No fundo, Josh Klinghoffer sabia que tinha os seus dias contados. Apesar de ter gravado vários discos com os Red Hot Chili Peppers, de ter andado em digressão com o grupo por todo o mundo, o guitarrista seria sempre o substituto de John Frusciante, músico com o qual os norte-americanos se tornaram num caso de sucesso.

Foi Frusciante o dono das seis cordas em álbuns como “Blood Sugar Sex Magik”, com o qual alcançaram o estrelato (e isto num ano de 1991 onde havia grunge, havia Metallica, havia o “Screamadelica” de Primal Scream), foi dele o tom meio melancólico, meio surfista de “Californication”, foi ele que, em 2006, ajudou a compôr uma das últimas grandes canções do grupo: a maravilhosa 'Snow (Hey Oh)'.

Klinghoffer saiu em 2019 e, no ano seguinte, admitiu ao podcast de Marc Maron que a sua saída não o surpreendeu. Porque os Red Hot Chili Peppers precisavam sempre de um guitarrista que os levasse até ao outro lado – um lugar indivisível onde uma banda deixa de ser uma banda e passa a ser uma identidade. Frusciante, homem que fora dos Red Hot fez discos experimentais e eletrónicos, alguém que encontra em toda a música – e não apenas naquela que é feita com uma guitarra – uma razão de ser, foi nos anos 90 e início do milénio essa identidade, a força motriz daquele rock da Califórnia. O seu regresso, dependente da sua disponibilidade e vontade, era previsível. “O John merece estar naquela banda”, afirmou Klinghoffer. “Estou contente por ele, estou contente que tenha regressado”.

Já este ano, o guitarrista, agora nos Pearl Jam, afirmaria que os Red Hot “faziam música melhor” quando ele estava no grupo, referindo-se especificamente aos dois álbuns que os norte-americanos lançaram em 2022, “Unlimited Love” e “Return of the Dream Canteen”. É uma frase que é capaz de nos fazer pensar que ainda existe, ali, uma ponta de mágoa. Porém, Klinghoffer esquece-se que a presença de Frusciante nos Red Hot Chili Peppers é mais que a soma das partes; é o transformar de boas canções em canções miraculosas, é o que torna um concerto do grupo em algo ainda mais especial. Foi ele quem deu cor aos êxitos que todos querem ouvir. Foi ele quem, após uma entrada orquestral, se lançou num solo soberbo, milagroso, as duas coisas ao mesmo tempo, toda a eletricidade do mundo contida numa simples jam.

Red Hot Chili Pepers no NOS Alive 2023
Diogo Gomes | SAPO24

Talvez melhor baixista do mundo

Porém, nem Frusciante conseguiu salvar um concerto dos Red Hot Chili Peppers que se ficou pelo morno. Até começou bem, com o funk de 'Can't Stop' a fazer pular milhares de pessoas, que esgotaram estes primeiros dois dias de festival só para os ver. Os gritinhos de Flea, que quando quer consegue levar-nos a pensar que é, ipso facto, o melhor baixista do mundo (pelo menos o mais simpático, ou aquele com melhor gosto: é o tipo que foi a uma audição dos Public Image Ltd. apenas e só porque queria muito tocar com a banda), ajudavam à festa. No centro, um poderoso Chad Smith dava a pujança necessária e, ligeiramente mais tímido que os demais, Anthony Kiedis ia entoando as letras que tantos e tantos sabem de cor. Chegou 'Dani California' e somos transportados para o último grande disco dos Red Hot (“Stadium Arcadium”, de 2006), que foi também, para uma considerável quantidade de gente, a sua porta de entrada – nesses idos tempos de liceu – para o mundo dos norte-americanos.

A partir daí, foi preciso muito café para poder conter o sono. O som estava limpo, a banda mostrava-se coesa, Flea foi dizendo umas graçolas e chegou mesmo a entoar loas à lua. Mas o alinhamento não era propício a momentos de grande cantoria comunal, com 'Suck My Kiss' a revelar-se exceção, o baixista a correr feito louco de um lado ao outro do palco.

'Right On Time' contou com uma intro “roubada” ao hino 'London Calling', dos Clash, com o show Frusciante a fazer-se a solo com uma versão de 'Dreamboy/Dreamgirl', de Cynthia e Johnny O. Temas novos como 'Aquatic Mouth Dance' ou 'The Heavy Wing' não aqueceram um público à espera de 'Scar Tissue' ou 'Otherside'; este teve que se contentar com 'Californication' e com o regresso em grande de um guitarrista que deu origem à carreira de toda uma outra banda.

“Temos mais uma”

Com 'Californication' a desaguar numa versão misturada de 'Whole Lotta Love', dos Led Zeppelin, com 'What Is Soul?', dos Funkadelic, coube a 'By The Way' (com falsa partida) o regresso de alguma faísca, que continuou no encore com 'Under the Bridge' e 'Give It Away', fechando um espetáculo que, à semelhança do vento que se fazia sentir no Passeio Marítimo de Algés, não aqueceu de todo. Mesmo a frase final de Kiedis - “independentemente do que acontecer, teremos esta noite para sempre” - soou algo falsa. Muitos dos que ali estavam já tinham tido muitas noites com os Red Hot Chili Peppers, e todos esses terão saído a pensar que essas noites foram muito superiores. Talvez a cavalo dado não se olhe o dente, mas esperava-se mais de uma banda que voltou a ser mitológica.

Os Black Keys não precisaram de mitologias, mas teriam beneficiado de um melhor som: o fuzz de 'I Got Mine' chegou a fazer antever coisas boas, mas a partir daí foi preciso um aparelho auditivo para os conseguir escutar mais atrás. Demasiado baixos para o rock, os norte-americanos contentaram-se com o blues, trazendo até Algés temas como 'Tighten Up' (do magnífico “Brothers”, um dos melhores discos deste milénio) e versões de clássicos como 'Have Love, Will Travel' (que soará sempre bem melhor pelas mãos dos Sonics).

Igualmente mornos, ainda os ouvimos tocar 'Everlasting Light', que vai buscar o seu riff a 'Mambo Sun', dos T. Rex, antes de 'Fever', numa toada bem mais lenta que em disco, nos tirar do sério, como se Dan Auerbach e Patrick Carney tivessem vindo a Portugal sem vontade alguma de tocar (ou talvez apenas cheios de sono). Por entre as banalidades costumeiras - “obrigado por estarem connosco esta noite”, etc. - e bons solos de guitarra, os Black Keys mostraram pouca pica, e só com 'Gold on the Ceiling' conseguiram arrebitar ligeiramente as hostes. “Temos mais uma”, diria Auerbach, no final: era o ritmo ferroviário de 'Lonely Boy' e dezenas de braços se ergueram em simultâneo, para gravar vídeos que nunca mais verão.

“Viemos em paz, somos uma banda rock e não uma agência governamental à caça de alienígenas”

A contagem descrescente mais lenta do mundo trouxe os Puscifer a palco, sendo eles um dos muitos projetos de Maynard James Keenan, que nos habituámos a conhecer via Tool. Aqui, há pouco metal e muito pós-punk a roçar o genérico, que nem a persona do vocalista (batom vermelho borrado nos lábios, fato e gravata como um Homem de Negro, postura e dicção a copiar Max Headroom) disfarçava. “Viemos em paz, somos uma banda rock e não uma agência governamental à caça de alienígenas”, brincou, e foram poucos os que esboçaram um sorriso.

Começando com 'Postulous', a bizarria dos Puscifer encontrou contornos extremos quando o público foi brindado com um vídeo a dar conta de que Wendy O. Williams, vocalista dos Plasmatics, na verdade não morreu em 1998 e se limitou a mudar de género, sendo agora conhecida como Maynard James Keenan. Serviu para quê? Provavelmente para nada, porque nem teve assim tanta graça. Dos visuais, onde os LEDs predominavam, ficámos com a ideia de que talvez numa sala fechada e a uma hora que não o lusco-fusco o grupo – e os fãs – teriam ficado melhor servidos. O riff gótico de 'Horizons' surpreendeu, e a bateria esquelética de 'Momma Sed' soou muito bem, antes da coreografia de 'Conditions Of My Parole' nos levar a perguntar que raio era aquilo. Saíram do palco para serem imediatamente esquecidos, mas este também não era o dia deles.

O NOS Alive continua esta sexta-feira com concertos de Arctic Monkeys, Lizzo, Lil Nas X ou Idles, entre outros.

O dia já se encontra esgotado.