
No âmbito de uma manifestação pelo 22º aniversário da devolução de Hong Kong à China, os manifestantes invadiram o Conselho Legislativo esta segunda-feira, ocupando o local.
Derrubaram barreiras, quebraram janelas, e, dentro do edifício, pintaram paredes e hastearam uma bandeira da era colonial britânica, perante a impotência das forças policiais.
A polícia usou gás lacrimogéneo e cassetetes para dispersar a multidão que se instalou no prédio.
Capacetes, máscaras e chapéus de chuva semeados pelos passeios e pelas ruas desertas junto ao parlamento de Hong Kong, é o que resta de um protesto sem precedentes que terminou numa carga policial.
Bem no centro onde ocorreram os confrontos de hoje, à semelhança dos do passado dia 12 de junho, nos quais a polícia usou também balas de borracha, entre as flores depositadas no chão em homenagem a um dos manifestantes que morreu em junho, e os 'post-its' colados nas paredes com mensagens contra o Governo, Kevin Ho, um jovem de Hong Kong, continua de vigília, de madrugada.
"Quero ficar a guardar estas mensagens da população de Hong Kong, porque a qualquer momento podem vir algumas pessoas arrancarem os 'post-its', como aconteceu no sábado", durante uma manifestação de apoio à polícia, justificou à agência Lusa o jovem.
"Não sei se os confrontos vão ajudar os protestos junto da opinião pública, mas as pessoas têm de perceber a frustração de quem está a lutar pela liberdade e democracia em Hong Kong, sobretudo quando parece por vezes que ninguém os está a ouvir", sublinhou, enquanto oferece café, marcadores e 'post-its' às poucas pessoas que passam pelo local.
Ainda assim, ressalvou: "Já conseguimos uma grande vitória", que foi a suspensão da proposta de lei.
Nas últimas semanas, o Conselho Legislativo tornou-se foco das manifestações contra um projeto de lei do governo para autorizar extradições para a China continental.
As manifestações refletem o receio dos moradores de Hong Kong face à crescente influência do governo da China, com a ajuda dos líderes do mundo da Finança na cidade.
Nesta segunda-feira, o Reino Unido manifestou o seu apoio "inequívoco" às liberdades de Hong Kong. Já a União Europeia (UE) pediu que "se evite a escalada" e convocou as partes envolvidas ao diálogo.
"As ações de hoje, por parte de um pequeno número de pessoas, não são representativas da grande maioria dos manifestantes, que foram pacíficos" até agora, afirmou, em nota, a porta-voz da chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
Na madrugada de segunda, jovens encapuzados já haviam ocupado e bloqueado as três principais avenidas de Hong Kong com grades de metal.
Equipados com cassetetes e escudos, os polícias posicionaram-se diante dos manifestantes. Os agentes usaram gás lacrimogéneo e os ativistas responderam com o lançamento de ovos.
Pouco antes da tradicional cerimónia de hasteamento das bandeiras de China e Hong Kong pelo aniversário da retrocessão de 1º de julho de 1997, a polícia disparou contra a multidão. Um manifestante sangrava na cabeça, constatou um jornalista da AFP no local.
"Quando ouvi que havia confrontos do lado de fora (do Conselho Legislativo), realmente fiquei preocupada", disse Amy Siu, de 37 anos, que participava da manifestação. "Eu preocupo-me com a segurança destes jovens. Espero que sejam racionais", acrescentou.
"Não acuso os jovens, acuso o governo", disse um manifestante de 80 anos que se identificou apenas como Yeung.
Erosão das liberdades
O movimento nasceu da rejeição do projeto de lei sobre extradições e ganhou força: passou a denunciar as ações do governo local, depois de muitos cidadãos de Hong Kong perderam a confiança nas autoridades. Muitos consideram que o Executivo tem permitido a erosão das suas liberdades.
Hong Kong foi transferida do Reino Unido para a China em 1997, mas o território ainda é administrado sob um acordo conhecido como "um país, dois sistemas".
Desta maneira, os habitantes do território desfrutam de direitos raramente vistos na China continental. Muitas pessoas dizem perceber, porém, que Pequim vai, lentamente, deixando o acordo de lado.
A cada aniversário da retrocessão, os ativistas locais organizam grandes manifestações para exigir direitos democráticos, incluindo a possibilidade de escolher o Executivo local por sufrágio universal.
Nos últimos anos, os ativistas conseguiram mobilizar grandes multidões - incluindo uma ocupação de dois meses em 2014 -, mas não conseguiram qualquer concessão importante por parte de Pequim.
Os protestos deste ano acontecem, porém, após três semanas de manifestações contra o polémico projeto de lei que permitiria a extradição de detidos em Hong Kong para serem processados pela Justiça da China continental.
Os manifestantes também exigem a renúncia da chefe de Governo local, Carrie Lam, assim como a retirada das acusações contra as pessoas detidas nos protestos das últimas semanas.
Depois de perceber a dimensão da insatisfação popular, Carrie Lam decidiu suspender temporariamente a análise do polémico projeto de lei.
Os ativistas, jovens estudantes na sua maioria, prometeram continuar a sua campanha de desobediência civil.
"Aconteça o que acontecer, não perderemos o ânimo", garantiu Jason, de 22 anos. "A resistência não é uma questão de um dia, é de longo prazo", completou.
No domingo, milhares de simpatizantes do governo expressaram o seu apoio à polícia, numa demonstração da divisão crescente na sociedade de Hong Kong.
*Por Yan Zhao y Elaine Yu/AFP e JMC/Lusa
(Notícia atualizada às 22:04)
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