O que os salva da total alienação é que, provavelmente, têm filhos, sobrinhos, afilhados ou filhos de amigos que são adolescentes. Eu sou salva diariamente pelos meus adolescentes. É por causa deles que sei coisas como, por exemplo, quem é Candace Payne. Mesmo que tenha demonstrado um desinteresse olímpico pelo tema e até alguma irritação pela sonoridade prolongada que lhe está associada. Claro que tudo isto durou apenas meia dúzia de horas até perceber que aquilo que me tinha sido mostrado através de uma rede social qualquer, era agora tema de notícias. E ainda muito antes de saber que Candace Payne se tornaria uma celebridade instantânea e que por causa de um vídeo de quatro minutos visto por quase 150 milhões de pessoas estaria no The Late Late Show de James Corden e seria apresentada a J.J Abrams e Mark Zuckerberg.

Para outros distraídos que ainda não sabem quem é Candace Payne, a história conta-se em poucas linhas. Candice é uma americana de 37 anos que decidiu comprar uma máscara do Chewbacca, o companheiro de Han Solo na Guerra das Estrelas, e experimentá-la no carro. Transmitiu essa "pequena alegria da vida", como lhe chamou, para a sua rede de Facebook através do botão de "live" e as suas gargalhadas contagiaram pessoas em todo o mundo. O video tornou-se o live mais visto de sempre e Candice entrou nos trending topics da semana.

Há nesta nova ordem do mundo uma democratização que a torna, de alguma forma, justa mesmo que parva. Muitos dos conteúdos "virais" são só parvos. Mas são vistos e partilhados por milhões de pessoas que os escolheram, recomendaram e elevaram à categoria de trending topic. Goste-se ou não, isto é democrático. Goste-se ou não, isto fura com o status quo dos suspeitos do costume, aquela meia dúzia que está sempre citada nas notícias, porque desde os tempos imemoriais prevalece entre (alguns) jornalistas o sentido de missão de, dia após dia, relatar que essas pessoas disseram coisas. É o chamado jornalismo do "disse que" em detrimento do jornalismo do "fez o quê".

Mas o video de Candice não é uma notícia. É outra coisa qualquer e conseguiu muito mais atenção do que as notícias, em média, conseguem. E essa alocação do nosso tempo disponível é que é um fenómeno que merece a nossa atenção. Numa conferência a que assisti recentemente, a Interact 2016, um dos oradores referiu que o tempo de atenção médio que hoje dedicamos a qualquer coisa que mexa online passou de 12 para 8 segundos. Estamos passos largos a caminho de sermos o peixinho vermelho no aquário redondo.

E, na selecção que fazemos, conta cada vez mais o poder da recomendação. As recomendações são uma indústria. Desenvolvem-se algoritmos nas mais diversas esferas para gerar recomendações, sugestões, listar mais populares, etc. Da precursora Amazon ao mais-querido do momento Netflix, este é um dos segredos do sucesso.

E, claro, há o Facebook. Essa rede de 1.6 mil milhões de utilizadores que se está a tornar, dia após dia, o editor de notícias favorito. Só que, na realidade, o Facebook não edita, tal como não escreve ou não produz conteúdo no sentido efectivo do tema. O Facebook escolhe, mediante critérios ou parâmetros que os seus engenheiros definem tendo como principal matéria-prima dados dos seus utilizadores, o que lêem, o que partilham, o que publicam. Esta é a parte benigna do processo – tão democrática, vista desta forma, como a possibilidade de Candice Payne se tornar uma celebridade do dia para a noite por causa de um vídeo com uma máscara do Chewbacca.

A parte mais obscura é aquela sobre a qual apenas podemos especular, porque certezas absolutas ninguém tem. O site Gizmodo trouxe essa discussão para a primeira linha de debate ao publicar acusações segundo as quais o Facebook omitia artigos com pontos de vista conservadores na sua seleção de histórias mais populares. Mark Zuckerberg percebeu que o assunto era sério e não perdeu tempo. Anunciou uma investigação interna, reuniu com os políticos da ala conservadora nos Estados Unidos e dias depois veio dizer que, mesmo sem qualquer sinal de enviesamento na selecção das notícias, o Facebook iria fazer mudanças para garantir a objectividade política.

Tudo isto mostra que o tema é sensível, sobretudo em ano de eleições nos Estados Unidos, sobretudo porque mexe com pessoas com poder de fogo. Mas, na realidade, todos os dias milhões de pessoas deixam-se editar pelas suas redes. Cada vez mais, vemos aquilo que os nossos amigos ou conhecidos nos mostram que estão a ver. Ou, sendo mais precisa, aquilo que as pessoas que gerem redes sociais dizem às máquinas para nos mostrar a partir do que os nossos amigos e conhecidos vêem.

Com uma particularidade deliciosa. Quando alguma coisa corre mal pode sempre dizer-se que a culpa é da máquina. Que é preciso ajustar o algoritmo. Esta é a desculpa que faz as delícias dos supremos manipuladores. Poder condicionar a opinião sem assumir qualquer responsabilidade na escolha, sem jornalistas a questionar orientações, sem editores a validarem informação. As acusações veiculadas no Gizmodo tiveram como fonte ex-colaboradores do Facebook, nomeadamente jornalistas ou "news curators", que é uma forma moderna e, aparentemente, um termo de maior empregabilidade para designar editores.

Claro que os problemas tinham de vir daí. Os problemas vêm sempre das pessoas e, sobretudo, pessoas que trabalham com matéria tão sensível quanto a informação. Mas, mesmo que a maior parte da nação Facebook não se aperceba, o que a rede social se quer tornar é num gigantesco portal de notícias e de e-commerce. O maior, o mais influente, à escala global. E para servir notícias não basta apenas mastigar os dados da rede de cada um de nós. É preciso ter pessoas a seleccionar informação, a hierarquizar temas, a avaliar credibilidade de fontes. Deixem lá ver… a fazer jornalismo, mesmo que em modo menos convencional. Porque a alternativa é ter uma lista de "notícias" com muitos Chewbaccas e, infelizmente, para todos os que produzem informação, o Chewbacca até é um rei na selva de parvoíce que os indicadores de mais populares mostram em muitos sites.

As máquinas estão a ser ensinadas e estão a ficar melhores a cada dia.

As máquinas, tal como o Chewbacca, não têm culpa.

Só precisamos de não nos esquecer que, por trás das máquinas, estão homens e esperar que haja por aí uns quantos Han Solos quando os impérios contra-atacam.

Tenham um bom fim de semana

Outras sugestões de leitura

Já que estamos em modo redes sociais, fica aqui uma sugestão de leitura sobre o direito à privacidade assinado pelo Pedro Fonseca.

O Márcio Candoso escreveu esta semana sobre touros e óperas e o local onde ambos convergem. Se estão a pensar que nada os liga, leiam a história e vão perceber que não é bem assim.

E para rematar, uma daquelas histórias que nos faz sorrir e que já deve ser um trending topic. Sobre uns óculos esquecidos que se transformaram, também eles, numa celebridade. Ou, neste caso, numa obra de arte.