O ainda presidente do futebol espanhol continua a mostrar que não tem consciência da responsabilidade social exigida pelo cargo que ocupa.

Luís Rubiales, 46 anos, não se limitou a roubar um beijo na boca de Jennifer Hermoso, a futebolista com 33 anos que, feliz, ainda no relvado de Sydney festejava o título de campeã do mundo que acabava de conquistar com a seleção espanhola, diante da inglesa. Antes de se ter aproveitado da euforia das novas campeãs, esta criatura do machismo sem complexos, ainda na tribuna presidencial do estádio da final em Sydney, ao lado da rainha Letizia, da princesa Sofia, e do presidente da FIFA, Gianni Infantino, depois de levantar os braços em gesto eufórico, baixou as duas mãos para, sobre o tecido das calças agarrar os genitais. As imagens mostram que o patrão do sistema do futebol espanhol soltou então algumas palavras que, pela leitura labial, se percebe incluírem cojones. Ele estava junto à rainha de Espanha, mas voltou-se para o outro lado onde só vemos homens. Não se vê que alguém acompanhe, replique ou aprove o gesto.

Também está relatado que Rubiales, no voo de regresso de Sydney a Madrid, tentou coagir as novas campeãs do mundo para que o livrassem de culpas pel beijo roubado e pelos apertões.

Passou uma semana de frenética discussão, com muita indignação, sobre esta grosseria do chefe do sistema federativo do futebol espanhol. Rubiales chegou a pedir desculpa, mas logo passou ao ataque de quem o critica.

Agora, Rubiales está a montar uma tentativa de defesa com o argumento de que o beijo na boca foi “consentido”. Esquece que o consentimento não é decidido pelo agressor, mas inclui a mulher vítima, que desmente esse consentimento.

Todas as companheiras no grupo de 23 futebolistas espanholas campeãs do mundo de futebol feminino estão a declarar total apoio a Jennifer Hermoso, a futebolista a quem foi roubado o beijo, e mais: elas e várias dezenas de futebolistas já anunciaram que renunciam à seleção de Espanha enquanto Rubiales se mantiver no cargo.

A biografia deste Rubiales mostra-o com passado de futebolista modesto (53 presenças em jogos de La Liga entre 2004 e 2008) num clube de sobe e desce, o Levante, instalado há 113 anos em Valência. Há dados paradoxais face aos comportamentos de agora: Rubiales, filho de um autarca socialista de Motril que tinha sido organizador de greves pelos direitos civis no tempo franquista, Luís Rubiales foi incitado pelos pais a estudar Direito. Formou-se e tornou-se ativista no sindicato dos futebolistas onde liderou um movimento pelos direitos dos futebolistas e de protesto contra os clubes com salários em atraso. Foi eleito presidente do sindicato dos futebolistas e chegou a vice-presidente da FIFPRO, o sindicato mundial. Rubiales foi projetado para a presidência da federação espanhola de futebol (RFEF), em 2017, na sequência da condenação e prisão do até então presidente, Angel Villar, por corrupção e apropriações indevidas.

Nestes sete anos como presidente da RFEF, Luís Rubiales apareceu várias vezes envolvido em suspeitas de histórias proibidas.

Agora, após a grosseria em volta das campeãs do mundo, quase todo o arco social, político e futebolístico de Espanha está a declará-lo totalmente incapaz para o cargo que tem exercido.

O delírio de omnipotência e o machismo cavernícola de Rubiales andou à solta durante estes dias. Tem uma manada de apoiantes – talvez alguns dos mesmos que protestaram contra a condenação do grupo conhecido como la manada [https://24.sapo.pt/opiniao/artigos/a-justica-espanhola-consegue-ser-justa], os quatro militares que em julho de 2016, nas festas de San Fermín, em Pamplona, violaram em grupo uma mulher com 18 anos.

Agora, ouve-se em Espanha um clamor que está a converter este Me Too espanhol no poderoso hashtag Se Acabó.