudo esbarrava em inúmeros obstáculos: algumas alunas vivem em zonas remotas, no meio rural, e tiveram de percorrer vários quilómetros a pé.

Outras já tinham de cuidar de bebés e os pais nem sempre apoiaram a ideia de ter uma filha emancipada, uma ideia que contraria a tradição em Moçambique.

Na mais recente edição, entre dezembro de 2022 e janeiro deste ano, as aulas à distância de Biologia contaram com cerca de 250 participantes regulares, o mesmo número em Química, cerca de 30 a Matemática e outro tanto a Física — aulas à distância com docentes a partir do Politécnico de Leiria, em Portugal.

“Houve desistências, que lamentamos”, mas Joana Carreiro acredita que o balanço final é de sucesso e inspira-se em casos particulares.

Além dos ingressos, há a persistência de “uma menina que está a tentar desde o início” chegar aos exames, ainda sem conseguir, mas que insiste.

“Ela vê nisto uma oportunidade, em vez de ficar em casa e trabalhar na ‘machamba'”, os campos agrícolas da família.

Felia, Yondila e Celmira, todas com 19 anos, entraram este ano no ensino superior e vão estudar para longe: dizem à Lusa que estão entusiasmadas por irem juntas à descoberta de um novo mundo em Sanga, província de Niassa, onde funciona a Faculdade de Ciências agrárias da Universidade Lúrio.

O projeto Supera-te foi determinante, diz Celmira, porque também ajudou a encontrar uma associação que lhes deu bolsas de estudo.

“No nosso meio há três profissões: polícia, professor e enfermeiro. O Supera-te mostrou que há mais” e que também servem para “o desenvolvimento do país”, ilustra António Casmo, coordenador do projeto.

Assim, realizam-se sonhos e explora-se a potencialidade dos jovens, mostrando que entrar na universidade “não é um bicho de sete cabeças”, sublinha.

O projeto Supera-te surgiu quando a Helpo respondeu às necessidades da Universidade Lúrio: ter mais raparigas a estudar e apostar nos seus cursos de ciências.

Durante a pandemia, mesmo afastada a possibilidade de ter os centros de estudo a funcionar – devido ao distanciamento social imposto para travar a covid-19 -, o projeto promoveu ingressos, graças à distribuição de telemóveis pelas candidatas que assim se mantiveram ligadas às aulas e às atividades.

Este ano arranca uma nova ação.

Trata-se do projeto “Teu Futuro” (em Nampula, Cabo Delgado e Maputo, com apoio do Camões, da Galp e um outro mecenas) que inclui rapazes e tem um reforço da orientação vocacional e apoio psicossocial.

Haverá mais trabalho junto das escolas e todas as faixas etárias “para que desde cedo saibam que cursos existem” no ensino superior moçambicano, detalha Joana Carreiro.

“É uma vitória ficarem mais tempo na escola, sobretudo as meninas, para não serem mães com 14 e 15 anos, mas isso não pode ser suficiente para nós”, sublinha. A “grande preocupação” é também a de estudarem “com mais qualidade, para terem emprego, criar família e fazer alguma coisa”, conclui.