Foi no Hospital da Cruz Vermelha, instituição à qual a sua falecida esposa, Maria Barroso, dedicou grande parte da sua vida, e onde estava internado desde 13 de dezembro, que Mário Soares faleceu, aos 92 anos.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares é uma das mais emblemáticas figuras do século XX português. Combateu a ditadura de Salazar e Caetano, que a Revolução dos Cravos derrubou em 1974, fundou o Partido Socialista (PS), foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro nas décadas de 70 e 80, e Presidente da República, de 1986 a 1996.
Na “despedida” de Belém, muitos previram que seria também a sua “despedida” da política, prometendo o próprio Mário Soares que, a partir daí, ocuparia o seu tempo a escrever livros. Mas não.
O ex-Presidente e líder histórico do PS concorreu às Europeias antes do final do miilénio e foi eleito eurodeputado, cumprindo mandato entre entre 1999 e 2004. Voltou a prometer, aos 80 anos, que se iria retirar, mas volta em 2005 para se candidatar, sem sucesso, à Presidência da República, tendo sido derrotado por Cavaco Silva.
De preso político a fundador do PS
Estávamos em 1944 quando Mário Soares, então com 19 anos, dava os primeiros passos no mundo da política. O Partido Comunista Português (PCP), então na clandestinidade, foi a sua primeira filiação política, tendo também sido nessa altura que conheceu aquele que viria a ser o líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, então jovem dirigente comunista.
Dois anos depois, em Agosto de 1946, foi pela primeira vez preso pela PIDE. Cinquenta anos depois, numa entrevista, confessou que a prisão foi a sua “segunda universidade”. Foi a primeira de 12 detenções pela política política portuguesa, fruto da sua intensa atividade política ao longo dos anos pré-25 de Abril.
Foi na prisão, de resto, que se casou com Maria de Jesus Barroso, então jovem atriz do Teatro Nacional. Estávamos a 22 de fevereiro de 1949. Antes disso, e já licenciado em Ciências Históricas-Filosóficas e Direito, na Universidade de Lisboa, desligou-se do PCP e aderiu à Resistência Republicana e Socialista, que pretendia construir uma alternativa de esquerda não comunista.
Em meados da década de 40, já depois do final da II Guerra Mundial, foi secretário da Comissão Central da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, participando desde essa altura em todos os actos eleitorais permitidos pelo regime.
Como advogado, defendeu presos políticos e representou a família de Humberto Delgado nas investigações que provaram a responsabilidade da PIDE no assassinato do “general sem medo”.
Em 1968, esteve oito meses deportado em São Tomé e Príncipe e, dois anos depois, foi obrigado a exilar-se em França, onde deu aulas em Vincennes, na Sorbonne e na Faculdade de Letras da Alta Bretanha.
Enquanto estava no exílio, a 19 de Abril de 1973, na Alemanha, Mário Soares foi um dos fundadores do Partido Socialista, sendo eleito secretário-geral de imediato, cargo que desempenharia durante 13 anos, até 1986. Era o culminar de um projeto político nascido em 1964 com Francisco Ramos e Costa e Manuel Tito de Morais aquando da fundação da Acção Socialista Portuguesa, primeiro embrião da organização que daria anos mais tarde origem ao PS.
Figura na 'revolução dos cravos'
Nessa altura, preparava-se já em Portugal o movimento dos capitães que levaria à queda da ditadura, em 25 de Abril de 1974.
Apenas dois dias depois daquela que foi chamada a "revolução dos cravos", Mário Soares apanhou o comboio em Paris. À chegada, na estação lisboeta de Santa Apolónia, foi levado para a varanda da gare, de onde falou para uma multidão em delírio. A luta contra a ditadura, foi, aliás, uma das coisas que partilhou com o pai, João Soares, aquele que considerou a “sua grande referência moral”.
De regresso a Portugal, foi ministro dos Negócios Estrangeiros e membro dos primeiros Governos Provisórios. Na mesma altura, iniciou oficialmente o processo de descolonização que, durante anos, foi considerado um "desastre" (pelo qual, de resto, foi responsabilizado).
Com o “Verão Quente” de 1975, e depois do PS ganhar as eleições para a Assembleia Constituinte, demitiu-se do IV Governo Provisório e foi um dos organizadores do movimento contra a ameaça de uma nova ditadura, com o famoso comício na Fonte Luminosa, em Lisboa.
Primeiro-ministro do I Governo Constitucional, em Julho de 1976, Mário Soares foi eleito vice-presidente da Internacional Socialista.
Até 1978, além das convulsões políticas, Soares lidou com o regresso dos milhares de retornados das ex-colónias e enfrentou a situação de quase ruptura financeira do país, através de um programa de rigor negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
De 1978 a 1983, agora na oposição, participou na primeira revisão da Constituição, que consagrou o carácter civilista do regime.
Da entrada na UE à dificuldade de dizer "adeus" à política
Voltou ao cargo de Primeiro-ministro de em 1983, num Governo de "Bloco Central" que coligou as duas mais representativas forças políticas nacionais: PS e PSD. Saiu em 1985, bem a tempo de ultimar o processo de adesão de Portugal à CEE - por si iniciado em 1977 -, assinando o Tratado que o oficializou a 12 de julho de 1985.
A derrota do PS nas eleições de 1985 fizeram-no regressar à oposição. Por pouco tempo.
No seu grande combate político pessoal, em 1986, e apesar das sondagens lhe terem começado por dar apenas oito por cento dos votos, Mário Soares ultrapassou a votação de Salgado Zenha na primeira volta das presidenciais e derrotou Freitas do Amaral à segunda volta.
Em Belém, exerce um primeiro mandato consensual, numa postura de “rei-presidente” que o leva a obter o apoio do PSD para o segundo e último mandato em Janeiro de 1991, que alcança com a maior votação de sempre (70,4 por cento dos votos).
Mas quase tanto como as manchetes de “O Independente”, as suas “presidências abertas” ficaram famosas pelo efeito de desgaste que provocaram sobre o Governo de Cavaco Silva, que o incluía entre as “forças de bloqueio”.
Ficou-lhe a satisfação de ter empossado o primeiro governo do PS depois de dez anos de “jejum” de poder socialista, em outubro de 1995, e de ter passado o testemunho da presidência a um outro socialista, Jorge Sampaio.
Já fora de Belém, Mário Soares dedicou-se, tal como tinha prometido à escrita, mas não só. Voltou a correr mundo para participar em conferências e palestras, participou em programas de televisão, escreveu artigos em jornais e revistas, nunca se coibindo de comentar a actualidade nacional e internacional.
Em 1999, e ao contrário do que tinha prometido quando saiu de Belém, volta à política activa, aceitando o desafio de liderar as listas do PS para o Parlamento Europeu. “Agora, basta! Não haverá mais política, nem exercício de cargos políticos”, disse a 7 de Dezembro, durante o jantar comemorativo dos seus 80 anos. Uma promessa que quebrou mais tarde, em 2005, quando concorreu às eleições presidenciais - naquele que seria um inédito terceiro mandato na Presidência - contra Cavaco Silva e Manuel Alegre. Acabou derrotado e a sua carreira política terminou aí.
Mário Soares é uma das mais marcantes figuras da política nacional - muitos argumentarão que será mesmo a sua figura maior - e uma personalidade determinante do Portugal pós-ditadura.
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