Guebuza vai prestar declarações depois de ter sido autorizado pelo Conselho de Estado, que atendeu a um pedido do Tribunal Supremo (TS), conforme manda a lei, quando se trata de ouvir um antigo Presidente da República.

Quando se sentar na tenda que o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo improvisou na cadeia de máxima segurança da BO para ter espaço para realizar o mega-julgamento das dívidas ocultas, o antigo chefe de Estado (2005-2015) será o protagonista da audição mais esperada pelo país relacionada com este caso.

O Ministério Público arrolou Armando Guebuza como declarante porque na qualidade de Presidente da República era também chefe do Governo que emitiu garantias que permitiram à Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), à Proíndicus e à Mozambique Asset Management (MAM) endividarem-se em 2,7 mil milhões de dólares (2,3 milhões de euros) junto de bancos estrangeiros.

O ex-chefe de Estado moçambicano já tinha sido interrogado por um vice-procurador-geral da República, na fase de instrução do processo, e por uma comissão parlamentar de inquérito da Assembleia da República (AR), em 2016.

Apesar de os resultados da comissão parlamentar de inquérito não terem sido divulgados nem debatidos em plenária da AR, parte dos depoimentos de Armando Guebuza foram publicados por alguns órgãos de comunicação social com base em informações passadas por deputados que falaram sob anonimato.

Entre essas declarações, foi muito comentada na opinião pública a afirmação de Guebuza aos deputados de que faria "tudo de novo" em torno do processo que levou às dívidas ocultas, se se repetissem as circunstâncias que ditaram a necessidade dos empréstimos.

O antigo chefe de Estado disse à comissão parlamentar que o país estava em guerra, que opunha as forças governamentais e a guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, devido à crise política e militar provocada pelas eleições gerais de 2009, o que exigia que o Estado se equipasse para impedir o alastramento dos confrontos.

Por outro lado, a descoberta de enormes reservas de gás natural na província de Cabo Delgado, norte do país, podia atrair movimentos insurgentes que podiam colocar em causa a soberania do país, cenário que também impunha o apetrechamento das Forças de Defesa e Segurança (FDS), terá dito Armando Guebuza, de acordo com a comunicação social moçambicana.

É nesse contexto que tem sido enquadrada a guerra atual na província de Cabo Delgado, protagonizada por grupos armados classificados como terroristas.

O antigo diretor da Inteligência Económica dos Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) António Carlos do Rosário, arguido no processo, afirmou em tribunal que as empresas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas tinham uma componente militar, além da dimensão comercial da sua atividade.

Rosário declarou que uma parcela dos recursos mobilizados junto dos bancos comprou equipamento de defesa.

Armando Guebuza vai depor depois de o seu filho mais velho, Armando Ndambi Guebuza, ter sido interrogado como arguido no processo.

Ndambi Guebuza disse ao tribunal que o sucessor do pai, Filipe Nyusi, também devia ser ouvido pela justiça, porque era ministro da Defesa Nacional e coordenador do comando operativo das FDS que aprovou o Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP) da zona económica exclusiva.

A acusação considera que o SIMP foi o pretexto encontrado pelos autores das dívidas ocultas para a mobilização do equivalente a 2,3 mil milhões de euros que financiaram um gigantesco esquema de corrupção.

António do Rosário e Gregório Leão, antigo diretor do SISE e co-arguido, também apontaram Filipe Nyusi como tendo tido uma participação ativa na aprovação do SIMP e na indicação dos bancos que desembolsaram o financiamento.

Perante essas afirmações, o juiz Efigénio Baptista disse que a investigação ao caso não encontrou indícios de prática de crime por Filipe Nyusi e Armando Guebuza, avançando que foram rastreadas as contas do antigo chefe de Estado e da sua família.

Baptista assinalou que foram encontradas evidências de que apenas Armando Ndambi Guebuza recebeu 33 milhões de dólares (29 milhões de euros) do Privinvest, o grupo de estaleiros navais acusado de ter feito o pagamento de subornos alimentados com o dinheiro das dívidas ocultas.

Armando Guebuza será o primeiro antigo chefe de Estado a ser ouvido em tribunal em Moçambique e nas redes sociais já se diz que o país vai parar para o ver em direto pela televisão, durante a transmissão do seu interrogatório como declarante.

Guebuza será o último declarante a ser ouvido no julgamento, seguindo-se depois a marcação das datas das alegações finais e da leitura da sentença.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM para projetos de pesca de atum e proteção marítima.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado por Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

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