Um português nascido e a viver em Portugal, outro oriundo de terras lusitanas e emigrante em França durante 11 anos e um luso-francês, nascido e criado em solo gaulês. João Granate, 26 anos é o português à beira-mar plantado. Jogador amador de râguebi, no Grupo Desportivo Direito, é engenheiro de profissão.  O “emigrante”, José Lima, 31, partiu da pátria Lusitânia há mais de uma década com a bola oval nas mãos para tentar a sorte na via da profissionalização dos campeonatos franceses. Por último, Nicolas Martim, filho de pai português emigrado em terras gaulesas, e mãe francesa, nasceu em França há 24 anos, adotou a nacionalidade portuguesa e é, também ele, jogador profissional no país hóspede do segundo melhor campeonato do mundo.  

Estes três jogadores bem que podiam traçar o retrato sumário da seleção nacional de râguebi. São três jogadores, de realidades distintas, que formam um mosaico pincelado por portugueses (emigrantes incluídos) e luso-franceses e, juntos, com a “Portuguesa” debaixo da língua, vão disputar o Mundial França 2023.

Esta é a 10.ª edição da competição entre nações, 200 anos depois do nascimento da modalidade, 120 anos depois do primeiro registo da introdução do râguebi em Portugal, em Lisboa, e 99 anos após a oficialização do “primeiro” jogo, no Porto, ambos acontecimentos ocorridos debaixo da influência de britânicos e franceses sitiados em território nacional.

Será a segunda participação lusa no torneio internacional, 16 anos depois da estreia feita igualmente no país de acolhimento de mais de 600 mil portugueses, muitos deles emigrados nos anos 60 e 70 do século passado, número hoje triplicado por força da descendência. 

A luta pela conquista da Taça Webb Ellis decorre num território marcado por dispersos momentos de agitação social. A situação leva a organização do Mundial, a World Rugby, a ter na gaveta um plano de emergência em caso de perturbação da ordem pública, conforme explicou ao SAPO 24 fonte da Federação Portuguesa de Râguebi (FPR).

Liderados pelo “Expresso de Bayona” numa equipa de netos e filhos da Linda de Suza

Façam-se, então, as apresentações da seleção nacional de râguebi. O grupo começou a ser formado há quatro anos, vindo de baixo, como se explicará adiante, e culminou o percurso com um carimbo para França 2023 nas respetivas carreiras. 

Comecemos pelo topo da pirâmide. O francês Patrice Lagisquet, é, desde 2019, o maestro que lidera a orquestra bilingue (ou antes, trilingue) dos lobos, nome pelo qual é conhecida a seleção nacional, cumprindo a tradição das nações da bola oval de batismo a partir da fauna e flora. O antigo internacional francês dá a tática em inglês para que todos o entendam. No currículo (de treinador) tem o título de campeão francês pelo Biarritz, no Top-14, divisão de elite gaulesa, jogos na Heineken Cup, principal competição europeia de clubes e a passagem pela equipa técnica dos Les Bleus (França), no Mundial 2015, disputado em Inglaterra. 

Três anos antes da chegada do “Expresso de Bayona”, como era conhecido enquanto jogador, o XV nacional tinha caído no 3.º e último escalão europeu, o Trophy, anos que coincidiram com a saída da seleção de Sevens do Circuito Mundial. Convidado pela Federação Portuguesa de Râguebi (FPR), liderada por Carlos Amado da Silva, Lagisquet foi uma das pedras de toque do começar de novo que se impunha depois da ressaca de meia dúzia de anos de “euforia” a seguir à primeira presença numa competição mundial, França 2007.

Empresário no setor segurador, nome respeitado em França, dotado de pedigree q.b dentro e fora de campo, entretanto desligado do profissionalismo clubístico, Patrice Lagisquet começou, no cargo de selecionador nacional, a desengatar o nó sempre existente entre os clubes franceses e a seleção nacional a propósito da cedência de atletas para os compromissos internacionais. 

Primeiro passo: foram recuperados antigos jogadores que haviam representado as cores nacionais anos antes, “filhos” da Linda de Suza, veteranos que pululam nas divisões semiprofissionais e profissionais francesas. Nesse alargamento da base de recrutamento à descendência portuguesa em França, do Top-14 às divisões secundárias, entra Samuel Marques, Mike Tadjer, Francisco Fernandes, médio-formação, talonador e pilar, respetivamente, todos eles já na casa das três dezenas internacionalizações ao peito, ladeados por Anthony Alves e Lionel Campergue.

Passo seguinte: deu-se início ao scouting junto dos netos da senhora da mala de cartão, Teolinda Joaquina de Sousa Lança, o verdadeiro nome da artista nascida em Beringel, Beja, em 1948 e falecida, no final do ano passado, na Normandia e piscou-se o olho aos internacionais sub-20 pela França, como são os casos de Vicent Pinto (ponta)Steevy Cerqueira (2.ª linha) e Jordi Moura (médio abertura), cuja ascendência portuguesa permite representar Portugal ao abrigo da lei da elegibilidade da World Rugby (curiosamente, uma proposta submetida pela federação portuguesa).

Abre-se a porta de França para Portugal e, em sentido inverso, o selecionador nacional começa a estender uma passadeira aos jovens e talentosos jogadores portugueses para se aventurarem para lá dos Pirenéus.

Um trabalho de intercâmbio cuja continuidade está garantida, e será reforçada, por ação de Julien Bardy, antigo internacional português, luso-francês, filho de uma transmontana de Vila Pouca de Aguiar, atual vice-presidente da FPR responsável pelas seleções nacionais.

Geração de Ouro nasceu no pós-Mundial 2007, ganhou títulos europeus e agora mostra-se ao mundo 

Muitos dos jovens que hoje compõem a seleção nacional nasceram para o râguebi após o Mundial 2007. O evento esteve na origem do boom da modalidade em Portugal, um desporto amador, de matriz universitária, nascido grosso modo no meio académico com honrosas exceções paridas pelo ecletismo de clubes: Belenenses, um dos fundadores, Sporting CP (dos primeiros a sair do berço, mas intermitente ao longo dos anos em masculinos e uma recente realidade em femininos), SL Benfica (clube à beira do centenário), FC Porto, somente nos primórdios e Estrela da Amadora, no pós-revolução de Abril.  

Há 16 anos foi assim

Recuando 16 anos, as imagens de homens (des)feitos em aguaceiros de lágrimas a cantarem o hino nacional, colados num abraço amador prontos a desafiarem seleções profissionais, espantou um país e o mundo. O resultado não se fez esperar. Provocou uma corrida aos clubes por parte de crianças ávidas de experimentar o desporto de correr para a frente com a bola na mão e cujo passe é feito para trás.

Os lobos de 2007 plantam a semente e deixam descendência numa paixão pela modalidade que em muitos casos passou de pais para filhos. Um dos exemplos é Jerónimo Portela, médio-abertura, filho do lobo Miguel Portela, um dos mais carismáticos jogadores da “tal” seleção que abriu caminho aos jovens nascidos entre 1997 e a viragem do século. 

Ora, é exatamente na dobragem do milénio que uma geração de ouro começa a gatinhar para lá do berço para anos mais tarde colocar o râguebi português na vitrina europeia dos escalões jovens. Cumprida essa primeira fase do crescimento, o amadurecimento culminará num desfile perante os olhos do mundo na montra global do França 2023.

José MadeiraSimão BentoJoão GranateDavid WallisManuel Cardoso PintoRodrigo MartaJoão BeloPedro LucasPortelaDuarte TorgalDavid Costa e Raffaele Storti fazem parte de uma linhagem de tricampeões da Europa entre 2017 e 2019.

Um “plantel” que, no mesmo hiato de tempo, apesar de perder duas finais do World Rugby Trophy sub-20, Mundial “B”, vê as portas de outros voos abrir e sonhos começarem a realizar-se. 

Desse lote, Madeira, Bento, Marta (o melhor marcador de ensaios de Portugal, 28), um dos pontas mais mediáticos em França, líder de toques de meta da Nationale (17), 3.ª divisão francesa e Storti (depois de uma primeira tentativa no Uruguai, no Peñarol, em 2020, ao lado de Jerónimo Portela, amigo de infância e antigo colega no Instituto Superior Técnico, ter sido interrompida pela COVID-19), deixam para trás, precocemente, o selo do amadorismo da Divisão de Honra portuguesa, largam as universidades e abraçam o profissionalismo em França.  

Todos esses nomes têm algo em comum: no chip levaram a injeção de conhecimento de Luís Pissarra, ex-lobo de 2007, veterinário de profissão, treinador nas seleções jovens e de João Mirra, antigo responsável pelo râguebi feminino e adjunto nas seleções sub-20, hoje, ambos, parte da equipa técnica de Lagisquet.   

Depois de irem ao forno no tabuleiro da dupla Pissarra e Mirra, aos poucos, parte do lote desses miúdos começa a maturar nas fichas de jogo ao lado dos graúdos como Tomás Appleton (62 vezes internacional), capitão de Portugal, dentista de profissão que, tal como outros, é uma espécie de Clark Kent, trabalha de dia, treina à noite, Rafael Simões (um polivalente jogador, n.º8, 2.ª e 3.ª linha, dos mais internacionais, 44 vezes vestido com a camisola de Portugal), Nuno Sousa Guedes (consultor de seguros que chegou a receber um convite para jogar na avançada do Arsenal de Londres e que terminaria a defesa, n.º15, no râguebi) ou Duarte Diniz (trabalja numa private equity), e José Lima (vice-capitão e segundo jogador mais internacional da comitiva, com 55 jogos ao serviço de Portugal) Diogo Hasse Ferreira e Pedro Bettencourt, os três últimos, emigrantes em França.

16 portugueses, 7 emigrantes e 10 luso-franceses. O mosaico lusitano  

O mundial de râguebi arranca a 8 de setembro e termina a 28 de outubro. Portugal estreia-se a 16, diante o País de Gales (uma pesada e humilhante derrota portuguesa, por 112-11, no único registo histórico de seleções, em 1994), em Nice, segue-se o embate com a Geórgia (24 encontros, 17 derrotas, 4 vitórias e 3 empates, desde 2000), no dia 23, em Toulouse, depois Austrália (nenhum jogo disputado), a 1 de outubro, em Saint-Étienne e, por último, ilhas Fiji (duas derrotas, em 2005 e 2013), a 8 de outubro, novamente em Toulouse.   

A lista inicial de 38 pré-convocados que se apresentou no Centro de Alto Rendimento do Jamor encolheu para 36, no Algarve e fechou nos 33 finais, já em França.

Os preteridos permanecem em stand-by e sempre preparados para a eventualidade de serem chamados à competição (devido a lesões, por exemplo). 

Dois lobos não seguiram para o estágio no Algarve – os benjamins António Prim, o mais novo, 20 anos, e Xavier Cerejo, 21 -, segundo momento de união de grupo, que decorreu de 31 de julho até 13 de agosto, um dia depois do primeiro jogo de preparação, com os Estados Unidos da América (EUA), no Estádio do Algarve.

Dos ares algarvios, a seleção portuguesa rumou a França. José Rebelo de Andrade, que não recuperou da lesão sofrida no jogo treino com a Irlanda (líder mundial do ranking) no estágio no Algarve, no início de agosto, António Vidinha e os luso-franceses, Kevin Batista e Danny Antunes recuaram para a “reserva” após o jogo com a Austrália “A”, equipa secundária dos Wallabiesa 26 de agosto, em Paris, derrota por 30-17.  

Voltemos à miscelânea lusitana cozinhada para França. Numa lesta passagem de olhos pela ficha-técnica, em especial para quem segue a seleção, os nomes são familiares. 

É preenchida pelo grosso dos jogadores que cumpriram os dois anos do Rugby Europe Championship (REC 2022-2023), torneio europeu bianual de apuramento para o Mundial e os três encontros da prova de repescagem, disputado no Dubai,em novembro, frente ao Quénia, Hong-Kong e EUA - , acrescido de outros vindos dos Lusitanos (os amadores Francisco Bruno, a trabalhar na área digital, Manuel Picão, consultor e António Santos, engenheiro informático), franquia da Federação Portuguesa de Râguebi (FPR) que, durante dois anos, disputou a Super Cup, competição europeia organizada pela Rugby Europe.  

Num rápido raio x à seleção nacional é detetado, logo à primeira vista, a mistura de sangue português e francês a correr nas veias dos 33 lobos convocados. 

No jogo de nacionalidades entre o Jus Sanguinis e Jus Solis, 23 nasceram em Portugal e 10 acordaram para a vida em França. No tabuleiro clubístico, 16 atuam em clubes portugueses e 17 mostram-se nos campeonatos gauleses.

Dos 16 jogadores portugueses a jogar em Portugal, sete atuam no GD Direito, campeão nacional e o maior fornecedor da seleção nacional. CDUL (2), Belenenses (2), Cascais (2), Agronomia (2), CDUP (2) e Técnico (1) são os restantes emblemas nacionais representados no Mundial.

17 lobos jogam em França dispersos por 14 clubes. Resultam da soma dos 10 luso-franceses acompanhados por sete portugueses que emigraram do campeonato nacional.

Apesar de não terem nascido em maternidades portuguesas, os franceses, “enfants de la Patrie”, deixam transparecer a portugalidade de “heróis do mar, nobre povo” no cartão de cidadão.

Uns fazem-no pela junção do nome próprio e de família, como Samuel Marques, herói do pontapé de penalidade que garantiu o empate (16-16) frente aos EUA, na 3.ª e última jornada do Torneio de Apuramento Final para o Mundial que decorreu no Dubai, 6 a 18 de novembro,  outros denunciam-se pelos apelidos, (Joris) Moura, médio-abertura, luso-francês de 23 anos e internacional gaulês nos escalões de formação (6 Nações sub-20), e o jogador que se estreou a vestir a pelo dos lobos (jogo de preparação com o EUA).

Outros, como o carismático Tadjer (pai português e mãe síria), figura de proa entre os “franceses”, e, embora o nome pelo qual é conhecido profissionalmente, Mike Tadjer, não faça match com Portugal, a herança de Linda de Suza está bem viva. Nem que seja no desconhecido apelido Barbosa.

O careca de barba espessa, dotado de músculos e tatuagens de imporem respeito, será o cicerone de toda a comitiva na cidade e no campo base de Perpignan (vestiu a camisola do USAP, clube local) onde se instalará a seleção nacional.

O “marçons, marchons” junta-se ao “marchar, marchar” de um nobre povo e nação valente preparada para erguer as armas e levantar o esplendor de Portugal num país cuja diáspora conhece de cor e salteado a palavra “Saudade”.

Um bootcamp no Jamor auxiliado pelas ajudas de árbitros e chutadores

Regressemos aos três portugueses, triângulo de vidas em cujos vértices se desenha a tal mistura luso-francesa preparada para atacar o Mundial 2023. 

José Lima, emigrado em França há mais de uma década, com vasta experiência de Pro 2 (2.ª divisão francesa), é um dos esteios da seleção nacional. 

Aos 31 anos, Lima, é o ancião português da alcateia e o segundo jogador mais internacional (54 internacionalizações), atrás do capitão Tomás Appleton, dentista e jogador (CDUL) como segunda ocupação “profissional” e com quem forma a dupla de centros na seleção. 

“Não sou o mais internacional, mas sou o mais antigo”, explicou ao SAPO 24 em pleno relvado do CAR Jamor, campo A, primeiro abrigo da armada lusa na preparação do Mundial, no passado mês de julho.  

O domínio do verbo após tantos anos de râguebi em Portugal como em França, permite-lhe fazer a ponte entre portugueses e franceses. 

“Conheço a realidade portuguesa e do râguebi português e a francesa, onde estou há muitos anos, consigo perceber os dois lados, o que nem sempre é fácil para um lado e para o outro”, detalha. “É tentar ser o equilíbrio entre “guerras” que possam existir pelo facto de termos profissionais e amadores e faço a gestão do equilíbrio na equipa” confessa. “Tenho esse papel”, informa, aceitando, com naturalidade, o rótulo de uma das referências dos lobos.

Testemunha do blend entre o râguebi champanhe (francês) e o râguebi vinho do porto (português), sorriu ao falar do casamento. “Mas o bom cocktail desta equipa é a nossa loucura e coragem com o lado de mais rigor e bonito francês”, acrescenta. 

Depois de quatro semanas a viverem entre treinos intenso e dormidas numa unidade hoteleira próxima do Complexo Desportivo do Jamor, com idas a casa ao fim de semana, Lima destaca ter sido um “momento para viver coisas juntos”. Admite a existência de outras companhias, “com a internet e telemóveis cada qual tem a sua música e filmes, o acesso é fácil”, mas reforça que foi “bom termos aproveitado o tempo para estarmos juntos e ter coisas para relembrar no pós-mundial”, acentuou.

Na roda da sorte da distribuição dos quartos calhou-lhe na altura Joris Moura, estreante jogador francês. “Estou a integrá-lo e tentar fazer com que se sinta bem e ajudá-lo a agarrar a oportunidade”, disse, enquanto reforçava que a escolha do parceiro foi da responsabilidade dos treinadores, mas a parceria parece quase óbvia. “Falo francês”. Voilá. 

Hoje, em França, no Hotel Villa Dufflot os parceiros de sonhos são outros.

puzzle de amizades e relacionamentos é vasto para o veterano emigrante. “Tenho amigos com o Samuel (Marques) que joguei com ele em França e conhece-o há 11 anos e o Tomás, jogámos sempre um contra o outro nas camadas jovens e juntos na seleção. Depois tenho o Simão Bento, Storti e o Marta que incentivei a irem para fora e acabam por ser os meus meninos de quem gosto e ajudo muito. E o Nuno Sousa Guedes também conheço há muito tempo”, pormenorizou. 

“A nível de seleção nunca tivemos tanto tempo e com tantas condições de treino como temos estado. Em especial, tanto tempo junto. E tempo e treinos mais específicos é o que nos falta na preparação da seleção”, continuou. 

Plantados durante quatro semanas no Centro de Alto Rendimento do Jamor, os lobos receberam a visita de um consultor de arbitragem e um treinador especializado no jogo de pés. Foram “emprestados” pela World Rugby, entidade que supervisiona a modalidade a nível global e responsável por todos os detalhes na preparação e organização do Mundial de França 2023.  

Na conversa com o SAPO 24 José Lima, que para o ano estará de regresso a Portugal (Agronomia), opinou sobre esta transmissão de conhecimento injetado na alcateia portuguesa. “Não olho para o que trouxe, mas sobretudo para o que vai trazer. Hoje, o alto nível é cada vez maior, os jogos são mais renhidos e decidem-se por detalhes. Ajuda-nos a trabalhar, a reforçar e a ter um outro olhar sobre o que é fundamental”, descreveu durante o primeiro “bootcamp”. 

“Toda a família do meu pai é de Portugal”

Nicolas Martins, o “naturalizado” consegue “falar um pouco” português e percebe um pouco mais. Garante ir mais além do “obrigado” e do “bola, bola”. 

Aos 24 anos, internacional português em 9 ocasiões, 3.ª linha do SA XV (PRO 2) juntou-se à seleção nacional nos jogos do Rugby Europe Championship e no torneio que colocou Portugal no Mundial.  

Sente-se “contente por estar aqui”. O aqui é entre os convocados (38, 36 e os 33 finais), uma convocatória e contagem iniciada no estágio no CAR do Jamor, casa do râguebi português. Uma estadia durante a qual “encheu” dois quilos. “Estou bastante melhor”, disse ao referir-se ao trabalho físico a que foram submetidos.   

Como companheiro de quarto coube-lhe em sorte ... a companhia do telemóvel. Ficou “sozinho ...”, confessou ao destapar um olhar maroto. Hoje poderá já ter com quem falar.

Tribault Freitas, também ele luso-francês e o Lima são os parceiros de conversa preferências. “Falo com todos e se não me entenderem peço ao Lima”, garante este filho de pai português. “Toda a família do meu pai é de Portugal”, confessa.

“Trazer ao de cima a nossa história e nosso râguebi, apresentá-lo ao resto do mundo”

Por fim, o português de gema. João Granate. A tez morena e barba cerrada não engana sobre as origens do 3.º linha. “Estou um pouco mais forte”, afirmou ao debruçar-se sobre as tareias físicas a que foram submetidos nos estágios. Nesse instante, olhou orgulhosamente para os bíceps prestes a enfiarem-se no fato oficial da marca portuguesa Labrador feito à medida e sem o qual os jogadores não podem pisar o palco mundial, conforme exigência da World Rugby, corpo governativo que transformou a modalidade num desporto de brutos jogado por cavalheiros vestidos como modelos. 

“Nós, amadores, estamos habituados a treinar em part-time. Ao estarmos todos juntos conseguimos ver o jogo a cada detalhe. Os chutadores têm um acompanhamento que nunca tiveram e temos um árbitro que nos ajuda a ser mais disciplinados”, assumiu o lobo amador que tal como os outros treina como profissional. 

Por cima destes pormenores de melhoria das performances e de aprendizagem das Leis do Jogo (haverá 5 novas regras), acrescenta outro de não menos importância. “A nutrição”, a cargo da “nutricionista Mónica”, uma “peça fundamental”. São essas “pequenas alterações que nos fazem evoluir e trazem melhorias para competir com as melhores equipas”, sustenta.

Partilhou quarto com Martim Bello (2.º linha do Cascais). Engenheiro numa empresa de instalação de piscinas, não está a trabalhar, nem vai fazê-lo tão pouco enquanto continuar ao serviço da seleção nacional. 

“Tem sido uma experiência nova”, explica. “Foi feita uma requisição do Estado” informa Granate, 32 vezes internacional por Portugal. Esta é a forma encontrada para possibilitar a todos os que não fazem do râguebi vida profissional possam seguir caminho até ao Mundial. “Temos de agradecer às empresas que nos deixam vir representar a seleção. Na minha empresa, o Miguel Maurício Bento foi ex-jogador e foi fácil convencer”, revela.  

A conversa com o SAPO 24, decorreu no dia seguinte aos lobos terem aproveitado um dia de folga para, em conjunto, irem à praia. “Comemos um peixinho (a Mónica deixou) e um gelado (já não deve ter gostado tanto). Fomos todos juntos”, anunciou. “É um desporto em que é importante a parte social e estar juntos fora e dentro de campo”, frisou. “Não houve choque na praia de ver os jogadores mais pesados a jogar vólei e fazer coisas que não fazemos”, deixou cair uma gargalhada. 

“Fizemos alguns programas. É normal em grupos de quase 40 jogadores, nós íamos a casa e os franceses ficavam juntos”, revelou referindo-se à primeira reunião social dos lobos luso-franceses. “Isto é um processo que tem quatro anos, sempre nos demos uns com os outros. O único que entrou foi o Joriz e já se entrosou no grupo. Eles já falam português e nós francês”, confessou. 

O tic-tac acelera à medida que se aproxima o momento de escutar o hino nacional, a 8 de setembro. 

Granate sabe que a seleção portuguesa chamará a si uma dose não habitual de mediatismo. Por ser a única nação representada por (alguns) jogadores amadores e por o Mundial se realizar em França, país onde a diáspora portuguesa criará uma enorme mancha de apoio. “É novo no nosso râguebi. Vai ser uma adaptação”, reconhece. 

A novidade que não causa medos. “Só ajuda a trazer ao de cima a nossa história e nosso râguebi, apresentá-lo ao resto do mundo e fazer com que o râguebi em Portugal cresça”, finalizou. Tal como em 2007. Em França.