Luís Montenegro foi o último a discursar, como manda a tradição dos vencedores. Minutos antes, Pedro Nuno Santos tomou a palavra para assumir que, depois de oito anos de governação e uma maioria absoluta, o PS inicia um novo ciclo político, desta feita, na oposição.

O líder socialista reconheceu que não tem condições para apresentar um executivo alternativo — afinal há um bloco de direita que o impede de sonhar com uma qualquer "geringonça". Não votará qualquer moção de rejeição que seja apresentada no início da nova legislatura, já o disse, mas também assumiu ser “praticamente impossível” um Orçamento do Estado para 2025 da AD. Resumindo: não contem com o PS para "salvar" a AD do Chega.

O Chega é, aliás, o tema incontornável da noite, tendo passado de 11 deputados em 2022 para 48 deputados em 2024, com o voto de mais de um milhão de portugueses, conquistando a possibilidade de condicionar efetivamente o próximo executivo. Afinal, façamos as contas: com 99% dos votos contados, AD e IL reúnem 85 deputados, ficando aquém dos 116 necessários para garantir uma governação estável à direita. O Chega é, portanto, incontornável.

Luís Montenegro já disse que "não falhará com a palavra" dada. E a palavra recorde-se é que "não é não", ou seja, que está excluída a possibilidade de qualquer acordo parlamentar com o partido de André Ventura. Como se desata então este nó? Se o líder da AD apela "ao sentido de responsabilidade de todos", Ventura diz que "só um líder e um partido muito irresponsável deixarão o PS governar quando temos na mão a possibilidade de fazer um governo de mudança".

Montenegro não pode perder a face perante o eleitorado de centro que conquistou a pulso - ou pode? Ventura não quer ter a responsabilidade de afundar um governo de direita aliando-se à esquerda como força de bloqueio. Afinal, é um Chega um partido antissistema? Ou está na altura de assumir uma postura de Estado? E, se assim for, resistirá à tentação "chantagear a AD" em algum momento?

Fica por saber quem cede e a que custo.

No parlamento mais fragmentado de sempre — temos de recuar até 1985 para termos uma eleição em que PS e PSD juntos têm menos que 64%, notou a cientista política Marina Costa Lobo —, o derrotado da noite foi o voto útil, mas há outros.

A CDU viu o grupo parlamentar encolher de seis para quatro deputados, tendo mesmo perdido o deputado único de Beja para o Chega. Luís Mira Amaral, que comentou a noite eleitoral no SAPO24, diz que falta a Paulo Raimundo o carisma dos seus antecessores, aliado a uma "mudança geracional" em que "Bloco de Esquerda e Livre têm um maior appeal do que a CDU". Será?

No seu primeiro teste à séria, Mariana Mortágua "segura" os cinco deputados conquistados pelo BE em 2024, mas não convence muito mais. Já o Livre tem boas razões para celebrar. Rui Tavares, tantas vezes chamado de "o adulto na sala", vê o partido a eleger 4 deputados e a conseguir, enfim, o tão desejado grupo parlamentar.

PAN de Inês de Sousa Real continua em 2024 a ser só da deputada Inês Sousa Real, que falha a ambição de recuperar o grupo parlamentar e a IL de Rui Rocha não foi capaz de aumentar a sua base de apoio, mantendo-se nos oito deputados à Assembleia da República.

A grande improbabilidade: a vitória do PS

À hora que publicamos este artigo há ainda quatro deputados por eleger, os do círculo da Europa e de fora da Europa e é preciso tão pouco para baralhar as contas ao país. Ora vejamos:

Se o PS eleger os quatro lugares vence as eleições. Sim, altamente improvável, mas não impossível. Se eleger apenas 3 e o voto que "sobra" for para AD estaremos formalmente perante um empate técnico. Se eleger dois e o Chega eleger outros dois, voltamos a ter PS e AD empatados.

Num empate técnico o que conta? Vence o partido com maior número de votos absoluto.

Mas, mesmo na improbabilidade absoluta de o PS vencer as eleições, há um bloco de direita no hemiciclo que inviabiliza qualquer governação. António Garcia Pereira, também no comentário à noite eleitoral no SAPO24, diz que não vale a pena "dramatizar". Afinal, o país pode ir sempre a votos daqui a uns meses, ou não vivêssemos nós em democracia.

A carta fora do baralho é mesmo Marcelo Rebelo de Sousa. Acusado de ter deitado abaixo um governo de maioria absoluta, o Presidente vê hoje confirmados os seus piores receios: afinal, a política nacional está hoje refém de um partido antissistema.