Mais uma vez o partido do diálogo e do consenso aprova sozinho um programa de que todos os outros partidos discordam, neste caso o Programa Mais Habitação, que pretende revolucionar a até agora observada crise na Habitação.

PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e Bloco de Esquerda votaram contra a proposta, enquanto Livre e PAN optaram por se abster, repetindo-se o sentido de voto observado em 19 de maio aquando da apreciação na generalidade pelo plenário.

Os partidos da oposição avocaram para votação em plenário várias das propostas de alteração que tinham apresentado - e que foram chumbadas na especialidade - tendo tecido fortes críticas à bancada do PS, ainda que por motivos diferentes, na apresentação dos respetivos requerimentos.

Pelo PS, a deputada Maria Begonha sublinhou que "entre uma esquerda em que todo o mercado de arrendamento teria de ser controlado" e a perspetiva da direita, "não há consenso possível".

Deste modo, as normas avocadas pelos partidos da oposição foram todas chumbadas, confirmando-se o sentido de voto observado no processo de votação na especialidade pelo grupo de trabalho da habitação criado no âmbito da Comissão de Economia.

A apresentação dos requerimentos das avocações e as votações foram acompanhadas nas galerias por pessoas vestidas com camisolas pretas, ligadas ao alojamento local, que saíram no momento em que os partidos se levantaram para votar contra a proposta de lei do Governo do Mais Habitação, batendo com os pés no momento em que abandonavam o local, o que levou o presidente da Assembleia da República a interromper a votação até que saíssem e o barulho terminasse.

O que está em causa neste programa agora aprovado?

O programa assenta em algumas ideias base:

  • Limitações à subida da renda dos novos contratos - O valor da renda inicial dos novos contratos de casas que estiveram no mercado de arrendamento nos últimos cinco anos não pode ultrapassar os 2% face à anterior. A este valor podem ser somados os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores (caso não tenham sido aplicados), sendo considerados 5,43% em relação a 2023. Esta limitação de 2% não se aplica aos contratos cujo valor seja inferior às rendas consideradas no arrendamento acessível.
  • Dedução do IMI familiar aumenta - O valor do desconto no IMI que as câmaras podem atribuir aos residentes, em função do número de dependentes, vai aumentar. Atualmente esta dedução é de 20, 40 e 70 euros consoante exista um, dois, três ou mais dependentes, respetivamente. Com a entrada em vigor desta lei, o valor da dedução aumenta para, pela mesma ordem de dependentes, 30, 70 e 140 euros.
  • Redução de 28% para 25% da taxa especial de IRS sobre as rendas - Os rendimentos de rendas (quando o contribuinte não opte pelo seu englobamento) passam a pagar uma taxa de IRS de 25%, em vez dos atuais 28%. Além disso, a redução da taxa de imposto que já existe para os contratos de maior duração é reforçada – sendo que no prazo mais longo, superior a 20 anos, baixa dos atuais 10% para 5% -, podendo ser ainda mais acentuada se a renda praticada for inferior à anterior.

    A redução da taxa não se aplica, contudo, aos contratos de arrendamento celebrados a partir de 1 de janeiro de 2024, quando a renda exceda em 50% os limites gerais de preço de renda por tipologia em função do concelho onde se localiza o imóvel. Além disso, acaba a redução do IRS para os contratos de duração entre dois e cinco anos.

  • Arrendamento forçado de casas devolutas - Esta foi sempre uma das medidas mais criticadas e que menos pessoas perceberam, sendo que se dirige a casas de habitação devolutas há mais de dois anos e localizadas fora do interior do país, tendo os donos 90 dias para responder após serem notificados para fazerem obras ou darem uso à fração. Não havendo resposta do proprietário no prazo definido, pode o município proceder ao arrendamento forçado do imóvel.

    Está ainda previsto que a câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a fiscalização sobre as condições de utilização do imóvel. As casas de férias, as que se encontram vagas por o respetivo dono se encontra num lar ou a prestar cuidados permanentes como cuidador informal e as dos emigrantes, bem como as das pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas, não são consideradas devolutas para este efeito.

  • Mais-valias de casas vendidas ao Estado e municípios isentas de IRS - As mais-valias resultantes de venda de imóveis ao Estado ou aos municípios ficam isentas de IRS, ficando apenas de fora desta medida as auferidas por residentes na lista de territórios e países que Portugal classifica de paraísos fiscais ou as decorrentes de vendas através do exercício do direito de preferência. Atualmente 50% da mais-valia gerada tem de ser englobada ao restante rendimento, sendo sujeita às taxas progressivas do IRS.
  • Benefícios ficais à reabilitação urbana acabam para fundos de investimento - A isenção de IRC atribuída aos rendimentos obtidos por fundos de investimento constituídos entre 2008 e 2013 com ativos em imóveis sujeitos a reabilitação urbana foi revogada, terminando também o benefício fiscal atribuído a quem detinha unidades de participação em fundos de investimento.

    No entanto, prevê-se uma redução da tributação dos fundos de investimento imobiliário e das sociedades de investimento imobiliário quando "pelo menos 75% dos seus ativos sejam bens imóveis afetos a arrendamento habitacional a custos acessíveis".

  • Contribuição extraordinária sobre o AL - O alojamento local (AL) vai passar a pagar uma contribuição extraordinária (CEAL), cuja base tributável é constituída pela aplicação de um coeficiente económico (que tem em conta a área do imóvel e o rendimento) e de pressão urbanística. A taxa aplicável a esta base tributável é de 15% e não pode ser dedutível à determinação do lucro tributável em IRC.

    Esta CEAL deixa de fora os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, bem como os AL que funcionam em habitação própria e permanente, desde que a exploração não ultrapasse 120 dias por ano.

    Esta medida, apesar de também ser uma medida polémica, não se aplica a imóveis localizados no interior do país, tendo o valor recuado dos 35% inicialmente propostos pelo Governo para 15%.

  • Caducidade e reapreciação dos registos de alojamento local - Os titulares dos registos de AL inativos têm de fazer prova da manutenção da atividade, no prazo de dois meses a contar da entrada em vigor da nova lei.
  • Condóminos podem opor-se a novos AL - Os condóminos passam a ser ouvidos previamente sobre os novos alojamentos locais que queiram instalar-se em edifícios destinados à habitação. Por outro lado, estipula-se que "o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos”.
  • Suspensão de novas licenças de AL - A emissão de novos registos de alojamento local fora dos territórios do interior do país vai ser suspensa, de acordo com as novas regras.
  • Incentivo à mudança das casas de AL para arrendamento - Os proprietários que retirem as casas do alojamento local até ao final de 2024 e as coloquem no arrendamento habitacional vão ter isenção de IRS ou IRC sobre as rendas até ao final de 2029 e não estão sujeitos a qualquer limite no valor da renda que pretendam praticar.

    Para tal, o contrato de arrendamento terá de ser efetuado até 31 de dezembro de 2024, sendo que apenas os imóveis com registo de AL até 31 de dezembro de 2022 são elegíveis.

  • Rendas antigas atualizadas pela inflação - Os contratos de arrendamento antigos (anteriores a 1990) que não transitaram para o Novo Regime do Arrendamento Urbano já não vão transitar e a renda vai passar a ser atualizada de acordo com a inflação e a beneficiar de isenção de IRS e de IMI. Está ainda previsto o pagamento de uma compensação aos senhorios.
  • Estado paga rendas em atraso após três meses de incumprimento - O Estado vai substituir-se ao inquilino e pagar rendas nos casos em que haja incumprimento superior a três meses, para reforçar o mercado de arrendamento. Desta forma, caberá ao Estado avaliar a situação do inquilino e poderá avançar para a cobrança dos valores em falta, usando os meios atualmente existentes para a cobrança de outras dívidas. Sendo o incumprimento devido à carência de meios, o caso é articulado com a Segurança Social.

    O pagamento tem como valor máximo mensal 1,5 vezes o salário mínimo nacional até ao limite total de um valor equivalente a nove vezes o salário mínimo nacional.

  • Benefícios fiscais para obras de casas do arrendamento acessível - O Governo quer alargar o número de casas disponíveis no programa do arrendamento acessível (PAA) e para tal está prevista uma taxa de IVA de 6% nas obras de construção ou reabilitação de casas que sejam maioritariamente afetas a este programa, bem como isenção de IMI por três anos (prorrogável por mais cinco) e isenção de IMT na aquisição para reabilitação.

  • Isenção de mais-valias na venda de imóveis para pagar empréstimo - O programa prevê isenção de mais-valias na venda de imóveis da família, desde que o valor se destine a pagar o empréstimo da casa de habitação própria e permanente do proprietário ou dos seus descendentes. Esta isenção abrange imóveis cuja venda ocorra entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2024.

  • Fim dos vistos 'gold' - Esta talvez uma das medidas mais aplaudidas, sendo que com a entrada em vigor da nova lei, não serão admitidos novos pedidos de concessão de vistos de residência para atividade de investimento, o que não afetará a possibilidade de renovação das autorizações já concedidas.

    Os pedidos de concessão e de renovação de autorização de residência para atividade de investimento mantêm-se válidos, incluindo os que estão “pendentes de procedimentos de controlo prévio nas Câmaras Municipais” à data da entrada em vigor da lei.

    Também está excluída da limitação adotada a concessão ou renovação de autorizações de residência para reagrupamento familiar.

  • Simplificação dos licenciamentos - Os projetos de arquitetura vão passar a ser licenciados apenas com base no termo de responsabilidade dos projetistas e as entidades públicas serão penalizadas no caso de atrasos na emissão de pareceres.

*com Lusa