Lisboa foi galardoada com o título Capital Verde Europeia em 2020, um reconhecimento ao trabalho já realizado na capital portuguesa, mas que serve também de incentivo para aumentar a ambição. A caminho de Katowice, cidade que recebe a 24.ª cimeira das Nações Unidas para as alterações climáticas, o SAPO24 foi saber o que têm a dizer aqueles que já passaram por esta experiência. De referir ainda uma “ida à box” em Bruxelas para perceber porquê Lisboa.

A distinção de Lisboa como Capital Verde Europeia em 2020 calha no ano em que este prémio celebra uma década — o primeiro galardão foi atribuído a Estocolmo em 2010.

“Lisboa fez uma grande transformação num espaço de tempo muito curto e tomou esta decisão quando ainda estava a lidar com a crise financeira. Portanto, penso que é uma inspiração para outras cidades”, diz Nicole Wengler, responsável pela gestão do programa Capital Verde na Comissão Europeia.

Do planeamento urbano, à instalação de carregadores, passando por projetos de reutilização de água, estes são alguns dos pontos altos que Enrico Bravio, porta-voz da Comissão Europeia para o Ambiente, destaca quando lhe perguntamos “porquê Lisboa?”.

“É muito importante ter este tipo de prémios que destacam boas práticas de cidades que possam ser um exemplo”, acrescenta, dizendo que a distinção deve ainda ser um “estímulo” para que Lisboa aumente a sua ambição.

“Nós dizemos: uma vez Capital Verde Europeia, para sempre Capital Verde Europeia. Lisboa passa assim a fazer parte da famílias de cidades pioneiras da sustentabilidade”, cidades que “motivam outras cidades a ser à prova do futuro”, diz ainda Nicole Wengler.

“Com esta iniciativa queremos tornar as cidades da Europa mais sustentáveis para benefício dos cidadãos. Estamos a falar de ar mais limpo, de água mais limpa, de gestão de resíduos, e sobretudo, de governança, porque as cidades que são planeadas de forma sustentável saem-se melhor no longo prazo, a nível geral e no plano económico. Em resumo, são sítios melhores para viver e para envelhecer”, acrescenta.

E Enrico Bravio acredita que os cidadãos “têm uma perceção crescente sobre o quão importante é ter cidades onde é fácil deslocarmo-nos, onde existem soluções limpas. Temos milhares de cidadãos que todos os anos têm problemas de saúde relacionados com a má qualidade do ar. E isto é apenas um sinal”.

Porque a mudança não pode ser feita contra o cidadão, aliás, é impossível sem ele. “São os cidadãos que fazem a mudança acontecer no terreno. São eles que vão utilizar bicicletas para se deslocar e beber água da torneira, só para dar alguns exemplos. E o que vimos com capitais verdes europeias anteriores é que, quando fazem um balanço sobre os benefícios da distinção para as suas cidades, o que destacam é que os cidadãos estão muito orgulhoso do facto de a sua cidade ser premiada e tornam-se mais conscientes ao nível do ambiente”.

Mas nem sempre é fácil envolver todos os cidadãos. Harriët Tiemens, vice-presidente da autarquia de Nijmegen, Capital Verde Europeia 2018 vê nesta questão “o maior desafio de todos”. “A maioria das pessoas tem outras preocupações na sua mente: como esticar o dinheiro até ao fim do mês, como lidar com os filhos, como lidar com a pobreza. Então é difícil garantir que todos os cidadãos estão na mesma página e partilham do mesmo entusiasmo. Mas o primeiro passo é fazê-los pensar nestas questões.

Michiel Hustinx, responsável pelo programa Capital Verde Europeia desta cidade dos Países Baixos, salienta que é sempre possível começar sugerindo às pessoas pequenas alterações no seu dia-a-dia, como “usar bicicletas para se deslocarem - vamos criar uma via rápida para bicicletas -, separar o lixo, tornar a nossa casa um pouco mais sustentável. São pequenas ações, mas são importantes e podem depois traduzir-se num compromisso maior”.

E depois, há também que ser criativo na forma como se endereça a questão. [Em Nijmegen] estamos muito orgulhosos de um grupo de cidadãos, cerca de 50, que todos os meses propõe um desafio à cidade sobre temas relacionados com a transição energética, a economia circular, o comércio justo, a alimentação saudável, entre outros. São iniciativas que envolvem muito as pessoas. Aliás, acho que eles deviam ser premiados pelo trabalho que têm vindo a fazer”, conta Harriët Tiemen.

E no caso de Nijmegen, acrescenta Michiel Hustinx, a sociedade tem-se envolvido bastante. “Nós começámos com muitos projetos, que mais tarde se transformaram em processos e agora podemos dizer que é um género de movimento que vemos na nossa cidade. Agora os projetos vêm ter connosco, não temos de os desenvolver. Neste momento, até as igrejas estão a tentar perceber como podem ser mais sustentáveis. É um exemplo, mas também um sinal desse tal movimento”, diz.

“Além disso há vários eventos planeados na cidade e todos sem envolvimento da Câmara. Há mais de 200 ações planeadas para este ano, quase uma iniciativa por dia se excluirmos fins de semana”, acrescenta Harriët Tiemen.

Olhando para a frente, Harriët Tiemens e Michiel Hustinx reconhecem que há ainda “um longo caminho a percorrer”, porque mudar uma cidade não se faz num ano. No entanto, salienta a vice-presidente, é nas cidades que a mudança começa, e por isso deixa um desafio — a Lisboa e não só.

E quando estamos a olhar em frente, Iñaki Prusilla, vereador do Ambiente na cidade espanhola de Vitoria-Gasteiz, sabe bem os desafios que esta Cidade Verde Europeia em 2012 tem ainda por enfrentar.

“Os maiores desafios que temos agora prendem-se com o próprio crescimento da cidade. Vitoria-Gasteiz cresceu para este e oeste, e não houve uma densidade apropriada nesse crescimento. Nos novos bairros há uma distância muito grande entre os edifícios e temos avenidas muito amplas. Isto não promove a vida de bairro. Outra das apostas está na questão da mobilidade. Fizemos um grande investimento em diferentes sistemas de transportes, de tal forma que a maioria das deslocações se realizam a pé ou de bicicleta. Mas agora queremos dar força aos transportes públicos, para que esta transição seja mais democrática e que todas as pessoas, independentemente das suas dificuldades económicas, se possam mover facilmente na cidade”.

Vitoria-Gasteiz recebeu com “orgulho” a distinção de 2012, sobretudo por ver neste prémio um “reconhecimento de muitos anos de trabalho. Havia uma trajetória importante definida, que envolveu diferente autarcas com ideologias políticas distintas, mas todos com o mesmo objetivo, que era o de preservar o meio ambiente em Vitoria-Gasteiz, implementando medidas que promoviam a mobilidade, um maior desfrute do espaço público e que foram acompanhadas de políticas sociais — porque na política ambiental é muito importante o âmbito social. É muito difícil levar a cabo políticas ambientais sem políticas sociais bem implementadas”, alerta.

Entre as iniciativas levadas a cabo em 2012, Juan Carlos Escudero, responsável pelo programa Capital Verde Europeia nesta cidade, recorda aquela que propôs aos cidadãos plantar 250 mil árvores e arbustos em três anos à volta da cidade, sensivelmente uma árvore ou arbusto por cada cidadão de Vitoria-Gasteiz. “Foi muito gratificante ver o nível de resposta e de identificação da população com este projeto em concreto”, conta.

“Sinto que desde então [2012] as pessoas têm um maior nível de compromisso com uma cidade mais saudável. Este prémio de Capital Verde é um reconhecimento, um compromisso e uma lembrança de que somos uma referência para outras cidades da Europa e até o mundo, e a nossa responsabilidade está aí”.

A Lisboa recomenda “ânimo” para 2020 e perseverança para “continuar este caminho”. Já Iñaki Prusilla lembra que Lisboa e Vitoria-Gasteiz são agora “cidades irmãs”.

Ainda no que a recomendações diz respeito, Kai Lipsius, responsável da Agência para o Programa Essen Capital Verde Europeia 2017, organismo criado para fazer um acompanhamento dos projetos lançados há um ano, deixa a sua: “[em 2020] aproveitem as oportunidades boas que surgirem, para que realmente existam mudanças a acontecer no terreno, e não lamentem as oportunidades boas que perderem no momento. Haverá muita coisa interessante a surgir para Lisboa em 2020 e às vezes é difícil saber pelo que optar, mas concentrem-se no que é exequível”, diz.

Essen, Capital Verde Europeia em 2017, era uma área fortemente industrializada, conhecida pelo carvão e o aço. Mas como o fim da mineração e quebras no setor do aço, a cidade teve de se “reinventar”, aproveitando a oportunidade para se tornar mais sustentável.

De olhos postos nos desafios do presente, Kai Lipsius diz que a prioridade agora é a mobilidade, até porque esta tem grande impacto, por exemplo, na qualidade do ar. O segundo grande objetivo passa pela mitigação dos efeitos das alterações climáticas. “Se estivermos a olhar para 2050 e para uma cidade neutra em carbono [em as emissões de CO2 não superam a capacidade de remoção deste gás com efeito de estufa da atmosfera], não é assim tanto tempo. É ali ao virar da esquina se pensarmos, por exemplo, em renovar edifícios, que é uma coisa que se faz a cada 20 anos”.

Essen passou de “cinzento a verde” e deseja continuar assim, pelo que deixa desde já a promessa de visitar Lisboa em 2020 para saber quais foram as soluções encontradas pela capital portuguesa para os grandes desafios globais que hoje se colocam.

O SAPO24 está a acompanhar, quilómetro a quilómetro, uma iniciativa da Get2C, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, que partiu da capital portuguesa rumo Katowice — mais de 3200 quilómetros — a bordo de um carro elétrico. O objetivo é falar sobre sustentabilidade, ambiente e mobilidade elétrica, no âmbito da COP24. Na rota definida, tivemos oportunidade de passar por algumas das Capitais Verdes Europeias. Pode acompanhar esta viagem no especial Missão Katowice.