“O comandante-chefe da revolução cubana morreu esta noite às 22:29”, afirmou Raúl Castro, que sucedeu a Fidel no poder em 2006.

Ao longo de 57 anos, Fidel Castro foi uma figura ímpar em Cuba e no mundo. 'El Comandante', como era conhecido, tinha apenas 32 anos quando derrubou o ditador cubano ditador Fulgêncio Batista, em 1959, transformando a partir daí Cuba num ícone do comunismo e tornando-se ele próprio um mito.

Reza a história que enquanto proclamava o triunfo da revolução em 1959, várias pombas voaram em seu redor e uma delas pousou no seu ombro. As pessoas entenderam isto como um sinal sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.

Em 2006 adoeceu. Tinha já 80 anos e nos dez anos seguintes pouco seria visto em público. A 13 de agosto, completou 90 anos. Em 2016, Fidel foi notícia algumas vezes pelas suas aparições públicas que se tornaram raras nos últimos anos. No dia, a seguir ao aniversário, a 14 de agosto, Fidel Castro foi visto com Nicolás Maduro e ao lado de Raúl Castro, num evento organizado pela companhia de teatro infantil "La Colmenita", no teatro Karl Marx, em Havana.

Tinha também publicado o artigo "El Cumpleaños" ("O Aniversário"), divulgado pela imprensa estatal de Cuba, onde se referiu à histórica rivalidade com os Estados Unidos e criticou presidente Barack Obama pelo discurso que proferiu durante a visita realizada ao Japão em maio.

"Um capricho do destino"

Quatro meses antes, a 20 de abril, discursou junto com o irmão, o presidente Raúl Castro, no encerramento do Sétimo Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), realizado em Havana. "Estou quase a completar 90 anos, nunca teria imaginado isto, nem foi fruto de um empenho, foi um capricho do destino. Serei como todos os outros. Essa hora chegará para todos nós", afirmou na altura. Na assistência, houve quem comentasse a melancolia do momento.  "Senti que ele estava um pouco melancólico, como se estivesse a despedir-se. Ele sabe que talvez este tenha sido o último congresso do partido em que pôde participar", comentou à AFP Natalia Díaz, uma engenheira industrial de 54 anos.

Nesse discurso, Fidel sublinhou que, após a sua morte "ficarão as ideias dos comunistas cubanos como prova de que neste planeta, se se trabalhar com fervor e dignidade, conseguem produzir-se os bens materiais e culturais de que os seres humanos precisam". "Devemos transmitir" aos nossos irmãos da América Latina e do mundo "que o povo cubano vencerá", apontou. "Talvez esta seja uma das últimas vezes que falo nesta sala", disse Fidel Castro em tom firme, agradecendo depois ao seu irmão, o presidente Raúl Castro, pelo seu "magnífico esforço" à frente do PCC.

 O guerrilheiro que terá escapado a 634 tentativas de assassinato

Na história do século XX, Fidel Castro será lembrado como uma figura ímpar. Foi o criador de uma doutrina militar própria e conseguiu "transformar uma guerrilha num poder paralelo, formado por guerrilheiros, organizações clandestinas e populares", disse à AFP Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual embaixador venezuelano em Cuba.

A revolução cubana tornou-se um símbolo das revoltas do século XX e ele, o comandante da barba comprida e uniforme militar foi o seu rosto nas décadas que se seguiram. Não é para todos derrotar um exército de 80 mil homens contra uma guerrilha que no seu pior momento contou com 12 homens. Sem passado militar, Fidel Castro expulsou do poder o ditador Batista e esta parte da história é um roteiro quase perfeito de um filme sobre heróis.

A sua vida foi sempre um livro - ou filme de aventuras. Derrotou conspirações apoiadas pelos EUA, enviou 386 mil concidadãos para lutar em Angola, Etiópia, Congo, Argélia e Síria. Ao longo de 40 anos (1958-2000) diz-se que escapou a 634 tentativas de assassinato, segundo escreveu Fabián Escalante, ex-chefe dos serviços de inteligência cubanos.

Ao jornalista Ignacio Ramonet, Fidel confessou carregar quase sempre uma pistola Browning de 15 tiros. "Oxalá todos morrêssemos de morte natural, não queremos que se adiante nem um segundo a hora da morte", disse em 1991.

Mas ao líder revolucionário sucedeu também o ditador Fidel que oprimiu os seus opositores e governou a sua ilha com mão de ferro. Nas reações à sua morte, Ramón Saúl Sánchez, líder do Movimento Democracia para Cuba (MDC), no exílio, lamentou que a morte de um “tirano” não signifique “a liberdade do povo de Cuba”. “É a maior tristeza que tenho no meu coração”, disse o ativista à agência Efe.

“Gostaria de poder dizer que a morte do tirano é a liberdade do povo”, mas no caso de Cuba não é assim, “porque eles [os Castro] trataram muito bem a sucessão”. Para Ramón Saúl Sánchez, se Fidel Castro tivesse morrido enquanto estava no poder poder-se-ia ter desencadeado uma revolta em Cuba para reclamar liberdade, mas como o seu irmão Raúl se encontra na presidência, o impacto não será o mesmo. Para o líder da organização de cubanos exilados, Fidel Castro é um símbolo do terror que Cuba sofreu durante quase 60 anos e o seu legado é nomeadamente “medo” e “dor”.

“Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa”

Em Portugal, Fidel foi notícia recentemente, a 27 de outubro, aquando da visita do presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Cuba. Os dois apareceram juntos e sorridentes numa fotografia divulgada pelo Granma, órgão oficial. "É natural que duas pessoas bem-dispostas em certas circunstâncias ou sorriam ou riam mesmo acerca de um comentário qualquer que foi feito, agora não me lembro em pormenor", declarou  na altura o chefe de Estado português.

Fidel visitou Portugal várias vezes e, em outubro de 1998, depois de uma reunião com o empresário Américo Amorim, no âmbito da VIII Cimeira Ibero-Americana, que decorreu no Porto, confessou que gostava muito dos portugueses. Reforçaria a mesma ideia, três anos depois, numa escala rápida em Lisboa. “Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa”.

Na visita de 1998, é recordado um discurso memorável, em Matosinhos (numa festa promovida pela Associação de Amizade Portugal-Cuba), e encontros com o antigo primeiro-ministro Vasco Gonçalves (morreu em 2005) ou com Carlos Carvalhas (na altura secretário-geral do PCP), além de José Saramago (morreu em 2010). Foi de Saramago, que considerava seu amigo, que terá lido palavras duras sobre a Cuba não da revolução, mas da opressão. Aconteceu em abril de 2003 e na sequência de terem sido fuzilados três cubanos dissidentes que tinham sequestrado um barco, escreveu: "Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, destruiu as minhas esperanças e defraudou as minhas expectativas", escreveu o Nobel português.

Herói, ditador, mito. Fidel Castro morreu hoje aos 90 anos.

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