Se o povo se alimentasse de narrativas éramos o país mais obeso do mundo. E se as narrativas significassem prosperidade seríamos o farol das civilizações.

Tudo, hoje, está reduzido a narrativas. Não há confronto de propostas políticas. Há uma guerra de narrativas. Não há governação nem alternativas. Há argumentários que têm como único objectivo sacudir a água do respectivo capote.

A indigência reinante tem um problema: as narrativas colocam-nos sempre a discutir o passado e não se vê ninguém preocupado com o futuro e com os caminhos que possam resgatar-nos da enrascada permanente em que nos vamos acostumando a viver.

O mais largo que os agentes políticos conseguem ver são três meses: como vai ser o Orçamento para 2017? Vai ter mais austeridade? Como vai ser apresentado a Bruxelas? Antes ou ao mesmo tempo que entra no Parlamento? E como se convence, de uma assentada, Wolfgang Schauble, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa?

Certo, certo é que, aconteça o que acontecer, por alturas do Natal teremos em cena duas narrativas alternativas sobre o que entretanto se passar.

Desde o famosíssimo PEC IV que as narrativas tomaram o centro do palco político. A culpa foi tua. Não, foi tua. A esquerda atirou-nos para o "buraco". A direita está a escavar o "buraco". Uns porque chamaram a troika depois de levarem o país à bancarota. Outros porque foram além da troika.

Não há paciência. Banif, Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos, sanções de Bruxelas, crescimento económico, desemprego, investimento, exportações, consumo privado, execução orçamental, défice público, dívida, credibilidade externa, emigração, tudo, mas rigorosamente tudo, está reduzido a longas disputas sobre culpados e graus de culpa.

Claro que toda a esta discussão é estéril de qualquer proveito para o país. Primeiro porque o rigor dos factos é, por regra, a primeira vítima neste tipo de algazarras. Depois porque a honestidade intelectual de alguns dos principais protagonistas partiu há muito para parte incerta, se é que alguma vez ali habitou.

E ainda que isto fosse conduzido com o mínimo de elevação, teria apenas o valor de uma autópsia: com o mal irremediavelmente consumado, resta apurar causas. Só para que conste.

Este ambiente podre tomou conta da prática política porque as coisas estão a correr mal. Correm mal ao governo, herdeiro legítimo da delinquência orçamental socialista. E tudo servirá para justificá-lo. Será culpa da herança, do estado da banca, do Brexit, de Bruxelas, da economia internacional, dos mercados, das agências de rating ou dos empresários que estão contra esta solução política. Será culpa de tudo menos da acção e das opções do próprio governo, claro está.

Este é mais um projecto de comunicação do que de governação, à procura de criar na generalidade da população uma sensação de melhoria enquanto se esperam eleições.

Do lado da oposição a prática não é melhor. Tudo também preso a narrativas, uma tentativa de ditar posições apenas para que fiquem registadas em acta. Mas não se vê ali a construção de qualquer alternativa estruturada que vá além do "a culpa é do governo".

Nenhum país sobrevive se apenas puder optar entre velhas ilusões e novas privações. Mas é com isso que governo e oposição de direita estão a confrontar o país.

Isto está a correr mal ao governo mas também à oposição. Mas sobretudo corre mal ao país, que não vê como vamos sair daqui. E não há guionistas que consigam fazer disto uma boa narrativa porque neste campeonato não há vitórias morais.

Outras leituras

Orban e Trump, ambos muito bem acompanhados um pelo outro. Nada de bom se pode esperar quando o populismo e o radicalismo assumem os comandos.

Tudo indica que vem aí multa para Portugal, embora relativamente leve. O Governo já anunciou que vai processar a Comissão Europeia. Chegará para mostrar serviço aos parceiros que apoiam o Governo ou o Bloco cumpre a ameaça e propõe formalmente um referendo sobre a Europa?

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