“Não há bases científicas que sustentem qualquer das leis e os especialistas que lá estiveram foram unânimes em afirmar que não há resultados em termos de controlo de incêndios”, afirmou à Lusa Florbela Veiga Frade, da comissão organizadora do encontro destinado a debater a “floresta sustentável e a mitigação dos incêndios”.

A também porta-voz do Grupo dos Amigos das Árvores de Sintra (GAAS), que promoveu a iniciativa com o Grupo Ecológico de Cascais (GEC) e Plataforma em Defesa das Árvores, em parceria com Carruagem 23 - Artes no Entroncamento, acrescentou que “são leis que estão completamente afastadas, quer da ciência, quer da própria comunidade”.

Nesse sentido, vão pedir reuniões com o Ministério do Ambiente e os grupos parlamentares que forem eleitos nas próximas eleições legislativas.

No encontro, segundo Florbela Veiga Frade, concluiu-se que a maior parte da biomassa resultante do corte de arvoredo para a criação de faixas de gestão de combustível, que visa prevenir incêndios nas zonas florestais, “é transformada em ‘pellets’”, produzidos a partir de resíduos de madeira.

“Somos o segundo maior exportador de ‘pellets’, a partir de biomassa, para o Reino Unido, por exemplo”, apontou a ativista, considerando “vergonhoso o facto de ao contribuir para os ‘pellets’ se fazer o contrário da descarbonização” preconizada para combater as alterações climáticas.

No encontro, que juntou no sábado 17 organizações não-governamentais (ONG), académicos e profissionais, “discutiram-se as incongruências das operações de abate e as evidências científicas consensuais relativas à inutilidade e prejudicialidade de criação de faixas de gestão de combustível, a necessidade de alteração da lei, bem como a urgência de implementação de uma rede nacional que permita dar voz às genuínas preocupações ambientais da sociedade civil”, referiu em comunicado a comissão organizadora.

De acordo com Joaquim Sande e Castro, do Instituto Superior de Agronomia e da Universidade de Coimbra, citado na nota, os resultados das investigações sobre a ecologia do fogo demonstram “que a legislação que obriga a uma gestão de combustível assenta em critérios não fundamentados cientificamente” e que as execuções das faixas de gestão de combustível não são eficazes no combate ao fogo, "estando a destruir património arbóreo”.

O silvicultor Paulo Pimenta de Castro, da associação ambientalista Quercus, alertou para “o negócio da biomassa” por trás dos “planos de ação de gestão de combustível com o abate maciço de árvores e vegetação e dos efeitos nefastos para a saúde das populações resultante da incineração desse combustível, que podem ser mais gravosos que os de combustíveis fósseis como o carvão”, lê-se na nota.

O especialista “sublinhou também que não existe fiscalização que assegure que parte dos materiais resultantes do corte permaneça nos locais onde as árvores foram abatidas, como impõe a lei”.

O presidente da direção da Associação Humanitária BCV de Oeiras, Hélder Jóia e Silva, salientou “a natureza magnífica das árvores e a sua importância ecológica, designadamente em meio urbano”, considerando “imprescindível modificar a prática de podas" e de as intervenções serem acompanhadas por especialistas para evitar os erros sistemáticos.

O também silvicultor avisou ainda “para as consequências de cortes maciços para a evolução das espécies vegetais e para o próprio genoma que está adaptado a determinadas condições climáticas e geográficas”, pois “perde-se património arbóreo, genético e a capacidade de enfrentar pragas e doenças”.

O advogado Pedro Jordão, vogal da SOS Quinta dos Ingleses – Associação Ambiental, demonstrou “as incongruências do pacote legislativo que sustenta estes abates em grande escala” e como as deficiências “são agravadas pelo desconhecimento jurídico e errada interpretação da lei”.

O ativista alertou também para “a necessidade urgente da reformulação do ICNF [Instituto de Conservação da Natureza e Florestas] como instituto verdadeiramente técnico e responsável pela gestão da natureza a nível nacional impedindo a contratação de empresas sem qualificações na realização dos cortes e abates”.

“O ICNF tem que assumir a sua responsabilidade a nível nacional por estas podas e abates, terciarizados, porque os municípios ou a IP [Infraestruturas de Portugal] delegam, e quem é que tem que fiscalizar?”, questionou Florbela Veiga Frade.

No encontro foram ainda discutidas medidas para um plano de ação e a criação de uma rede que seja uma voz ativa na preservação do património arbóreo nacional, mas a organização vai ainda analisar a sua viabilidade.