Ambos têm em fundo a ideia de supremacia dos EUA, mas os valores são radicalmente diferentes: com Obama, é o ideal de um país aberto, de direitos civis, multicultural e liberal; com Trump, é o levantamento de fronteiras, como barreira contra os que são de fora e contra os acordos internacionais. Obama puxou pelo país mestiço, feito por migrantes; Trump puxa pelo velho homem branco que com este presidente recupera algum do poder que lhe escapava.

Há um ano, no dia seguinte ao juramento presidencial de Trump, um milhão de manifestantes juntou-se em Washington para defender direitos conquistados e que o novo presidente ameaçava. Foi um movimento mobilizado por mulheres, daí ter ficado conhecido por Women’s March. Foi o começo de um ano em que as mulheres tomaram a palavra e a ação - #MeToo - contra a violência liderada por homens. Agora, um ano depois, a Women’s March descentralizou-se, saiu à rua em Nova Iorque, em Detroit, em Los Angeles, em Miami, também em Washington e em tantas outras cidades. Desta vez, as manifestações tiveram uma nova sigla: March On. O objetivo é o de avanço de mulheres sobre os lugares políticos: dar prioridade a candidaturas de mulheres bem preparadas para conquistar lugares nas eleições “Midterm”, em novembro próximo.

Está em causa a tangencial maioria republicana no Senado. A oposição democrática nunca nos últimos anos terá estado tão perto de conseguir a reviravolta.  Beneficia da mobilização que não aconteceu com a campanha de Hillary Clinton, em que tantos antes eleitores de Obama viraram costas porque o presidente tinha deixado muitas aspirações por realizar. Agora, a oposição a Trump volta a puxar por toda essa gente.

Mas Trump e os republicanos têm trunfos: a economia está com energia e o emprego está a crescer, sobretudo para os brancos.

A March On também já está a pensar nas presidenciais de 2020. Elizabeth Warren e Kamala Harris são duas opções fortes para candidatura democrática. Em especial, a californiana Kamala, filha de imigrantes da Índia e da Jamaica, impulsionada por Obama, que diz dela ser “brilhante e perseverante”. Também há Oprah Winfrey – a noite dos Golden Globes mostrou como ela pode ser inspiradora para muitos, mas também há a resistência dos que recusam que a televisão seja o trampolim para a política, já basta o que se vê com Trump.

A oposição a Trump levanta-se, mas há muitos eleitores satisfeitos com o modo como o presidente está a gerir o país como se fosse uma empresa. É um “deal” que beneficia muitos dos que votam.

Nestes dias, o “shutdown”, literalmente, o fecho do Estado, porque a torneira dos fundos necessários para financiar as atividades correntes da administração pública ficou a seco por falta de orçamentação, tenderia a deixar o presidente-empresário em maus lençóis. Mas Trump está a usar uma argumentação que encrava a oposição democrata. O impasse decorre da recusa de Trump a proteger os “Dreamers”, imigrantes “sonhadores” que chegaram aos EUA ainda em idade infantil, mas que nunca tiveram acesso a autorização de residência. Obama livrou-os da ameaça de deportação e criou processos de legalização. Trump travou tudo. A oposição democrata, para forçar a negociação, recusou dar a maioria qualificada para a aprovação do orçamento. Trump contra-atacou: “Os democratas dão precedência aos imigrantes ilegais sobre a segurança das nossas fronteiras”. Assim, o que parecia ser um embaraço para Trump é por este eficazmente virado contra a oposição.

Já passou o primeiro ano de Trump. Talvez ainda seja preciso esperar mais sete para a mudança de ciclo.
Entretanto, os EUA, independentemente de quem está na Casa Branca, continuarão a ser um laboratório da inovação no mundo. Quase sempre, para o melhor, nem sempre.

VALE SEGUIR NESTA SEMANA:

Celebridades da política, da finança, dos negócios, das artes, das ciências e de outros mundos juntam-se por toda a semana no topo da montanha suiça onde Thomas Mann situou A Montanha Mágica. É o Fórum de Davos, encontro da elite das elites do planeta. Colocaram na agenda a discussão da criação "de um futuro mais partilhado neste mundo fraturado". Falam de "economia mais centrada na pessoa humana". Fica para se ver. Obviamente, neste ano, não poderia deixar de estar a questão da brecha no  género.

Esta quarta-feira, 24 de janeiro, é um dia decisivo para o futuro político do Brasil. Três juízes tribunal de segunda instância de Porto Alegre vão decidir se Lula, líder em todas as sondagens, perde o direito a candidatar-se às presidenciais deste ano no Brasil. Sem "ficha limpa", o preferido do povo não pode candidatar-se. Em causa está o recurso da condenação a nove anos e meio de prisão, alegadamente por ter sido corrompido com um apartamento na praia de Santos. A condenação assentou na controversa delação premiada. É pouco provável que os juízes de Porto Alegre limpem a ficha de Lula. O Brasil está dividido entre os que querem Lula na prisão e os que querem Lula de volta à presidência. O choque tende a transitar para a rua. A campanha presidencial brasileira vai dar que falar.

A crise catalã está à beira de entrar em novo pico de agravamento? Não haverá gente sensata?

The Paper chega esta semana a ecrãs portugueses. É o filme em que Spielberg recupera o cinema político. Há uma frase repetida neste filme: "A maneira de defender o direito a publicar é publicar". Se a frase está repetida no guião deve ser por ser importante.