“Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos”, foi a passagem bíblica que provocou a polémica, numa altura em que o noticiário era dominado pela chegada dos talibãs ao poder no Afeganistão e se discutia a situação em que ficavam as mulheres naquele país.

O livro “As Mulheres nas Cartas de São Paulo”, do bispo de Lamego, editado pela Aletheia Editores, contextualiza o lugar da mulher nos textos de São Paulo, dividindo-os em três segmentos – “As mulheres nas Cartas Autênticas de S. Paulo”, “A mulher nas Cartas revistas/editadas de S. Paulo” (onde se insere a Carta aos Efésios) e “A mulher nas interpolações, glosas ou paulinismos introduzidos nas Cartas de S. Paulo”.

“Dados os ‘apupos’ que se fizeram ouvir um pouco por toda a comunicação social e redes sociais por causa de um texto notável de S. Paulo que, aparentemente, à primeira vista e audição, impunha à mulher submissão ao marido, resolvi também eu (…) examinar atentamente tudo e oferecer (…) um percurso em que se mostra com suficiente clareza a maneira excecional como Paulo se relacionou com as mulheres concretas (…) que encontrou no seu caminho”, escreveu António Couto na apresentação do seu livro.

Para o bispo de Lamego, “é tempo de alguns preconceitos caírem, como caiu o muro de Berlim. O que não se espera, também pode acontecer”.

Quanto à passagem que originou a polémica, que integra nos chamados “Códigos Familiares”, o prelado considerou que “se trata de diferenciar funcionalidades, e não de minar a igualdade mediante qualquer tipo de subalternização”.

Naquele texto, para o bispo, “’submeter-se’ não significa (…) o vulgar ‘humilhar-se’ de um e de outro, como habitualmente é entendido, mas o compromisso ativo, participativo, assente sobre o dom da liberdade, de entrega e de serviço, de uns e de outros, do marido, da esposa, do próprio Cristo”.

Esta passagem bíblica já levara a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a vir a público, em agosto de 2021, “procurando fazer justiça ao sentido do texto”, tendo em conta que - e devido à projeção dada pela transmissão televisiva -, foram vários os comentários críticos nas redes sociais, principalmente à luz das preocupações que têm sido manifestadas pela situação das mulheres no Afeganistão com a chegada ao poder dos talibãs.

Perante a polémica causada por esta leitura – muito usada nos casamentos católicos -, a CEP divulgou uma nota em que, reconhecendo os “ecos diversificados sobre o seu sentido e oportunidade, justamente lidas no contexto vivo e atual das perspetivas preocupantes da situação das mulheres no Afeganistão”, sublinha que “é preciso ver com atenção alguns aspetos da leitura de São Paulo, procurando fazer justiça ao sentido do texto”.

“Tenha-se em conta que Paulo se situa no contexto legal do direito familiar romano, que concedia melhores direitos às mulheres do que a maioria das culturas da época, mas que não deixava de pôr em relevo o papel do marido como “pater familias – pai de família”, como titular da família no seu conjunto e garantia dos direitos e deveres de cada um e o seu funcionamento relacional e social”, lê-se na nota da CEP, que alerta para o facto de este quadro ter permanecido “nas gerações sucessivas, concretamente no direito português, até há pouco tempo”.