Foram pródigas neste mês de outubro as caixas de comentários de vários e conceituados órgãos de comunicação social portugueses em que várias pessoas e perfis falsos ou anónimos afirmavam que os pais dos defensores da Amnistia Internacional deveriam ser agredidos. Um comentário – entre milhares da mesma índole – dizia “haviam de bater era nos pais deles a ver o que eles diziam”. Eles, eram as pessoas da Amnistia Internacional, os que afirmaram quando solicitados, o óbvio (que quase não é assunto) que a divulgação de fotografias de suspeitos em momento de detenção, agachados no chão e algemados eram humilhantes e indignas e de forma alguma fazem acontecer justiça ou reparam as suas vítimas caso venham a ser condenados.

Poderia optar por falar de muitos assuntos, pois há muitos ângulos nesta “história”, desde a quebra de segurança na fuga dos suspeitos, à falta de condições em Portugal para se ser um bom agente policial; às condições dignas para exercer esta profissão com segurança e garantia de bom nome – tantas vezes colocado em causa por alguns maus exemplos. Poderia falar da delinquência que afeta, sobretudo, quem mais é vítima da pobreza e exclusão social, porém, a minha angústia é maior quando penso na espiral de violência e no discurso de ódio que parecem, a cada dia, aumentar.

No Brasil, foi eleito Bolsonaro. Este defendeu a pena de morte e a tortura como política de mais segurança. Na onda do mais fácil e populista, a vontade primitiva e instintiva da justiça em praça pública e/ou pelas próprias mãos, como se essa vingança imediata trouxesse um maior apaziguamento e retribuição às vítimas de crime.

Quando Jo Cox, do partido trabalhista no Reino Unido foi assassinada a 16 de junho de 2016, poder-se-ia ter aprofundado ainda mais a divisão e o ódio. Porém, o seu marido agora viúvo, respondeu que “ao ódio, responderemos com amor”, tal como Jo Cox, mãe de duas filhas, defendia. Ele não falou do homem que a assassinou, falou do “ódio que a assassinou”. Uma lição que, para mim, decorridos dois anos, ecoa ainda nos dias de hoje.

No período da Inquisição o povo batia palmas, preparavam-se banquetes para o Rei, exaltava-se a penitência pública mesmo quando os criminosos eram mulheres adúlteras (até poderiam ser inocentes), bruxas, judeus, entre outros.

Parece que essa natureza permanece latente. A vontade de fazer justiça pelas próprias mãos, o desejar a morte do Outro, o promover da violência de forma contínua.

Na última semana de outubro, validadas por discursos de ódio em Portugal, houve agressões verbais a alguns trabalhadores da Amnistia Internacional – Portugal. Um destes episódios quase desembocou em agressão física.

Nas caixas de comentários e nas redes sociais, a memória individual e coletiva é curta. Muitos escreverão sem pensar ou então não conhecerão o trabalho da Amnistia Internacional antes de o julgar também, nem lerão os nossos relatórios – mesmo quando falamos de violência doméstica, mesmo quando falamos do impacto das medidas de austeridade em Portugal que persistem na sociedade ainda hoje, mesmo quando falamos do acesso à habitação, mesmo quando elogiamos o bom trabalho da esmagadora maioria dos agentes policiais (nas próprias notícias comentadas vinham citações de elogio ao trabalho da polícia no episódio a que se referiam) – mas acham-se no direito de dizer que defendemos apenas os criminosos e por isso estamos contra as vítimas, como se o silogismo fizesse sentido.

Faz tanto sentido como a vingança: nenhum.

As pessoas que são manipuladas têm todo o direito de dizer o que entendem, mas também têm o dever de saber que estão a mentir, ainda que conduzidos a isso por títulos mais fortes ou mentiras disfarçadas de notícias que querem mesmo e apenas promover o ódio e a violência gratuitas, a vingança disfarçada de justiça.

A defesa dos direitos humanos e da dignidade humana é defendê-la sempre para todas as pessoas. É defender uma justiça pelas mãos da justiça, que seja retributiva e reparadora para vítimas, e dignamente punitiva e reintegradora para culpados. A vingança não o faz.

Não será fácil de entender que se a Justiça for a de Hammurabi - de olho por olho - ficaremos todos cegos? Não aprendemos com a História, lembrando que o discurso que demoniza judeus, refugiados, cristãos, muçulmanos, negros, mulheres, pessoas lgbti+, pessoas de etnia cigana, pobres, pessoas portadoras de deficiência, ativistas, polícias, políticos, etc – levará mais tarde a desgraças e crimes contra a humanidade e violência extrema?

A importância de sermos defensores de direitos humanos e defensores da Amnistia Internacional é esta: falar bem alto sobre a injustiça e promover a defesa da democracia, sobretudo quando ela aparenta estar cada vez mais em perigo. E fazê-lo com coragem, mesmo que dêmos por nós, muitas vezes, a sermos vozes solitárias.

Defendo a liberdade de expressão e, mais do que tudo, defendendo a urgência de uma Educação para os Direitos Humanos no currículo das escolas e em outras esferas da sociedade para que, de uma vez, se perceba que defender a violência e o ódio não é compatível com defender direitos humanos, justiça, democracia.

Promover a violência – como a agressão aos familiares dos defensores ou defensoras de direitos humanos – não é aceitável e não condiz com os princípios da liberdade de expressão, na medida em que colide com a liberdade e o bem comum. Um incitamento ao crime, é eticamente tão perverso como o crime em si.

Aos que querem dividir para que o ódio vença, garanto que os milhares de ativistas e defensores do trabalho da Amnistia Internacional não vão permitir que aconteça.

Aos que estridentemente vociferam contra o trabalho dos defensores de direitos humanos, acreditem e surpreendam-se porque a nossa voz não será nunca a da vingança ou a da humilhação, mas sempre a da paz e não-violência, sempre a da resistência e da justiça, da solidariedade e do amor, a da liberdade e dos direitos humanos. Todos estes, para todas as pessoas. É essa visão que temos, é esse o mundo em que acreditamos!