O que têm Ray Davies, Barry Gibb, Mick Jagger, Elton John, Paul McCartney, Ringo Starr e Rod Stewart em comum, para além de serem veteranos da indústria musical? O Sir, o título nobiliárquico à frente do nome, gentilmente cedido pela coroa britânica aos que mais fizeram pela nação. No caso de todos, aos que mais fizeram pela cultura. Nada mau para um grupo de pessoas que, nos anos 60, eram vistas pelos setores mais conservadores como verdadeiras ameaças à sociedade. Era apenas rock n' roll, no entanto, e agora ai de quem queira criticar cada um destes nomes, acusá-los de serem maus exemplos.

Nem o próprio rock n' roll, o género da eterna rebeldia, alguma vez imaginaria que, um dia, seria aclamado pelo sistema. Muito menos Rod Stewart, que na adolescência, à semelhança de tantos outros da sua geração, era fascinado pelos beatniks, por políticas de esquerda, pela música soul e pelo álcool. Olhem para ele agora: 78 anos feitos, um estatuto social que lhe permite entrar onde e quando quiser, milhões de euros na conta bancária e outros tantos milhões de fãs a aplaudi-lo pelo mundo inteiro. O Sir veio em 2016, para dar ao mais escocês dos ingleses outra nuance.

Numa Altice Arena muito bem composta, mas não esgotada, se calhar poucos sabiam que Rod Stewart é Sir, assim como pelo menos um membro do público não sabia que o Celtic tinha ganhado a Taça dos Campeões Europeus no Estádio Nacional, em 1967, frente ao Inter de Milão. Não importa: Stewart, fanático dos verde e brancos de Glasgow – é lembrar a vez em que chorou quando o seu clube venceu o todo-poderoso Barcelona –, fez questão de o lembrar, ao interpretar 'You're in My Heart (The Final Acclaim)', imagens dessa final a passar no ecrã, cachecol nos ombros. Antes, tinham sido avistadas pelo menos duas camisolas do Celtic, juntamente com a bandeira escocesa. Repetimo-nos: o mais escocês dos ingleses. Stewart nasceu em Londres, filho de pai escocês, e acabou por se apaixonar, pela força do futebol, pelo país mais a norte (além do Celtic, prefere também apoiar a seleção escocesa).

A sua carreira, no entanto, poderia ter sido muito diferente se tivesse nascido e sido criado na Escócia, em vez de na capital. Primeiro com o grupo de Jeff Beck, depois com os Faces, Stewart foi um dos pilares da “invasão britânica” dos anos 60 e 70. Especialmente com estes últimos, foi uma influência para o movimento punk que haveria de brotar no Reino Unido – Steve Jones, dos Sex Pistols, reconhece-o. Atingiu o apogeu a solo, com temas como 'Hot Legs' e, fora do rock n' roll, a bomba disco 'Da Ya Think I'm Sexy?', que os críticos abominaram (idiotas) e os fãs colocaram no topo das tabelas de vários países.

Mesmo com tamanha idade, Stewart não parece disposto a parar (lançou um novo álbum, “The Tears Of Hercules”, em 2021), mesmo que esta sua digressão sirva para dar aos fãs apenas os êxitos. Alguns compostos por ele, outros compostos por outros tantos talentos – e poderíamos até dizer que Rod Stewart se sente bem mais confortável a cantar os temas de outros. Foi assim que entrou em palco, ao som de 'Addicted to Love', de Robert Palmer, já depois de ter deixado, no ecrã, um código promocional para que os presentes pudessem comprar uma garrafa de Wolfie's, a sua própria marca de whisky, com desconto.

Nestes primeiros instantes de concerto, a acústica da Altice Arena, que teima em não ser concertada (“o som está horrível mas está a ser muito giro”, espiamos no telemóvel alheio), não permitiu que a voz de Stewart se escutasse nas melhores condições possíveis; oscilaria ao longo das quase duas horas de concerto que o britânico ofereceu a um público com uma idade não tão avançada quanto a dele, mas com idade suficiente para o ter apanhado no auge quando jovens. Pouco pareceu importar. Mesmo com o instrumental a rugir sobre a garganta, havia os movimentos de ancas e de pernas, as danças com o tripé, os açoites no próprio rabo (uma imagem que alguns não apagarão tão cedo, e que no fundo é um bocadinho punk) para agradar aos fãs. 'Ooh La La', dos Faces, levou quase todos os que estavam sentados no piso térreo a erguerem-se das suas cadeiras. A mistura de perfumes vários, porque um concerto destes não é um evento onde se ir sujo, pairava no ar. 'Some Guys Have All The Luck', dos Persuaders, dá um ar de sua graça e notamos que, nestes primeiros minutos, Rod Stewart parece ter clicado no fast forward; para um homem de 78 anos, não fazer pausas durante quatro canções é um feito assinalável.

À quinta, lá parou para se dirigir aos presentes. “Não toquei esta há cinco anos”, afirmou, numa referência à sua última passagem por Portugal. Enganou-se: foi há quatro, nesta mesma sala. Não faz mal, porque a canção era 'Hot Legs', um dos seus maiores singles. Uma bem acolhida 'It's A Heartache', de Bonnie Tyler, desaguou num dos momentos mais estranhos – e, curiosamente, melhor escutados – do espetáculo: as suas duas violinistas entram em cena, juntamente com um bombo, e transformam a Altice Arena numa festa celta, já Stewart tinha abandonado o palco para trocar de figurino. A 'Forever Young' sucedeu-se 'I Don't Want To Talk About It', provocando uma avalanche de ternura. A canção é fabulosa, a versão dos Everything But The Girl continua a ser a melhor, a voz saiu-nos dos lábios. Lá bem na frente, um hooligan levava as mãos ao rosto, embevecido.

Se 'Maggie May' colocou boa parte dos presentes a substituir Rod Stewart na voz, 'Da Ya Think I'm Sexy?' colocou-os a dançar, antes de 'I'd Rather Go Blind' ser dedicada a Christine McVie, dos Fleetwood Mac, falecida em novembro. Como que para impedir que a tristeza se apoderasse do público, 'Young Turks' foi tocada em modo acelerado, com 'Downtown Train', de Tom Waits, a levar a outra homenagem – desta feita, à Ucrânia. Vestido de azul e amarelo, o músico dedicou 'Rhythm Of My Heart' ao povo ucraniano, aos soldados ucranianos e ao presidente ucraniano, cuja imagem foi projetada e ovacionada pela Altice Arena. Estranho foi, depois de algo tão solene, ter gritado um ok, let the good times roll! e colocado as suas vocalistas a cantar 'I'm So Excited', das Pointer Sisters. A guerra é uma tragédia e estamos todos convosco, mas agora vamos curtir, vale?

Voltando com várias cadeiras (“somos velhos cansados...”, brincou), Stewart sentou-se para interpretar uma canção do seu primeiro álbum a solo, lançado em 1969: 'Handbags and Gladrags'. 'You're In My Heart', a tal dedicada ao futebol, mereceu um raspanete do músico, ao aperceber-se de que o público não o acompanhou no refrão: “isto é patético, cantem esta m...!”. Seguiu-se 'Have I Told You Lately', de Van Morrison (que, quem sabe, irá apresentá-la ao vivo na próxima semana, no EDP Cool Jazz), antes de as suas vocalistas voltarem a ter tempo para brilharem sozinhas, com uma versão de 'Lady Marmalade'. Bem que estas pediram palmas, mas foram poucos os que quiseram saber; era um concerto de Rod Stewart, não das amigas.

Regressando para chutar algumas bolas de futebol, Stewart meteu a quinta com o rock de bar de 'Stay With Me', pontuado por um solo de guitarra elétrico e sujo, antes de terminar com 'Baby Jane', um velho clássico das noites de Oceano Pacífico. Todos se ergueram, mas pareceram ser mais os que filmaram que os que dançaram. É pena. No encore, o músico despediu-se com 'Sailing', chapéu de marinheiro na cabeça e ramo de flores na mão (o qual ofereceu a uma das suas colegas). Saímos da Altice Arena rumo ao trabalho e apanhamos pelo ar a conversa entre duas fãs: “valeu a pena, não valeu?”. Sim, valeu, vale sempre a pena ver um Sir de perto.