"As leituras da Eucaristia do domingo passado tiveram ecos diversificados sobre o seu sentido e oportunidade, justamente lidas no contexto vivo e atual das perspetivas preocupantes da situação das mulheres no Afeganistão. Sem entrar em polémicas, é preciso ver com atenção alguns aspetos da leitura de São Paulo, procurando fazer justiça ao sentido do texto", pode ler-se na nota divulgada pela Conferência Episcopal Portuguesa.
Destacando que "é preciso olhar o texto na sua inteireza, para se dar conta do seu sentido no próprio contexto", a CEP começou por apontar o texto na sua totalidade — e não apenas o excerto que foi mais difundido da Carta aos Efésios.
"Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela… Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo, antes o alimenta e lhe presta cuidados, como Cristo à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão dois numa só carne. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja", é citado.
Desta forma, a Conferência Episcopal lembra que é necessário considerar que São Paulo, autor do texto em causa, "se situa no contexto legal do direito familiar romano, que concedia melhores direitos às mulheres do que a maioria das culturas da época, mas que não deixava de pôr em relevo o papel do marido como 'pater familias – pai de família', como titular da família no seu conjunto e garantia dos direitos e deveres de cada um e o seu funcionamento relacional e social".
"Este quadro permaneceu nas gerações sucessivas, concretamente no direito português, até há pouco tempo. Paulo não põe em causa o direito romano, mas dá-lhe uma interpretação nova, à luz de Cristo, 'Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo', que Ele ama até dar por ela a vida", é especificado.
Assim, em resposta aos comentários difundidos online e em alguns meios de comunicação, a CEP aponta que "o que causa 'escândalo', nos dias de hoje, é o conceito de 'submissão' proposto à mulher", explicando que "não se trata, porém, de algo exclusivamente aplicada às mulheres, mas a todos".
"A leitura começa precisamente por dizer: 'Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo'. Em Paulo, esta submissão não significa menor importância ou subserviência, mas o dar prioridade aos outros, como forma de atenção e cuidado; não centrar a vida e o pensar em si próprio, mas no amor que deve regular todo o relacionamento entre pessoas", é frisado na nota.
Posteriormente, a CEP aponta ainda que "Paulo aplica este quadro jurídico-social à instituição familiar, como princípio da mútua atenção e cuidado".
"Em primeiro lugar, dê-se o devido cuidado e prioridade (submeta-se) à relação familiar que tem como representante social o marido, na sua relação com a esposa. Este princípio básico, que se aplica à mulher, mas igualmente aos outros membros da família, é completado com aquilo que o 'pai de família' representa: o amor, antes de mais aplicado ao amor entre os esposos: 'Maridos, amai as vossas esposas, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela'", é referido. Recorde-se, aliás, que esta leitura é muitas vezes escolhida para a cerimónia dos casamentos.
Assim, o "amor" e a "submissão" não são aplicados "apenas a um dos esposos, mas são a lei básica do relacionamento humano, segundo o Evangelho: 'Saberão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros'. Em segundo lugar, a medida do amor é reportada a Cristo, que 'amou a Igreja e Se entregou por ela'".
"É à luz de Cristo que se entende a dimensão do amor, até à total entrega e ao dom da vida por aqueles que se ama. E é também essa a norma para a correta interpretação de qualquer autoridade, representatividade ou primazia. Não se trata de mandar submeter ou depreciar ninguém, mas de cuidar e dar prioridade no dom e no serviço do dia-a-dia", esclarece a CEP.
No final da nota, a Conferência Episcopal remete ainda para algumas das críticas que foram surgindo sobre o texto, havendo mesmo quem defendesse que este deveria ser "adaptado" aos dias de hoje.
"Então porque não se muda o texto, para que não se deem interpretações incorretas? A pergunta tem a sua razão de ser, mas é claro para a Igreja e para quem quiser interpretar textos e tradições com origem noutras culturas e noutros tempos: os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a entendê-los e a atualizá-los", é referido.
"Por exemplo, não se mudam os versos épicos de Camões, porque não correspondem à mentalidade atual e até, em alguns casos, podem causar escândalo. Isso seria cair na arbitrariedade e na ditadura das modas e na imposição da cultura única. É por isso que se estuda Camões nas escolas, para que todos tenham acesso à beleza dos seus versos, dentro dos condicionalismos da sua época", retrata a CEP.
Segundo a Conferência Episcopal, "a Palavra de Deus permanece viva e atual e é importante que seja escutada sempre com a sua sonoridade original" — mesmo em tempos diferentes e olhando para o seu contexto histórico.
"Conservar a Palavra de Deus e a Tradição é continuar a fazê-las soar em assembleias vivas, como as pautas de música dos grandes autores, constantemente atuais, porque continuam a alegrar corações, a criar sonhos e a gerar estéticas novas, cada vez que se executam", é referido por fim.
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