Edição por Tomás Albino Gomes
A investigação
- Uma investigação feita por um consórcio que junta 47 meios de comunicação social, de 39 países, coordenado pela organização sem fins lucrativos “Organized Crime and Corruption Reporting Project”, revelou esta segunda-feira os Suisse Secrets, um projeto com base numa fuga de informação do banco suíço Credit Suisse que terá mantido durante anos fortunas de pessoas ligadas à corrupção de todo o mundo, num valor acumulado de cerca de 100 mil milhões de dólares (88 mil milhões de euros).
- O informador acusa as leis suíças sobre o sigilo bancário de serem "imorais", numa nota enviada ao consórcio de comunicação social. "O pretexto de proteger a privacidade financeira é uma mera folha de figo que cobre o papel vergonhoso dos bancos suíços como colaboradores com os evasores fiscais", acrescentou, de acordo com o New York Times, um dos media que integram o consórcio.
- A fuga de informação, que se segue a outras que deram origem a investigações jornalísticas como os "Panama Papers", revela que o Credit Suisse abriu contas e teve como clientes, entre 1940 e os anos 2010, "não só os ultra ricos, mas também pessoas cujas situações problemáticas teriam sido óbvias” para quem se estivesse interessado em investigar.
- O banco, segundo o jornal norte-americano, terá ignorado os alertas dos seus próprios funcionários sobre "atividades suspeitas" nas finanças dos seus clientes, que incluíam acusados de corrupção em escândalos relacionados com a companhia petrolífera estatal da Venezuela; figuras governamentais no Médio Oriente; ou altos funcionários dos serviços secretos em países que colaboram com os Estados Unidos na guerra contra o terrorismo, bem como os seus familiares.
- Os titulares de contas com saldos de milhões de dólares incluíam o antigo ministro da Energia venezuelano, Nervis Villalobos, os filhos do antigo presidente egípcio Hosni Mubarak, Alaa e Gamal Mubarak, o rei Abdullah II da Jordânia e os filhos de um funcionário dos serviços secretos paquistaneses, Akhtar Abdur Rahman Khan, que ajudou a canalizar dinheiro dos Estados Unidos e de outros países para os mujahidin no Afeganistão nos anos 80.
Os Suisse Secrets e Portugal
- O Expresso, o único jornal português a integrar o consórcio responsável por esta investigação, revelou que na investigação Suisse Secrets há mais de 100 clientes com nacionalidade portuguesa. No entanto, apenas dois são visados pela justiça: o luso-angolano Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia, fundador da Escom, o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola.
- Segundo o semanário, ambos eram clientes do Credit Suisse há vários anos, uma relação que se estabeleceu sobretudo através da Akoya Assets Management, uma pequena firma suíça de gestão de fortunas fundada em 2009, detida por Sobrinho e Bataglia em parceria com três ex-gestores de contas do UBS, Michel Canals, Nicolas Figueiredo e José Pinto. Álvaro Sobrinho e Helder Bataglia eram clientes da Akoya, para além de donos, sendo esta a empresa responsável pelas gestão das contas dos dois.
- Os ficheiros divulgados através do Suisse Secrets revelam 12 contas de que Sobrinho foi beneficiário e dez no caso de Bataglia. Os dados mostram que, numa dessas contas, titulada através da companhia offshore Garrylake Investments, SA, o antigo CEO do BESA chegou a ter 78 milhões de dólares. Além disso, os dois terão partilhado três contas no banco suíço, curiosamente, três contas que foram abertas no mesmo dia: 26 de janeiro de 2011.
- A lista de clientes portugueses naquele que é o segundo maior banco suíço inclui uma dezena de imigrantes na Venezuela, duas dezenas de chineses e ainda dezenas de cidadãos africanos com dupla nacionalidade, não apenas residentes em ex-colónias portuguesas, mas também em países como Tanzânia e Camarões. O Expresso salienta ainda que não constam políticos nem funcionários públicos.
A resposta do Credit Suisse e a lei Suíça que impede que a informação seja escrutinada pela imprensa no país
- Candice Sun, porta-voz do Credit Suisse, declarou ao The New York Times que o banco não só "rejeita" as alegações, como muitas das contas em questão já foram encerradas, sublinhando que a investigação faz parte de uma campanha de difamação "contra o banco e o mercado financeiro suíço, que sofreu grandes mudanças nas últimas décadas".
- O Credit Suisse, o segundo maior banco da Suíça, foi abalado por uma série de escândalos durante o ano passado. Em março, enfrentou o colapso da empresa financeira Greensill - na qual tinha afetado cerca de 10 mil milhões de dólares através de quatro fundos -, e em seguida a implosão do fundo norte-americano Archegos, que custou ao banco cerca de 5 mil milhões de dólares.
- Em outubro, o Credit Suisse foi condenado a penalidades na ordem dos 475 milhões de dólares pelas autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido por empréstimos a empresas estatais em Moçambique, envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
- O então presidente do Credit Suisse, António Horta-Osório, eleito em finais de abril no meio da agitação, lançou uma reorganização das atividades do banco com o objetivo de voltar a colocar a gestão do risco no centro da cultura da instituição. Mas o banqueiro português, que construiu uma sólida reputação ao salvar o banco britânico Lloyds da ameaça de insolvência, foi ele próprio manchado por revelações da imprensa em dezembro sobre a quebra de regras de prevenção contra a covid-19 e demitiu-se em meados de janeiro.
- A investigação Suisse Secrets foi publicada hoje por vários meios de comunicação social internacionais, mas por nenhum título suíço.
- O Tribune de Genève, um dos títulos suíços mais prestigiados, pertencente ao grupo TX (Tamedia), explicou hoje que "uma alteração na lei bancária, em 2015, impede os jornalistas de trabalharem com fugas de informação de dados bancários, mesmo quando estes são de interesse público". O artigo 47º daquela lei prevê até três anos de prisão para quem "revelar um segredo que lhe tenha sido confiado [...] ou explorar esse segredo em seu próprio benefício ou em benefício de um terceiro".