Por: Francisco Sena Santos

Mas porque Hillary tem a debilidade de representar, em tempo de vontades de mudança, a expressão da continuidade dos lóbis do "establishment", ainda não se pode excluir a hipótese de o presidente vir a ser Donald Trump, o xenófobo turbilhão populista que cavalga sobre os instintos dos eleitores e que explora a crise dos partidos políticos americanos. A alternativa Bernie Sanders é muito remota, as suas possibilidades eleitorais são ínfimas ou nulas, embora a sua influência sobre a política dos EUA vá permanecer como fermento para mudanças. Seja como for, vamos ter saudades da presidência Obama.

Antes de Obama, os EUA eram um país que gerava hostilidade em meio mundo pelo modo autoritário e guerreiro como impunha a todos o seu poderio. A eleição de Obama, no final de 2007, desencadeou uma onda de euforia e instalou uma atmosfera de desanuviamento geral, portanto de esperança. O mundo mudou a perceção que tinha dos EUA. O Nobel da Paz até terá sido atribuído antes de desempenhos que o justificassem, mas traduziu o clima novo trazido pela eleição na América de um presidente negro com um consistente programa de mudança – infelizmente, apesar do simbolismo da eleição, não há progresso substancial em direcção à igualdade racial.

Mas, decorridos sete anos de presidência Obama, a última página da Guerra Fria está fechada com os acordos que puseram fim a meio século de hostilidade com Cuba. O acordo nuclear com o Irão mostra como vale negociar com os inimigos de ontem para conseguir compromissos para amanhã. A promessa de retirar os soldados do Iraque e do Afeganistão está cumprida. Obama foi propulsor da drástica redução de emissões de CO2 causadoras das alterações climáticas: as energias renováveis triplicaram.
Obama herdou um país com economia dramaticamente derrotada, mas que agora voltou a ligar os motores, embora a avançar ainda devagarinho. Com a energia mais barata, a maioria dos americanos vive melhor. A criação de emprego é pujante, com mais um milhão de postos de trabalho, e o desemprego está nos 4,9% e em queda consistente. A indústria automóvel ressuscitou, convertida aos novos tempos. Uma conquista extraordinária: 20 milhões de adultos que não tinham acesso a quaisquer cuidados de saúde passaram a estar protegidos com o Obamacare. Foi instalada uma perspectiva mais humana para com os imigrantes ilegais. Muita da mudança ambicionada por Obama esbarra na tenaz oposição do congresso com entrincheirada maioria republicana.

Ao mesmo tempo, a presidência Obama soma vários fracassos. As matanças em território americano sucedem-se. Vimos as lágrimas de revolta do presidente, mas ele não conseguiu impor a limitação às armas de fogo que todos têm. Obama prometeu defender intransigentemente as liberdades civis mas Edward Snowden é perseguido pelas revelações inconvenientes para o aparelho de poder na América. Obama também ainda não conseguiu fechar o campo prisional de Guantanamo. As acusações de tortura praticada por agentes dos serviços secretos americanos ficaram sem consequência. A maioria dos responsáveis pelo crash financeiro de 2007/08 escapa a sérios ajustes de contas. Obama, com o discurso no Cairo, impulsionou as "primaveras árabes", mas o Egito é um desastre. A Síria é uma catástrofe que agrava a tragédia dos refugiados. Obama apostou numa evolução digna, finalmente, para a questão palestiniana, mas não conseguiu. A ameaça terrorista está fora de controlo.

São muitas decepções, até porque as expectativas eram tantas, mas essa frustração não impede que Obama seja o presidente que tirou os EUA da grande depressão e que reconciliou meio mundo com a América. Foi eleito com o lema "Yes, he can", talvez fique como "Yes, he tried". Ele quis, tentou e o que conseguiu é bastante para deixar boa memória. Abriu caminhos, catapultou para o progresso. Mas a aspiração era a de que fosse muito mais.

Fica-se de pé atrás ante o que vem a seguir às eleições de novembro: Hillary ou Donald? A batalha preliminar (as primárias) tem hoje capital em Nova Iorque, com o voto de 5,8 milhões de eleitores democratas e 2,7 milhões de republicanos. Hillary Clinton e Donald Trump têm a promessa de vitórias que os deixem mais perto da nomeação para a final de novembro. Mas Sanders não vai deixar de pressionar Hillary, e Trump ainda vai ter batalhas com epílogo incerto.

Uma perspetiva curiosa: como o turbilhão de Trump pode vir a custar aos republicanos a perda do controlo do Congresso.

TAMBÉM A TER EM CONTA:

Os Pulitzer de 2016 premeiam os fotojornalistas do NYT e da Reuters que mostram o drama dos refugiados na Europa.

"Nos desenhos daquelas crianças (refugiadas) até o sol chora". O Papa, com a visita ao campo de refugiados em Lesbos, um "cárcere a céu aberto", deu um safanão aos dirigentes políticos egoístas que blindam as fronteiras. O Papa, com coragem, denunciou ao mundo como tantas crianças que fugiram da guerra estão ali, detidas em contentores dentro de cancelas e arames farpados, sem escola e sem possibilidade de brincar. Tal como mulheres grávidas e tantos anciãos. É uma indecência europeia. Causa fúria e vergonha. Ainda bem que há gestos como os deste Papa.

Viver por dentro a vida no Irão em tempos de abertura.
O Arco do Triunfo, de Palmira, recriado em Trafalgar Square.
30 novos museus de audazes arquitetos.
Duas primeiras páginas escolhidas hoje no SAPO JORNAIS: esta e esta. Parece decidido que Dilma vai cair. O processo foi conduzido no parlamento por Eduardo Cunha, um acusador sob forte suspeita. O Brasil está longe de dar certo.