Pouca gente gosta de futebol. Pelo menos, o desporto em si tem pouco tempo de antena e tornou-se apenas um pormenor num clima de ódio. Um ódio que não é um dano colateral, não é um acidente, não é uma fatalidade. É cultivado premeditadamente por regimes totalitaristas que propalam um discurso de partido único que visa dinamitar as relações humanas entre pessoas que por acaso acontece apoiarem clubes diferentes. Hoje em dia, por culpa desta intelligentsia de ignorantes, estes profissionais da propaganda que fazem Goebbels sentir-se um underachiever, um árbitro está mais seguro a apitar um jogo em casa do Al-Itthiad Aleppo do que na distrital de Viseu.

Os responsáveis não são apenas as estruturas, quem regula o futebol deve estar num coma induzido pós-Éder que tolda a capacidade de agir. Adicionalmente, os media são uma espécie de condutor alcoolizado deste autocarro infernal no qual muitos discutem e se agridem, mas onde também seguem inocentes. Desengane-se quem vaticinou “é preciso que alguém morra para que isto pare”, pois, surpresa!, isso já aconteceu e a solução encontrada para remediar a tensão foi a densificação das provocações. Talvez só soará o alarme quando morrer uma criança portuguesa, loirinha de olhos azuis, que frequente um colégio privado e que seja primogénita de uma família com guita a sério.

O adepto bem-intencionado foi há muito expulso dos estádios. O desporto futebol deixou de ser pedagógico: um pai que leve um filho pequeno a um jogo de alto risco está a ser mais irresponsável do que se o ensinasse a nadar no triângulo das Bermudas, uma família portuguesa está mais segura a ver as montras em Caracas do que ir a um Sporting-Benfica. Mas a culpa não é mais dos intervenientes do que da mentalidade dos adeptos. Durante muito tempo, levámos os dogmas de cada clube meio na brincadeira, mas a verdade é que com o clima de hoje tais asserções incendiárias não são a brincar. “Os lagartos deviam morrer”; “Os lampiões são a escória da sociedade”. Acreditem, as pessoas têm mesmo estes conceitos de eugenia na cabeça, como se apoiar um clube fosse genético. As claques ganharam. Compará-las ao jihadismo é abusivo? Faço a comparação na mesma. É que muitos são jovens adultos em crise identitária, praticantes do pequeno crime, que são seduzidos por um discurso radical que oferece resposta para as suas frustrações.

Aguardemos então o funeral do futebol português. Tenho a certeza de que, nos seus discursos de homenagem, os instigadores vão dizer que já tinham previsto isto há muito tempo.

Recomendações

Boicotar os programas desportivos de propaganda de vez.

Os novos especiais de stand-up do Dave Chapelle no Netflix.

Beber um copo por abril.

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