
O fiscalista cofundador da consultora Ilya, Luís Leon, sublinha ao SAPO24 que, apesar do que se possa pensar, "Portugal continua em austeridade". Por isso, "venha o Governo que vier, da direita ou da esquerda, vamos continuar a ter que, no final do orçamento, ter o défice controlado, o que significa um défice abaixo de 3%, mas de tendente mais próxima do 0%, e vamos ter que continuar a reduzir a nossa tendência do peso da dívida no Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, na riqueza criada", acrescenta.
"Há muito mais que une a coligação da AD e o PS do que os separa, a dificuldade é marcarem a diferença", acrescenta. Destaca ainda que reduzir impostos é uma miragem num país que não cresce ao nível da União Europeia há mais de duas décadas. "Não podemos ter uma economia que é concorrente da Roménia e comparar-nos com a França e a Alemanha, temos de olhar para as economias que são concorrentes das nossas e observar que estão com cargas fiscais mais baixas", afirma o especialista.
No que diz respeito ao imposto mais conhecido dos portugueses, o IRS, a AD propõe uma redução até ao 8.º escalão, num valor de 2 mil milhões de euros até 2029 (com uma redução de 500 milhões já em 2025).
O programa assume ainda o compromisso de aumentar a consignação do IRS de 1 para 1,5% até ao final da legislatura (depois de já a ter duplicado) como forma de reforçar a capacidade financeira das IPSS.
Já o PS quer criar o "Ano Zero" no IRS Jovem, permitindo aos jovens que ingressam no mercado de trabalho, no segundo semestre de um determinado ano, beneficiar imediatamente do regime sem perda do 1.º ano de isenção, bem como não os prejudicando por trabalharem enquanto estudam até um rendimento anual de até ao valor anual de 14 salários mínimos.
"Não podemos ter uma economia que é concorrente da Roménia e comparar-nos com a França e a Alemanha, temos de olhar para as economias que são concorrentes das nossas e observar que estão com cargas fiscais mais baixas"
Em outras políticas fiscais, o PS quer também apostar no IVA Zero permanente para um cabaz de bens alimentares, que seria “continuamente monitorizado e que assegura que as margens de lucro da distribuição não se apropriam dos ganhos para os consumidores”.
O partido propõe ainda uma redução de impostos no setor energético, com o IVA da eletricidade na taxa reduzida de 6% para as famílias com potência contratada até 6,9 kVA.
Quer também reduzir “em pelo menos 20% o Imposto Único de Circulação (IUC) dos veículos até média cilindrada, matriculados após 1 de julho de 2007”.
"Se deixamos um jogador ganhar milhões porque marca muitos golos porque não deixar isso acontecer numa grande empresa?"
No caso da AD e sem dar grandes detalhes, a atual coligação que suporta o Governo quer continuar também as “novas medidas para fixação dos jovens”, e que passam pela isenção de IMT e de Imposto do Selo e garantia pública na compra da primeira casa.
"O que estamos a falar quando se olha para estas propostas são arredondamentos dos grandes números e é isto que o eleitorado tem de ficar a saber", garante Luís Leon. "A única coisa que permite o país virar ao contrário é tudo aquilo que o país é contra, que são as grandes empresas, que dão melhores salários, melhor formação, melhores condições", salienta. "Um país que tem uma cultura liberal no desporto, em particular no futebol, é quadrado no que diz respeito ao resto da realidade económica. Se deixamos um jogador ganhar milhões porque marca muitos golos porque não deixar isso acontecer numa grande empresa?", comenta.
No IRS Jovem: em que divergem PS e AD?
O IRS Jovem foi uma das questões mais polémicas no último Orçamento do Estado para 2025, que acabou por ser aprovado com a abstenção do PS.
O também fiscalista Luís Nascimento, igualmente sócio da Ilya, sublinha ao SAPO24 que os programas dos dois principais partidos divergem em algo muito particular. Se, por um lado, a AD"quer baixar taxas para todos", o PS procura mais "descer valores nas isenções", aproximando-se da isenção atualmente em vigor, em que um jovem tem como limite máximo 55 vezes o valor do IAS, ou seja, 28.737,50 euros.
"O imposto não é fácil de perceber, não é fácil de submeter, não existe simplicidade fiscal. O modelo da AD era mais fácil de perceber e de aplicar"
O especialista acredita que o objetivo principal de uma medida como esta é "fixar jovens em Portugal", por isso não faz muito sentido não ser o mais abrangente possível e, neste sentido, a medida do PS é mais restritiva e a da AD mais equitativa.
Luís Nascimento destaca também a dificuldade de se aceder a este benefício por parte daquela que considera ser "geração mais instruída de sempre". "O imposto não é fácil de perceber, não é fácil de submeter, não existe simplicidade fiscal. O modelo da AD era mais fácil de perceber e de aplicar".
Na altura da apresentação do Orçamento do Estado, o PS criticou o Governo por a medida proposta para o IRS Jovem não ser igual para todos, mas neste caso o fiscalista responde que "o princípio da igualdade não está posto em causa em nenhuma proposta da AD. Simplesmente quem ganha mais paga mais, logo recebe mais, é justo, é aceite dentro dos princípios de igualdade da Constituição da República Portuguesa, que impõe aos poderes públicos um tratamento igual de todos os seres humanos perante a lei".
A medida cumpre o objetivo?
"O mundo é diferente do que era há 20 anos atrás e os jovens existem no mundo como cidadãos globais", sublinha Nascimento. Por este motivo, não se pode afirmar com certezas que o IRS Jovem é um fator que faz com que os jovens fiquem em Portugal.
De acordo com os últimos dados disponíveis sobre o IRS Jovem, referentes a 2022, sabe-se que naquele ano beneficiaram deste regime 73.684 jovens, num valor total de rendimentos do trabalho dependente de cerca de 1 060 milhões de euros. No que respeita a rendimentos empresariais e profissionais (recibos verdes) esse valor ascendeu a 103 milhões de euros. O benefício fiscal médio anual para aqueles que aderiram ao mecanismo foi de 425 euros.
Porém, num país com o 9.º salário médio mais baixo da União Europeia (23 mil euros brutos), segundo a Pordata, e com 75% dos jovens entre os 18 e os 35 anos a ganharem até mil euros líquidos, de acordo com dados do INE referentes a 2023, terão de ser mesmo as "condições económicas a mudar significamente a vida dos jovens, em especial num contexto de instabilidade económica", garante o fiscalista.
Mais ainda, segundo o último estudo da Pordata sobre o perfil do trabalhador em Portugal, um quarto dos trabalhadores recebe o salário mínimo nacional (SMN), sendo este o 10.º mais baixo dos 22 países com SMN (quando medido em paridade de poder de compra) e tendo já em conta o valor em vigor em 2025.
“Em duas décadas, Portugal foi ultrapassado pela Polónia, Lituânia e Roménia”, lê-se no documento que detalha que cerca de um em cada quatro trabalhadores em Portugal (22,8%) tinham um salário base equivalente ao SMN, em 2022.
"Os jovens olham para a União Europeia e observam salários mais altos e não são muito atraídos por políticas fiscais mais favoráveis. A medida pode atrair alguns jovens e aqueles que atrai já é bom, mesmo que sejam 3 em 10"
A proporção de trabalhadores a receber o SMN era, naquele ano, mais elevada entre as mulheres (27,1%), os jovens (36,1%), aqueles com escolaridade até ao ensino básico (32,9%) e os trabalhadores de nacionalidade estrangeira (38,0%).
"Os jovens olham para a União Europeia e observam salários mais altos e não são muito atraídos por políticas fiscais mais favoráveis. A medida pode atrair alguns jovens e aqueles que atrai já é bom, mesmo que sejam 3 em 10", destaca Luís Nascimento.
No que diz respeito a medidas para os jovens, Luís Leon não deixa de sublinhar que há muito tempo que Portugal deixou de dar atenção verdadeiramente às faixas etárias mais novas: "Somos um país fundamentalista nos direitos adquiridos, logo quando queremos fazer uma transformação na sociedade vamos afetar quem? Quem ainda não adquiriu direitos, ou seja os jovens".
Leon clarifica também que a medida inicial da AD era interessante mas não atingiu o seu verdadeiro potencial quando tiveram de a adaptar à vontade do PS. "Não favorece os jovens que estão em Portugal. O verdadeiro drama dos jovens não é o IRS, é a economia que não produz salários suficientes para os jovens ficarem no país", acrescenta. "Não é só uma luta por melhores salários, deve pensar-se em toda a economia e pagar por competência e por produtividade".
Nesta caso, considera ainda que: "A classe política não quer saber do progresso e desenvolvimento no país. A classe política quer ganhar votos e acha que baixar o IRS aos jovens dá votos, diz-lhes que pagam menos impostos e afasta as verdadeiras resoluções do problema".
E o IRC?
Quanto ao IRC, a AD quer avançar com uma redução gradual do IRC até aos 17% no final da legislatura, sendo que admite que no caso das pequenas e médias empresas (PME) a redução possa chegar aos 15% nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável.
Já o PS insiste na descida seletiva do IRC, privilegiando a descida "para as empresas que reinvestem os seus lucros e valorizam salários".
No caso deste imposto, Luís Leon é perentório: "O PS não é a favor desta medida, esta equipa do PS é a favor". "Em 2014, o PS, com António José Seguro, assinou com o PSD uma redução de taxa do IRC para uma taxa máxima em Portugal de 19%. Essa era a posição, hoje estamos em 21%", explica. "Com taxas destas não aparecemos nas listas das grandes empresas para se expandirem para cá", refere.
Luís Nascimento esclarece sobre o IRC em particular que os modelos dos dois partidos são bastantes diferentes. "O PS quer um modelo direcionista da economia, ou seja, é o Estado a decidir o destino da economia". Já o modelo da AD "quer um modelo direto para todos".
"Neste caso, é o partido da direita a ter um modelo mais igual para todos, o que é interessante do ponto de vista político", acrescenta.
Sobre a medida melhorar efetivamente a vida dos cidadãos no geral, podendo as empresas utilizar o dinheiro que não pagam em IRC para, por exemplo, pagar melhor aos trabalhadores, Luís Nascimento diz que "acontece e é possível", mas medidas como esta procuram sempre objetivos mais vastos.
No caso das empresas, Portugal tem a segunda taxa estatutária máxima mais elevada de IRC da OCDE (só atrás da Colômbia), de 31,5% (contempla 21% de IRC aplicado aos negócios residentes, ao qual somam-se a derrama municipal, que vai até 1,5%, e a derrama estadual, que pode atingir os 9%). Mesmo olhando para a taxa efetiva de IRC, Portugal tem a mais elevada dos países europeus da OCDE. As quatro economias europeias da OCDE que ultrapassaram Portugal nos últimos 20 anos em PIB per capita (Chéquia, Eslovénia, Lituânia e Polónia) têm todas taxas de IRC máximas até 20% e taxas efetivas até 18%. A acrescentar a isto, Portugal é ainda o país da OCDE com o maior número de diferentes taxas de IRC, devido às taxas reduzidas.
"Aquilo que a taxa deve atingir é conseguir colocar Portugal no mapa das empresas estrangeiras, só assim vamos ser competitivos", destaca Nascimento.
"O ideal para o país seria que os dois principais partidos concordassem numa visão para o IRC, mas não na visão de Pedro Nuno Santos. Em todos os países que tentaram ser dirigistas da economia, acabou por correr mal", acrescenta Leon.
O que fica de fora dos programas nas medidas para a fiscalidade?
De fora dos programas dos dois principais partidos ficam medidas mais ambiciosas para a habitação, que se ficam pelo incentivo à construção por parte do PS e a isenção de impostos e garantia pública já praticados pela AD.
Luís Nascimento salienta que os avanços da AD não são de descartar no que diz respeito à habitação. "Se em 10 jovens, cinco ficarem em Portugal, já é alguma coisa".
O fiscalista reforça ainda que falta pensar de forma séria na redução da carga fiscal para emigrantes. "Não estamos a corresponder às expetativas daqueles que abandonaram o país e querem regressar com as suas poupanças". Para ajudar as pessoas a regressar, o "Programa Regressar", que criou apoios próprios para quem quer voltar a Portugal para trabalhar, deve ser adaptado também aos emigrantes que querem vir viver a sua reforma em Portugal, sugere Nascimento.
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