“Viemos conversar com o senhor Presidente da República para manifestar a preocupação que temos em relação ao funcionamento do Parlamento onde temos sentido uma restrição inadmissível dos direitos da oposição, a opressão dos direitos da oposição que tem vindo a ser feita em alguns momentos pela maioria das esquerdas unidas”, afirmou Assunção Cristas à saída da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa. Sobre a reação do presidente, a dirigente centrista limitou-se a afirmar que "ouviu atentamente e fará o melhor uso desta informação".

"O CDS fez o que disse que vinha fazer e hoje vim reiterar que o CDS tudo fará para exercer os seus direitos parlamentares que não são apenas direitos são também deveres porque estamos no Parlamento em representação dos portugueses", afirmou. "A nossa intenção é dar a conhecer ao Presidente da República o que se passa no parlamento", reforçou,  acrescentando esperar que "daqui por diante as coisas possam prosseguir de acordo com a Constituição e com a lei".

Assunção Cristas usou a expressão "escrutínio da verdade" numa alusão ao mais recente caso que opõe PSD e CDS à maioria de esquerda no Parlamento e que se prende com a comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. A constituição da nova comissão de inquérito à CGD, afirmou, é  "um direito que cabe aos partidos da oposição" e sublinhou esperar que "possa tomar posse e iniciar as suas funções". A líder centrista fez ainda questão de recordar que o trabalho que o CDS se propõe fazer na nova comissão é o mesmo que já se tinha proposto na anterior e que foi "obstaculizado pela posição esquerdas unidas".

Antes da audiência com Assunção Cristas, Marcelo Rebelo de Sousa almoçou com o presidente da Assembleia da República, num encontro que já estava marcado e foi uma retribuição do presidente da República às várias refeições já oferecidas pelo presidente da Assembleia da República. Questionada sobre a forma como encarava essa reunião, a líder centrista afirmou que não lhe competia comentar.

“Trabalhar para ser conhecida a verdade”

A relação dos partidos da direita com Eduardo Ferro Rodrigues não tem sido pacífica e a última comissão parlamentar de inquérito à Caixa agudizou a tensão existente.

Para Assunção Cristas, é dever do CDS no parlamento “trabalhar para ser conhecida a verdade” sobre alegadas garantias dadas ao ex-administrador da Caixa sobre o dever de entregar, ou não, a declaração dos rendimentos.

Os requerimentos apresentados pelo PSD e CDS-PP para que as informações trocadas entre o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o ex-presidente do banco público António Domingues sejam usados na comissão parlamentar de inquérito foram chumbados pelo PS, BE e PCP.

Para os grupos parlamentares que suportam o governo de António Costa, os documentos que Domingues enviou para a comissão de inquérito, 176 páginas, ultrapassam o objeto da mesma, razão por que inviabilizaram a sua admissibilidade.

"Ao contrário desta maioria de esquerda que utiliza recursos parlamentares inadmissíveis em democracia para impedir a descoberta de toda a verdade, ao contrário desta esquerda unida que oprime os direitos da oposição no parlamento - e isso é grave, é muito grave -, deste lado não há medo nenhum de descobrir a verdade, de inquirir, de ouvir as respostas", dizia a líder centrista no debate quinzenal com o primeiro-ministro esta quarta-feira.

Foi aí que Cristas anunciou a audiência com o Presidente da República, na sexta-feira, para "denunciar o que se passa" na Assembleia da República quanto aos direitos das minorias na comissão de inquérito da Caixa Geral de Depósitos.

O momento em que a presidente do CDS-PP anunciou que tinha marcada uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa foi seguido de um incidente parlamentar, quando o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, afirmou: "Não sei o que vai denunciar ao senhor Presidente da República, mas a porta do meu gabinete está sempre aberta".

O líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, interveio para defender que a boa condução dos trabalhos parlamentares não permite apartes daquela natureza e disse que a audiência ao Presidente foi pedida porque na conferência de líderes da semana passada Ferro Rodrigues "fechou a porta na cara ao PSD, ao CDS e às regras democráticas".

Também o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, ontem em entrevista ao Público, criticou igualmente o papel de Ferro Rodrigues no caso CGD: “teve uma intervenção muito infeliz em todo este proceso. Começou por levantar obstáculos sem fundamento à delimitação do objeto inicial e chegou ao limite de, na conferência de líderes, dizer ao PSD e CDS que era um mau serviço ao Parlamento suscitar o assunto do boicote a que fomos e estamos a ser sujeitos.”

“Estamos a voltar aos tempos da claustrofobia democrática”, diz Montenegro, “temos uma maioria a barrar o exercício de direitos que a lei prevê como inoponíveis - não podem ter oposição da maioria - para estarem asseguradas condições mínimas de escrutínio da ação governativa. O que está a acontecer no Parlamento é um escândalo democrático.”

Mas foi mais longe: “No dia em que o Dr. Ferro Rodrigues assumiu esta função, tive a coragem de lhe dizer que ele ainda não tinha dado garantias de imparcialidade para o exercício da função. Ele tem dado razão a essa minha dúvida”, disse Luís Montenegro ao Público.

"Há pessoas que continuam a pensar que a maioria é a mesma de há um ano e meio, mas, infelizmente para elas, não é"

A reação do presidente da Assembleia da República não tardou: “A minha imparcialidade é total. É evidente que há pessoas que continuam a pensar que a maioria é a mesma de há um ano e meio, mas, infelizmente para elas, não é e, portanto, têm de se habituar às novas regras e às novas circunstâncias democráticas da Assembleia da República”, disse aos jornalistas à margem da 11.ª sessão plenária da Assembleia Parlamentar para o Mediterrâneo, no Porto.

Ferro Rodrigues sustentava que “todos os deputados sabem” que não é “condicionável a não ser pela Constituição, pelo Regimento e pelas leis”, e que não é “condicionável nem por ameaças, nem por determinado tipo de pressões, venham elas de onde vierem”.

“Não sou pressionável a não ser condicionado pela Constituição, pelo regimento e pelas leis, não por qualquer entrevista de um dirigente político”, reafirmou.

O presidente da AR acrescentou estranhar que ainda não tivesse entrado na mesa da Assembleia qualquer informação sobre a nova comissão de inquérito sobre o envolvimento do ministro das Finanças, Mário Centeno, na polémica da Caixa Geral de Depósitos, anunciada no dia 17 pelo PSD e CDS-PP. “Acho muito estranho que ao fim de quase uma semana de anúncio nada tenha entrado”, disse, “portanto, eu estou à espera que chegue essa informação, de que entrou na mesa da Assembleia a nova comissão de inquérito”.

Hoje (24 de fevereiro), pela hora de almoço, Luís Montenegro anunciava a entrega da proposta para nova comissão de inquérito à CGD, falando de “clima de asfixia democrática”.

“Um número de circo”

Há semanas a fazer manchetes, a comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos é a raiz do problema que levou Cristas a falar com o presidente da República.

A semana passada, o PCP acusava PSD e CDS-PP de quererem “tornar esta comissão num número de circo”. É que a reunião onde se devia ter nomeado um novo presidente para a comissão, depois de José Matos Correia (PSD) ter renunciado ao cargo, teve de ser reagendada por ter sido inconclusiva.

"São os partidos proponentes [PSD e CDS-PP] que têm a responsabilidade de nomear o presidente da comissão.”, disse Paulo Trigo Pereira (PS), que assumiu entretanto a liderança da comissão: “Pela minha parte, considero que as funções que assumi serão limitadas no tempo e não vão estender-se até ao final do prazo da comissão, a 26 de março", sublinhou.

O deputado comunista Miguel Tiago acusava ainda os partidos da direita de querer “exacerbar os poderes da comissão de inquérito”, ao apresentarem requerimentos para que as mensagens trocadas entre Mário Centeno e António Domingues fossem usadas na comissão parlamentar.

Depois de PSD e CDS-PP anunciarem a proposta de uma nova comissão parlamentar de inquérito à Caixa, Carlos César, líder parlamentar do PS, afirmou que “o que for proposto no sentido do apuramento da verdade ou de qualquer circunstância que respeite a lei e a Constituição é aceite por nós. Aquilo que conflituar com a Constituição, a lei e os regulamentos da Assembleia não será aceite”. A resposta foi dada aos jornalistas no Parlamento, depois de questionado sobre se o PS aceitaria a divulgação dos sms numa ainda eventual nova comissão de inquérito.

O “respeito pela Constituição” foi reforçado pelo porta-voz do PS, João Galamba. Esta quinta-feira (23), o deputado socialista admitiu que ninguém quer uma “ditadura da maioria” no Parlamento, mas também ninguém deseja uma “ditadura da minoria” contra a Lei Fundamental.