O debate "não só é necessário, havendo evidência empírica e argumentos sólidos a favor da sua legalização para fins medicinais, dentro, naturalmente, de um quadro devidamente regulado e controlado", vincou, entrevistado pela Lusa enquanto membro da Comissão Global sobre Política de Drogas, que hoje publicou o mais recente relatório intitulado "The World Drug Perception Problem" [O Problema Global da Perceção das Drogas].

Sampaio acredita também, que a política portuguesa de descriminalização da posse de droga para consumo pessoal, considerado um modelo a nível internacional, é um sistema que pode e deve ser aperfeiçoado.

"É preciso manter uma abordagem abrangente e evolutiva que permita a formulação de políticas, baseadas em informação científica fiável e que acompanhe os desafios novos que se colocam", afirmou à agência Lusa.

O antigo chefe de Estado referiu, a título de exemplo, a discussão sobre o uso de canábis para fins terapêuticos, que vai subir ao plenário, suscitada pelos projetos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda e o pelo partido Pessoas-Animais–Natureza (PAN).

No mais recente relatório, "The World Drug Perception Problem",  o caso português é apontado como um sucesso, contribuindo para a redução da criminalidade e de casos de VIH entre toxicodependentes, mas Sampaio admite que é possível e desejável aperfeiçoar o sistema ao nível da prevenção da toxicodependência, da redução de riscos e do próprio tratamento.

"Há que monitorizar periodicamente as práticas e os resultados das políticas na área das drogas e das toxicodependências, por forma a avaliar a sua eficácia e adequação a uma realidade que também ela vai evoluindo, sem esquecer a própria perceção na sociedade sobre as estratégias que funcionam e as que fracassam", afirmou, além de trabalho multidisciplinar que deve envolver profissionais de saúde, educadores, agentes do Estado e vários setores da sociedade civil.

Embora reconheça o impacto negativo que o consumo de drogas pode ter na vida das pessoas, os autores do relatório hoje publicado consideram que as reformas das políticas têm sido difíceis de realizar, projetar ou implementar devido aos preconceitos e valores morais prevalecentes.

O documento procura analisar as perceções e medos mais comuns, confrontá-los com factos disponível sobre drogas e sobre as pessoas que as consomem e, consequentemente, recomendar mudanças que podem ser promulgadas para apoiar reformas para políticas de drogas mais efetivas.

Em Portugal, Sampaio recorda que o consenso alcançado sobre esta matéria foi o resultado de uma necessidade de responder à prevalência da toxicodependência na sociedade e á "clara perceção, partilhada por vastos setores da opinião pública, que as políticas baseadas na repressão e na punição não estavam a resultar".

Jorge Sampaio tem sido coautor de vários artigos a nível internacional sobre este tema e ativo na Comissão, que foi formada em 2011 com o objetivo de promover um debate sobre políticas de drogas, reunindo dados e informações científicas sobre os efeitos e o impacto dos modelos de diferentes países.

Na sua opinião, a Comissão tem desempenhado um papel "muito relevante neste processo de mudança de paradigma", nomeadamente na preconização do próximo passo a dar: "Para além da descriminalização, que está ainda longe de ser o modelo dominante, deveria ser o da regulação dos mercados das drogas".

Relatório defende mudança de percepções para facilitar reformas sobre drogas

Perceções erradas sobre o consumo de drogas alimentam políticas de proibição e repressão que continuam sem resolver o problema, alerta o relatório internacional publicado hoje em Londres.

O relatório produzido pela Comissão Global sobre Política de Drogas, pretende desmistificar juízos feitos sobre o tema por jornalistas e líderes de opinião, políticos ou pelas autoridades.

A Comissão é composta por 25 membros com experiência como líderes políticos, científicos e empresariais, incluindo 12 ex-chefes de estado ou ministros, um ex-secretário-geral da ONU e três Prémio Nobel.

O caso português é referido a propósito da introdução da lei em 2001 que descriminalizou a posse para consumo pessoal de drogas e promoveu medidas para a sensibilização dos consumidores, contribuindo para a redução da criminalidade e de casos de VIH entre toxicodependentes.

"A política de drogas mudou quando os líderes políticos e a sociedade civil desafiaram a ideia de que o consumo de drogas era mau e que deveria ser sempre condenado", lê-se.

A instituição de uma comissão científica, a Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga, para aconselhar o governo sobre a matéria, abriu caminho à mudança de mentalidades em Portugal sobre a toxicodependência.

"Isto tornou possível a descriminalização das drogas que produziu resultados positivos em geral, e que proporciona um modelo útil para outros líderes", refere.

No relatório, são feitas seis recomendações, nomeadamente que os políticos, líderes de opinião e religiosos e comunicação social devem evitar perpetuar a perceção negativa sobre as drogas e os seus consumidores, evitando discursos discriminativos e ou em desinformação.

Sugere também que agentes de autoridade e sistema judiciário devem concentrar-se no "papel social da aplicação da lei" e não na intimidação dos consumidores, defende maior ênfase na prevenção, tratamento e redução de efeitos da droga.

Outra questão é a linguagem muitas vezes "degradante e prejudicial" usada em documentos internacionais e oficiais sobre as drogas, que a Comissão propõe ser revista, nomeadamente durante o encontro de ministros da Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas, em 2019.

A antiga presidente da Suíça Ruth Dreifuss defende no prefácio do documento que "todos os membros da sociedade devem exigir ser informados sobre os custos reais das políticas para as drogas e como elas afetam as vidas, comunidades e economia".

A atual presidente da Comissão defende a contraposição de preconceitos com factos, acrescentando: "Encorajamos uma mudança de atitudes, de linguagem e da forma como as pessoas que consomem drogas são tratadas. É urgente quebrar o ciclo vicioso que prejudica as pessoas e a sociedade".

A Comissão Global de Política de Drogas foi criada em 2011 com o objetivo de promover um debate sobre o modelo internacional de regulação das drogas e a respetiva legislação, considerada repressiva, bem como sobre as reformas necessárias para superar as consequências negativas da proibição.

As consequências incluem: disseminação de doenças infecciosas, mortes por overdose e o consumo de substâncias adulteradas, violência associada à repressão e as guerras entre gangues, corrupção, falta de tratamento adequado pelo consumo de drogas, prisões sobrelotadas e falta de integração social para pessoas com antecedentes criminais relacionados com drogas, incluindo consumidores e intervenientes não-violentos envolvidos na produção ilegal ou venda de drogas.

O antigo presidente de Timor Leste José Ramos Horta juntou-se em novembro ao grupo, que inclui, entre outros, os antigos presidentes de Portugal e do Brasil Jorge Sampaio e Fernando Henrique Cardoso, o empresário Richard Branson, o antigo vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg, o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan ou o escritor Mario Vargas Llosa.

Nos seis relatórios anteriores, abordou questões como o impacto das políticas atuais nas pessoas e o seu insucesso em reduzir a produção e o consumo de drogas ilegais e em travar organizações criminosas.

(Notícia atualizada às 07h20)

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