O realizador suíço Claude Barras, autor de "A Minha Vida de Courgette", vai estar em Lisboa a convite do Monstra - Festival de Animação de Lisboa, que começa já nesta quinta-feira. O filme será exibido nos dias 22 e 23 de Março, no cinema São Jorge, e Claude Barras estará num dos encontros, que se prolongarão até dia 26 com a presença de mais três realizadores - Ted Sieger ("Molly a Monstrinha"), Ann Marie Fleming ("Window Horses"), e Jean-François Laguionie ("Louise à Beira-mar") -, antes de continuar para Tavira (6 a 27 de Abril), Portalegre (19 a 21 de Abril), Porto (23 a 25 de Maio) e Coimbra (30 de Maio a 1 de Junho).

Courgette não é um fruto. É a alcunha de um miúdo valente, que perdeu a mãe e que acredita que está sozinho no mundo. Até ir parar a um orfanato. Onde tudo devia ser mais fácil. Ou talvez não.

"A Minha Vida de Courgette" ganhou diversos prémios internacionais, entre os quais o de melhor filme de animação do Festival de Annecy (França) e da Academia Europeia de Cinema. Esteve nomeado para o Óscar de Melhor Filme de Animação e também para o Prémio Lux do Parlamento Europeu, acabando por ganhar uma menção de honra.

O SAPO24 trocou dois dedos de conversa com o realizador em Estrasburgo, em Novembro do ano passado, e ficou a saber que Claude Barras gostaria que a Suíça fizesse parte da União Europeia. É assim, um optimista por natureza.

Qual foi o último filme que viu no cinema?

Não tenho a certeza, mas penso que foi "Toni Erdmann". E gostei imenso. Antes disso terá sido "Eu, Daniel Blake".

Quanto custa um bilhete de cinema na Suíça?

É muito caro, custa entre 14 e 16 euros.

Conhece alguma coisa do cinema português?

Conheço a Regina Pessoa [a sua curta mais recente, História Trágica com Final Feliz, é o filme mais premiado de sempre], do cinema de animação português. E já devo ter visto algum filme português, mas não muita coisa.

Pode falar-me um pouco da escolha do tema de "A Minha Vida de Courgette"

Penso que é um tema recorrente e apaixonante. Conta a história de um lugar, um refúgio, um orfanato que é onde os miúdos criam novas famílias, novos laços, neste mundo que é perigoso e onde nem tudo é pêra doce. É um filme que mostra aos miúdos a vida como ela é. O cinema não é só entretenimento, é também cultura. E também serve para reflectir. E eu gosto da ideia de trazer crianças para as salas de cinema.

Mas este é um filme para adultos, não é para miúdos pequenos, é?

É. É para crianças a partir dos oito anos de idade.

Mas é duro.

Sim, mas as crianças vivem no mesmo mundo que nós e o mundo é difícil, elas também se questionam. Para mim é importante que se fale nos assuntos, que se encontrem respostas.

O filme é um sofrimento do princípio ao fim...

Sim, os adultos choram. Mas as crianças não. Penso que os adultos choram a sua própria infância, há uma certa nostalgia. Ao passo que as crianças acreditam que vai ser possível avançar, viver uma infinidade de coisas belas. Elas sabem que vai ser possível.

Quanto custou fazer o filme?

Custou 1 milhão de euros. O que nem é muito, para a técnica que utilizámos. Deu muito trabalho. Penso que 80% do orçamento foi para pagar salários. Há muita mão-de-obra, muito artesanato. Eu trabalhei quatro anos no filme, mas a equipa toda em conjunto, as cerca de 50 pessoas, levámos cerca de um ano a fazer o filme.

Preferia que o Prémio Lux, atribuído pelo Parlamento Europeu, fosse em dinheiro nas 24 línguas faladas nos países da UE?

Não, de todo. O prémio, para começar, já o ganhámos, e é exactamente o acesso ao mercado europeu na língua de cada país. Penso que essa é uma muito boa ideia. É magnífico.

Como é que se combate a Netflix, a Amazon e outras plataformas, umas legais outras ilegais, que concorrem com a indústria cinematográfica? 

Não tenho soluções. Mas a verdade é que todos encorajamos a pirataria, porque queremos ver os filmes na hora, imediatamente. É preciso proteger os autores, claro, mas também encontrar soluções para aquilo que são as necessidades de quem procura filmes. Tem de se reflectir sobre este tema.

Cinema à parte, como é que um suíço olha para esta Europa, para esta União Europeia? 

Penso que de certa maneira a Suíça pode ser um modelo para a Europa, com os seus estados [26 cantões] soberanos e um funcionamento que acredito muito democrático. Mas ao mesmo tempo enerva-me que a Suíça se recuse a entrar para a Europa, referendo atrás de referendo. Quando na verdade fazemos parte até de programas culturais, por exemplo. Mas acabamos por estar isolados. Ainda que este seja um momento complicado. Aquilo que se passa com os migrantes, penso que é horrível. O mundo atravessa uma enorme crise.

O que espera da União Europeia?

Coragem. É preciso não ter medo e avançar. Procurar soluções. Penso que na vida em geral – e é isso que procuro transmitir também no meu filme - é isso que é preciso fazer. Não sou político, mas isto que é preciso e que quero dizer aos miúdos também. As crianças são o futuro e é por isso que faço filmes.