O debate desta noite entre Mariana Mortágua e André Ventura tinha tudo para ser um bom espetáculo de entretenimento político, para os apreciadores do género, e muito pouco para ser um debate político a valer. Não só por ser protagonizado por duas personalidades que dificilmente imaginamos à mesa a discutir ideias uma com a outra, mas também pelo facto de que ambos sabiam que estariam a falar cada um para o seu próprio público e que a interseção dos dois seria difícil, senão  impossível.

Dito isto, era esperada agressividade mútua, alguma exorbitância de discurso, sobretudo a André Ventura que domina bem essa ferramenta, e uma quase certa impossibilidade de mínimo denominador comum.

O que talvez não se esperasse é que dois políticos que não viveram os anos mais crispados do pós-25 de abril, à direita e à esquerda, tivessem decidido trazer ao debate protagonistas de uma época que, para a maioria dos portugueses, e bem, ficou nos registos da História como episódios de que não nos orgulhamos como sociedade mas  que conciliámos deixar para trás para que a democracia pudesse seguir em frente.

O facto de Mariana Mortágua e André Ventura terem decidido dedicar vários minutos de um debate para as eleições de 2024 a trocar acusações de terrorismo sobre situações que tiveram lugar há mais de 40 anos diz alguma coisa sobre não apenas o passado mas o espectro político em que ambos se encontram.

Uma nota para o tempo de duração do debate. Pela segunda noite consecutiva, já ontem tinha acontecido o mesmo no debate no mesmo estúdio da RTP entre Luís Montenegro e André Ventura, os tempos convencionados foram ultrapassados em vários minutos. Se todos, ou a maioria pelo menos, concordamos que o formato é escasso para um debate efetivo de ideias, a cedência de mais minutos nuns por inverso aos demais que têm respeitado as regras merece no mínimo que se clarifique aquilo que estamos a assistir. Sob pena de uns, efetivamente, terem mais tempo para debater do que outros.

Quem ganhou

À esquerda, Pedro Nuno Santos, e à direita, Luís Montenegro. Se os debates servem para reforçar laços aos fiéis e sobretudo para convencer os indecisos, os dois grandes partidos do dito "centrão" podem ter saído como os grandes vencedores de um debate de que não fizeram parte.

A discussão extremada ao limite, o revirar do baú da História, a personalização das acusações e até a previsibilidade dos argumentos - voltaram os vistos Gold, voltou o caso Robles - podem ter feitos os indecisos moderados concluir que estão mais bem entregues nesse centro político que ganhou má fama, mas que tem sido em quase cinco décadas de democracia o garante de estabilidade e da reconciliação social e política.

Ambos os protagonistas, Mariana Mortágua e André Ventura, têm recursos inegáveis de oratória e agilidade argumentativa. Ambos exerceram esses dotes em vários momentos do debate, quase sempre no território mais estéril das bandeiras que empunham um contra o outro. Talvez fosse difícil pedir mais de duas personalidades tão nos antípodas uma da outra - mas assumindo ambos a ambição de ser primeiro-ministro seria o exigível.

Quem perdeu

Para os apoiantes do BE e do Chega é óbvio que foi a parte oposta. As redes sociais estarão cheias disso nas horas que se seguem.

Os bloquistas destacarão os momentos em que Mariana disse "vai ter de se acalmar" ou quanto recordou o que Ventura tinha dito no congresso do Chega sobre os apoios às mulheres, nomeadamente vítimas de violência doméstica, ou ainda quando confrontou o seu oponente com as contas do seu programa e as "borlas" que prevê dar à banca.

Os apoiantes do Chega não esquecerão o momento Robles, o momento Martins e o alojamento local e, claro, o momento "avó da Mariana".

O que não aconteceu foi um momento de efetivo debate em que pela argumentação - pela política, na sua verdadeira aceção - um tivesse inequívocamente derrotado o outro à luz de um olhar desapaixonado.

Mariana Mortágua esteve mais perto do debate político em temas como a imigração ou a revisão dos currículos escolares, mas acabou vítima da sua própria incapacidade em não alinhar pelo tipo de discussão que André Ventura é hábil a fazer.

Promessas

Habitação:

  • Bloco de Esquerda defende medidas que limitem as rendas e a “procura de luxo, de milionários que não é para viver”. Acusa Chega de ser apoiado por interesses imobiliários
  • Chega defende vistos Gold que diz  representarem 4,8 mil milhões na economia

Empresas

  • Mortágua diz que as propostas do Chega para a baixa do IRC resultam numa “borla de 50 milhões ao Santander, 25 de milhões ao BCP, à Galp 160 milhões, e EDP 180 milhões”
  • “O Chega defende descida do IRC, não é para as grandes empresas”, diz André Ventura

Imigração

  • BE defende a regularização dos imigrantes, "ensinar-lhes a língua e permitir a sua integração" e dar acesso ao SNS
  • Chega defende que a imigração  "seja regulada e controlada”, propõe rever extinção do SEF e os vistos da CPLP

Apoios sociais

  • André Ventura diz  é a favor da igualdade de género” e ao "combate à violência doméstica sem tréguas”. Mas separa esses apoios do que considera ser  juntar “ideologia e igualdade propositadamente” porque está a “doutrinar crianças nas escolas". Assegura que é “a primeira coisa” que fará se chegar ao governo é “fiscalizar dinheiro que vai para as fundações”
  • Mariana Mortágua diz que as propostas do Chega  de redução de currículos nas escolas implicam o despedimento de 67 mil professores

E acordos pós-eleitorais?