É de pessoas que falamos, de quem criou os problemas do mundo... Logo deve-se exigir que a quem obriga resolvê-los sejam pessoas. Mas os problemas parecem demasiado grandes e os homens parecem demasiado pequenos.

Além de todo o contributo positivo que individualmente devemos dar para melhorar o estado das coisas, o rumo será sempre determinado por quem detém o poder, poder esse, em democracia, delegado por todos.

Regularmente somos chamados a dar a nossa opinião em eleições. Esta é talvez das escolhas mais importantes porque numa democracia representativa, como a nossa, traduz-se em conceder o poder a quem será o transmissor daquilo que defendemos, delegando em alguém parte importante da nossa potência de agir, e isso deverá merecer a nossa total confiança.

Apesar de haver alguns instrumentos para uma desejável democracia participativa são pouco utilizados e, por conseguinte, a nossa democracia é apenas um plebiscito, em que nos limitamos a dizer sim ou não, aos nossos representantes e estes, muitas vezes, são eleitos por inclinações, impulsos, abstenção (a abstenção também vota) e redes sociais.

Outrora, havia o respaldo intelectual das ideologias, mesmo não estudando os programas de cada opção política, sabíamos as linhas mestras dos projetos de sociedade de cada partido. Menosprezadas as ideologias, elegemos indivíduos com ideias, (alguns... só idiotas) que apesar de enquadrados em determinadas famílias políticas, perante o primeiro vislumbre de poder, vacilam na teoria, prevalecendo o fito do cargo.

Mas quem são os poderosos emergentes?

Sem entrar em generalizações, sempre falíveis, não será errado afirmar que os novos poderosos, na Europa, e um pouco por todo o globo, são defensores de ideais enquadrados na direita radical ou extrema-direita.

Sendo, sem dúvida, eleitos democraticamente, é porque vão ao encontro daquilo que as pessoas querem e se apresentam com mais condições para cumprir as aspirações de cada um.

Mas o que desejamos afinal? O que nos falta? O que têm estas novas forças para conseguir tanta adesão?

Num exercício puramente imaginativo, exorbitando a pergunta para o sentido da condição humana, qual seria a resposta à pergunta: o que queremos?

Talvez a grande parte das pessoas respondesse candidamente: Ser feliz.

Os espíritos mais filosóficos, provavelmente, responderiam: A verdade.

Mas aquilo que realmente queremos, dispensando sonhos e desígnios improváveis, nesta época que se vive, recheada de crises, guerras, convulsões, não será segurança?

A quem se associa naturalmente, e no subconsciente, a ideia de segurança?

Palavras: lei, ordem, família, Deus, Pátria, respeito, são inevitavelmente associados a essas forças de extrema-direita.

São conceitos que, apesar da sua larguíssima abrangência e múltiplas definições, são bem aceites, soam bem, e quem as inclui regularmente na retórica eleitoral, sabe que resultam em votos e consequente poder.

Se se aliar a este discurso umas frases bem elaboradas e disruptivas de anticorrupção, contra as pessoas de tez escura, exacerbadas pelas migrações massivas, contra tudo o que ouse sair do típico, da normalidade tem-se a receita ideal para a adesão plena de quem quer, mais que tudo segurança. Mas do que se alimenta este espectro - que alastra - da falta de segurança?

Se pudéssemos graduar as ameaças e perigos que se nos apresentam, em primeiro lugar surgiriam, eventualmente, as alterações climáticas. Depois, provavelmente, a possibilidade de uma guerra nuclear.

Acontece que, curiosamente, estas novas forças radicais, além de revelarem pouca preocupação com as guerras, são negacionistas ou abstraídos das alterações climáticas e dos efeitos devastadores que estas poderão causar.

Como é normal, preocupam-se mais com o indivíduo que nos incomoda, desprezando o todo que nos mata.

Mas, voltemos à segurança: Quase tudo tem um preço.

Não se usufrui de segurança sem pagar, e esse preço, pode ser muito elevado: Está no livro dos axiomas “quanto mais segurança... menos liberdade”

Apenas nas utopias elas convivem absolutamente.

Seria interessante desenvolver este tema: até onde estamos dispostos a abdicar da liberdade em nome da segurança? Mas ainda não é tempo.

À medida que aumenta a perceção do perigo iminente, mais germina a necessidade do surgimento de messias políticos (já que os outros não resolveram nada). Quanto mais se impregnar a sensação de desastre, mais cresce a possibilidade e a tentação de aderir a medidas radicais e intolerantes. Anseia-se pelo aparecimento de alguém que consiga, ou diga que consegue, eliminar todos os males do mundo; que puna sem misericórdia todos os criminosos e prevaricadores; que restabeleça a ordem, a lei, assegure harmonia e a manutenção do modo de vida ocidental. Quem conseguir alcançar este estatuto, esta imagem, deixa de ser um político e passa a entidade supra-humana. Quem vota nestes homens, deixa de ser um apoiante e sim um subordinado; deixa de acreditar e passa a ser um crente... da adesão passa à alienação.

Nestes casos há uma linha que ultrapassada e de onde é difícil voltar, a linha do crivo ético. Quando se vota num político porque comungamos do mesmo pensamento, não o eximimos, não o podemos isentar da nossa exigência ética, pois se o fizermos, ser-lhe-á tudo permitido. Será exagero que isto possa acontecer?

Dispensando-se exemplos mais antigos, recordemos a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

O Capitólio, símbolo do poder do país mais poderoso do mundo, invadido violentamente na sequência do discurso de um homem. Mais do que a ação da massa inconsciente, transida por um ciclópico mimetismo de revolta e raiva, elevam-se, temíveis, as palavras do “messias” político, que no exercício do seu obsessivo poder, a espoletou.

Vivemos tempo de escolhas. Pensar precisa-se. Pensar bem.

O mundo nunca precisou tanto de escolhas acertadas porque se escolhermos muitas vezes mal, chegaremos a um ponto em que não teremos o poder de escolher.