O discurso de Bruno de Carvalho começou alguns minutos depois do previsto, após a reunião com a direção ter demorado mais tempo do que era esperado. No Auditório Artur Agostinho, diante das câmaras, sócios e jornalistas, o presidente do clube de Alvalade começou a conferência de imprensa de dentro para fora.

Começou por si, confessando que desde que se candidatou pela primeira vez à liderança do Sporting que tem vivido um "sequestro" — "o Sporting é um clube que, de quem está deste lado, exige um esforço que quem não está aqui não consegue perceber. Não ir ao jardim com a minha filha, não ir ao café, ir a peças de teatro onde mudam textos da peça para me chamarem atrasado mental como já aconteceu… As pessoas têm noção da exposição pública e dos meus posts no Facebook, mas não têm noção do que é viver uma vida de completo sequestro durante cinco anos ou sete" — passando depois a falar para fora e sobre a dor que existe em "ver um Sporting internamente a voltar aos tempos antigos".

Acusando as pessoas de memória curta e ingratidão, o presidente do Sporting CP não se ilibou de erros — "as pessoas às vezes têm memória curta e são ingratas. Claro que cometo erros e vou cometer, tal como todos" —, mas sublinhou que, dedicando todo o seu tempo ao clube, não pode admitir que se brinque com o trabalho da sua direção.

"Não podemos numa Assembleia Geral ter sócios que acham que em vez de democracia se vive em anarquia, que chamam o presidente de mentiroso, que mandam baixar a bolinha… Este é o Sporting da treta, da manipulação… Criou-se uma mentira em torno dos estatutos e não posso admitir trabalhar 24 sobre 24 horas e nem sequer poder discutir as coisas. Não concordam, votem 100% contra; brincar com o nosso trabalho é que não", começou por dizer.

"Eu sou do Sporting, não sou do Bruno. Isso significa o quê? Essa falta de respeito para com o trabalho destas todas pessoas quer dizer o quê? Que o que andamos aqui a fazer foi brincadeira? Claro que o Sporting vai continuar a existir, mas muito melhor do que quando nós cá chegámos", concluiu.

E se quem não erra não é perfeito, perfeito também não é aquele liga a pormenores pequenos, até porque, nas palavras de Bruno de Carvalho, "no Sporting nada é pequenino, por cada pedrinha que se levanta aqui temos lá dezenas de lacraus". E pequenino não se deixou ficar o dirigente verde e branco que fez questão de dividir a base associativa dos leões entre "sportinguistas e sportinguistas de azia. E não é a azia da Amoreira com que estamos hoje todos", referiu num primeiro momento.

"Estou a ser humilhado e difamado por sportinguistas há sete anos. Que fizeram cartazes que puseram na 2.ª Circular, que fizeram flyers, que fazem grupos que acham que são muito privados no Facebook, que se arrogam no direito de fazer comunicados meia hora antes de uma reunião importante… Eu ganho o quê em perpetuar-me aqui? Custa-me que continuemos manipulados por grupos e grupinhos. Há quase um ano que digo: quando não se estima, às vezes olha-se para o lado e ninguém está lá, e as pessoas acham que isto é porque me agrada ou que preciso", alongou Bruno de Carvalho.

créditos: NUNO FOX/LUSA

"O clube não é meu, já havia clube antes de Bruno de Carvalho e haverá clube depois de Bruno de Carvalho”, reforçou. "Eu disse-vos que estive para não me candidatar. E as pessoas acham que isso é mentira. Interessa-me a minha liberdade e eu não a tenho. No entanto, todos pedem pela vossa", relembrou.

De forma retórica, as perguntas surgem pela boca do próprio presidente. "Democracia é ser censurado por tudo? Há um homem que faz uma coisa onde me chama drogado e as minhas filhas têm de crescer a ver isto? Coloco muitos processos?", questiona o próprio, que diz que é acusado de ser "gatuno", "ladrão" e "drogado".

"Estavam à espera do quê? Tenho de aguentar o quê? Antes de ser presidente do Sporting sou pai, filho, tenho família e pessoas em casa. Avance comandante… Qual é exército? Quando olho para trás vejo sempre uma parede. As pessoas têm de ser livres, não libertinas; têm de estar à vontade, não é para estarem à vontadinha”, sublinhou ainda, numa intervenção que já ia longa.

O momento decisivo aproximava-se, sem que soubéssemos; e faltavam nomes. E eis que surgem três, precisamente os três que colocaram os requerimentos na Assembleia Geral: Carlos Severino, Pedro Paulino e Rui Morgado. Todos nomes associados a Pedro Madeira Rodrigues, concorrente às eleições leoninas em março de 2017.

"Quem foi o associado que disse o que estava bem, o que estava mal, qual era o artigo? É normal que eu não diga a um ex-presidente que é um sportinguista aziado quando diz que o meu lugar é no manicómio? Ou que sou um garoto ou uma trampa? À frente é só sorrisos e depois é o grupo da Versailles, o do Café Império. Mas acham que eu não me preparei para ser presidente? Que não conheço isso tudo? E não podemos andar sempre com o chavão dos 90% [resultado de BdC nas últimas eleições]", disse o presidente dos leões recordando a Assembleia Geral do passado sábado, dia 3 de fevereiro, que tanta tinta fez escorrer na imprensa.

“Disse o que tinha para dizer, o Sporting deve ter um regulamento disciplinar condizente com a sua condição. Isto passa-se no Sporting há 112 anos, esta coisa do grupo, grupinhos e 'grupetes' é desde que nascemos, desde aí que temos este sentimento autofágico”, salientou.

“Já disse: quando quiserem, vou-me embora”

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E eis que, depois de um discurso 'ao ataque', Bruno de Carvalho pede reforços para a defesa, a defesa da sua direção e do seu projeto para o clube, convocando os sócios para decidir o futuro dos órgãos sociais leoninos e dar a resposta que todos esperavam ouvir da boca do presidente durante a conferência. E a nova Assembleia Geral chegou com data, hora e local marcado.

"Cheguei a um clube todo falido e sempre disse que queria títulos europeus, sempre! Tudo se inverteu. Fizemos uma reunião, a seguir estivemos reunidos com a Assembleia Geral e com o Conselho Fiscal. No próximo dia 17, às 14 horas, vamos fazer uma AG no Pavilhão João Rocha. Três pontos: novos estatutos, regulamento disciplinar e se querem ou não a saída imediata dos órgãos sociais. Se algum dos pontos não passar, e é preciso 75%, saímos", começou por dizer.

"Está na altura de mostrar se querem ou não estes órgãos sociais e este presidente ou não. Sei que existe aí alguém preparado para ser presidente que manda os peões de brega à frente, veremos. Mas uma coisa é certa: é a última vez que vai acontecer isto comigo. Arrumem as cabeças, já basta aturar os outros”, finalizou.