A fuga de informação partilhada há um ano com o jornal alemão Süddeutsche Zeitung por uma pessoa não identificada, deu origem a uma investigação denominada Suisse Secrets ("Segredos Suíços", em português), segundo a qual o banco suíço Credit Suisse terá mantido durante anos fortunas de pessoas ligadas à corrupção de todo o mundo, num valor acumulado de cerca de 100 mil milhões de dólares (88 mil milhões de euros).

A revelação foi feita por um consórcio de 46 meios de comunicação social em 39 países, coordenado pela organização sem fins lucrativos “Organized Crime and Corruption Reporting Project” (OCCRP). Este domingo, o Expresso que integra este mesmo grupo, revelou que na investigação Suisse Secrets há mais de 100 clientes com nacionalidade portuguesa. No entanto, apenas dois são visados pela justiça: o luso-angolano Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia, fundador da Escom, o braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola.

Os dois estão a ser investigados em dois processos-crime em Portugal, na Operação Monte Branco, o maior esquema de lavagem algum vez descoberto no país, e num inquérito-crime sobre a apropriação de centenas de milhões de euros no Banco Espírito Santo Angola (BESA), durante o tempo em que Sobrinho era presidente executivo do banco e Bataglia fazia parte da sua administração.

Segundo o Expresso, ambos eram clientes do Credit Suisse há vários anos, uma relação que se estabeleceu sobretudo através da Akoya Assets Management, uma pequena firma suíça de gestão de fortunas fundada em 2009, detida por Sobrinho e Bataglia em parceria com três ex-gestores de contas do UBS, Michel Canals, Nicolas Figueiredo e José Pinto. Álvaro Sobrinho e Helder Bataglia eram clientes da Akoya, para além de donos, sendo esta a empresa responsável pelas gestão das contas dos dois.

Agora, os ficheiros divulgados através do Suisse Secrets revelam 12 contas de que Sobrinho foi beneficiário e dez no caso de Bataglia. Os dados mostram que, numa dessas contas, titulada através da companhia offshore Garrylake Investments, SA, o antigo CEO do BESA chegou a ter 78 milhões de dólares. Além disso, os dois terão partilhado três contas no banco suíço, curiosamente, três contas que foram abertas no mesmo dia: 26 de janeiro de 2011.

No entanto, perante aquilo que se sabe, todas as contas tinham pequenos montantes de dinheiro, tendo em conta o panorama de milhões que esta investigação aborda. De acordo com os Suisse Secrets, uma delas, titulada por uma companhia offshore, a Supino Holdings Ltd, chegou a ter 900 mil francos suíços em dezembro de 2011, o equivalente a a cerca de 861 mil euros, mas as outras duas, também em nome de companhias offshore, a Jasper Creek Holdings Ltd e a Aldorf Investments Ltd, tiveram balanços que não chegaram aos seis mil francos, acima dos cinco mil euros.

Contactados a comentar estes dados pelo jornal, Hélder Bataglia disse não se recordar "de alguma vez ter uma conta bancária no Credit Suisse com Álvaro Sobrinho", sublinhando que fechou todas as contas que tinha neste banco, a última delas no ano passado. Já o antigo administrador do BESA, optou pelo silêncio em relação a este tema em concreto sobre contas partilhadas.

Ainda segundo semanário Expresso, a lista de clientes portugueses naquele que é o segundo maior banco suíço inclui uma dezena de imigrantes na Venezuela, duas dezenas de chineses e ainda dezenas de cidadãos africanos com dupla nacionalidade, não apenas residentes em ex-colónias portuguesas, mas também em países como Tanzânia e Camarões.

No entanto, esta lista parece não estar completa, uma vez que, por exemplo, é sabido que Ricardo Salgado tinha contas no Credit Suisse, uma delas em nome da Lindsell Finance Corp e outra em nome da Savoices Corporation, mas nenhuma delas aparece na fuga de informação recentemente divulgada.

O Expresso salienta ainda que não constam políticos nem funcionários públicos em Portugal.

A história de uma fuga de informação que é proibida de ser mencionada na Suíça

O informador anónimo que revelou a informação que deu origem à investigação sobre o Credit Suisse, fê-lo por considerar que as leis suíças sobre o sigilo bancário de serem "imorais", numa nota enviada ao OCCRP.

"O pretexto de proteger a privacidade financeira é uma mera folha de figo que cobre o papel vergonhoso dos bancos suíços como colaboradores com os evasores fiscais", acrescentou, de acordo com o The New York Times.

A fuga de informação, que se segue a outras que deram origem a investigações jornalísticas como os "Panama Papers", revela que o Credit Suisse abriu contas e teve como clientes, entre 1940 e os anos 2010, "não só os ultra ricos, mas também pessoas cujas situações problemáticas teriam sido óbvias” para quem se estivesse interessado em investigar.

O banco, segundo o jornal norte-americano, terá ignorado os alertas dos seus próprios funcionários sobre "atividades suspeitas" nas finanças dos seus clientes, que incluíam acusados de corrupção em escândalos relacionados com a companhia petrolífera estatal da Venezuela; figuras governamentais no Médio Oriente; ou altos funcionários dos serviços secretos em países que colaboram com os Estados Unidos na guerra contra o terrorismo, bem como os seus familiares.

Os titulares de contas com saldos de milhões de dólares incluíam o antigo ministro da Energia venezuelano, Nervis Villalobos, os filhos do antigo presidente egípcio Hosni Mubarak, Alaa e Gamal Mubarak, o rei Abdullah II da Jordânia e os filhos de um funcionário dos serviços secretos paquistaneses, Akhtar Abdur Rahman Khan, que ajudou a canalizar dinheiro dos Estados Unidos e de outros países para os mujahidin no Afeganistão nos anos 80.

Algumas das personalidades mencionadas na investigação, como os filhos de Mubarak e o rei da Jordânia, negaram que os fundos depositados na segunda maior instituição do sistema financeiro suíço fossem provenientes de quaisquer ilícitos.

Uma porta-voz do Credit Suisse, Candice Sun, declarou ao New York Times que o banco não só "rejeita" as alegações, como muitas das contas em questão já foram encerradas, sublinhando que a investigação faz parte de uma campanha de difamação "contra o banco e o mercado financeiro suíço, que sofreu grandes mudanças nas últimas décadas".

"Noventa por cento das contas em questão já foram encerradas, mais de 60% das quais foram encerradas antes de 2015", fez saber o banco, acrescentando que está "a conduzir uma investigação" sobre a fuga de dados.

Um antigo chefe da agência suíça contra o branqueamento de capitais, Daniel Thelesklaf, afirmou, no entanto, que os bancos suíços, há muito proibidos legalmente de aceitar dinheiro ligado a atividades criminosas, não têm aplicado a lei de forma rigorosa.

O Credit Suisse, o segundo maior banco da Suíça, foi abalado por uma série de escândalos durante o ano passado. Em março, enfrentou o colapso da empresa financeira Greensill - na qual tinha afetado cerca de 10 mil milhões de dólares através de quatro fundos -, e em seguida a implosão do fundo norte-americano Archegos, que custou ao banco cerca de 5 mil milhões de dólares.

Em outubro, o Credit Suisse foi condenado a penalidades na ordem dos 475 milhões de dólares pelas autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido por empréstimos a empresas estatais em Moçambique, envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.

O então presidente do Credit Suisse, António Horta-Osório, eleito em finais de abril no meio da agitação, lançou uma reorganização das atividades do banco com o objetivo de voltar a colocar a gestão do risco no centro da cultura da instituição.

Mas o banqueiro português, que construiu uma sólida reputação ao salvar o banco britânico Lloyds da ameaça de insolvência, foi ele próprio manchado por revelações da imprensa em dezembro sobre a quebra de regras de prevenção contra a covid-19 e demitiu-se em meados de janeiro, entregando a liderança do banco a Axel Lehmann, um banqueiro suíço conhecido pelas suas competências em gestão de riscos, que tinha entrado para o conselho de administração em outubro.

A investigação Suisse Secrets foi publicada hoje por vários meios de comunicação social internacionais, incluindo o diário alemão Süddeutsche Zeitung, o Guardian, e Le Monde, mas por nenhum título suíço.

O Tribune de Genève, um dos títulos suíços mais prestigiados, pertencente ao grupo TX (Tamedia), explicou hoje que "uma alteração na lei bancária, em 2015, impede os jornalistas de trabalharem com fugas de informação de dados bancários, mesmo quando estes são de interesse público".

O artigo 47º daquela lei prevê até três anos de prisão para quem "revelar um segredo que lhe tenha sido confiado [...] ou explorar esse segredo em seu próprio benefício ou em benefício de um terceiro".

"O risco legal era simplesmente demasiado grande”, justificou o maior grupo privado de comunicação social da Suíça.