Sem querer pronunciar-se sobre casos concretos, mas num momento em que os arguidos do caso de suspeitas de corrupção na Madeira estão detidos há 13 dias, o magistrado defende a criação de mecanismos legais que previnam situações como esta e a de outros interrogatórios que se prolongaram no tempo, sendo disso exemplos a Operação Influencer (seis dias entre detenção e medidas de coação) ou a Operação Picoas (11 dias).

“Alguém que ainda não tem uma medida de coação definida e que está a ser ouvido precisamente para aplicação dessa medida de coação não pode permanecer duas ou três semanas privado da liberdade numa cela, para depois, eventualmente, no final, lhe ser aplicado TIR [termo de identidade e residência, a medida de coação menos gravosa]”, disse Artur Cordeiro em entrevista à Lusa, que será publicada na íntegra na quarta-feira

O juiz assume “alguma dificuldade em perceber como é que uma pessoa está detida tanto tempo para prestar declarações sobre factos”. Apesar de não ter ainda pensado em instrumentos de resposta a essa situação, o presidente da comarca de Lisboa reiterou que “têm de ser equacionados” e encontrados.

“Poderá haver outros mecanismos que permitam que, sucedendo uma situação dessas, eles sejam localizáveis, mas que permaneçam em casa ou num local mais digno enquanto não têm a situação definida. Todos sabemos que a prisão preventiva – e, de certo modo, estar três semanas num calabouço é uma prisão preventiva, só que ‘pré-preventiva’ – é uma situação a evitar, obviamente. A prisão preventiva é a última possibilidade que há quando não se vê outra de acautelar os riscos”, salientou.

Lembrando a “natureza e complexidade dos processos” que também levam tempo a apreender, Artur Cordeiro referiu que é preferível “uma decisão conscienciosa e ponderada” sobre os factos, realçando as diferenças que por vezes marcam os interrogatórios ligados a criminalidade altamente complexa, com arguidos “dotados de meios financeiros vastos e de muitas conexões sociais e muitos conhecimentos”.

“A notificação para apresentação é eficaz em alguns casos, mas poderá não ser eficaz noutros, em que os arguidos dispõem de meios consideráveis em termos pessoais e materiais e em que existe um risco efetivo de fuga. Já tivemos situações dessas e de pessoas que até estiveram cá durante o julgamento todo e depois se ausentaram para paradeiro incerto”, disse.

Questionado sobre se o crescente prolongamento dos interrogatórios poderá estar também ligado a uma lógica de detenções para investigar ou de ‘pesca de arrasto’ nas diligências de busca e apreensão realizadas, o presidente da comarca de Lisboa rejeitou esse cenário.

“Não acredito que o Ministério Público promova a detenção para interrogatório e aplicação de medidas de coação e o juiz determine a emissão de mandados sem existirem já indícios sólidos no processo. E, se for esse o caso, obviamente, as defesas têm todos os meios. Não sou de todo apologista da redução dos meios de defesa, sou apologista de que esses meios sejam conformados de uma forma diversa daquela que existe hoje na lei”, concluiu.

Em 24 de janeiro, a Polícia Judiciária (PJ) deteve o então presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado (PSD), o líder do grupo de construção AFA, Avelino Farinha, e o principal acionista do grupo de construção civil Socicorreia, Custódio Correia, num processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.

Os três permanecem detidos desde essa data, uma vez que ainda não terminou o interrogatório nem foram conhecidas medidas de coação.