Javier Milei, 53 anos, discursa como se fosse um pregador arrebatado, cultiva a imagem de Mick Jagger, aparece como criatura instável e segue a cartilha de Donald Trump. É o anarco-radical de direita que ao receber 14 milhões e meio de votos (55,7%) está eleito presidente da Argentina.

O momento na Argentina é grave: o país precisa de cuidados intensivos para evitar voltar a cair numa crise monetária de grande calibre com, em fundo, as aflições da economia que está com a inflação nos 142%.

Os comentadores na Argentina notam que o agora eleito Milei soube entusiasmar os mais novos, talvez por ser o grupo mais tomado pela fúria da desesperança cada vez mais funda.

A mensagem de Milei que atrai os jovens está associada ao fascínio pela destruição. Ele fez campanha a empunhar uma motoserra que representa a intenção de dar cabo de tudo o que está instalado no Estado argentino.

Ele propõe-se prescindir do Estado. Diz que vai fechar o banco central e acabar com ministérios como o da Educação e o da Saúde, os que envolvem mais gente no desempenho de funções do Estado.

O discurso de anarquismo radical de Milei anuncia que quer pôr a zero o contador dos impostos. Fica assim evidente a intenção de pôr fim à redistribuição de recursos e de renúncia ao esforço do Estado na procura de igualdade de oportunidades.

O retrato da realidade argentina é estremecedor: a taxa de pobreza é tremenda, o endividamento também, as reservas monetárias estão exauridas. Este rosário de desesperos faz estancar a economia que perdeu o acesso aos mercados internacionais.

É óbvio que nenhum plano é capaz do milagre de curar em tempo breve todos estes males. Milei quer dolarizar a economia,  efetuar um plano radical de privatizações e cortar até ao osso toda a despesa pública. Milei estudou economia, mas não tem história como economista. Vários mestres em política económica estão a alertar que as vagas propostas de Milei apontam para uma Argentina mais desigual com os pobres cada vez mais excluídos.

Mas é grande a convicção de que Milei vai, como presidente, deixar cair muitas das intenções radicais anunciadas na campanha.

Uma escolha parece imparável: todo o poder ao mercado. Ele já se declarou favorável até mesmo ao mercado de órgãos. Porque é mercado.

É contrário ao aborto, num país que protagonizou uma histórica batalha para o legalizar.

Milei entra em funções em 10 de dezembro e tem tempo curtíssimo para apresentar resultados. É provável que a realidade o obrigue a voltar à motoserra, agora para cortar muitas das promessas da campanha.

A Argentina entra em tempos desconhecidos.