Num mundo ideal, os cidadãos teriam de pagar em impostos um quarto do salário que recebem?

Bom, é muito difícil falar sobre isso nesses termos. Sabemos que nos países em que é melhor viver e há mais direitos, segundo um acordo geral, se paga bastante mais do que isso em impostos. Estou a lembrar-me, por exemplo, dos países nórdicos, que são aqueles que construíram um Estado social mais exigente, mais evoluído e mais moderno, onde se paga impostos altos, para níveis de direitos também muito exigentes.

Se tivesse de escolher, e tem mesmo de optar, a União Europeia devia fazer uma aliança comercial com a China ou com os Estados Unidos?

Pensamos que quando se discute acordos comerciais, mais importante do que discutir os parceiros é discutir as condições. Os acordos comerciais da União Europeia devem ser feitos para proteger padrões elevados de respeito por direitos de trabalho e pelo ambiente. E é isso que deve nortear os acordos, sejam eles feitos com que parte do mundo for.

Acredita que é possível travar as alterações climáticas na legislatura europeia que agora começa?

Já não vamos a tempo de conseguir que não haja consequências das alterações climáticas. Mas precisamos, neste mandato, de tomar decisões muito mais determinadas do que as que temos tomado, para conseguir começar uma resposta que possa vir a tempo de evitar catástrofes ambientais globais. A resposta deve assentar em políticas públicas existentes, na transição energética, na distribuição alimentar e nos transportes coletivos.

Nos Censos de 2021 o INE devia ou não incluir uma pergunta sobre a origem étnica, as raízes, das pessoas?

Defendemos que sim, porque achamos que é importante conhecer a realidade da diversidade da população portuguesa, e também de outras, para podermos combater melhor a discriminação. E, portanto, achamos que esse era o caminho que deveria ter sido seguido — e naturalmente não é pelo facto de a pergunta não ter sido incluída que iremos desistir desse combate.

A União Europeia deve ter um exército próprio?

Pensamos que não. A União Europeia deve ser um espaço de paz, deve promover a paz a nível mundial, e as respostas que temos de encontrar não são as de uma maior militarização, são as de um contributo positivo da União Europeia para resolver conflitos que existem um pouco por todo o mundo. Precisamos de uma União Europeia que não vende armas a organizações terroristas, e não de uma União Europeia que arma os terroristas.

Se não é o presidente que manda nisto tudo, e dizem-nos que não é, o que está a tornar tão difícil chegar a um consenso sobre quem serão os presidentes das diversas instituições da União Europeia?

Não queremos participar dessa troca de lugares. Achamos que o que é importante discutir para a União Europeia, para o futuro da União Europeia, não é quem se vai sentar em cada cadeira das instituições europeias, é quais são as escolhas políticas fundamentais que irão ser tomadas durante estes anos. E sobre isso, o nosso grupo, o Bloco de Esquerda, apresentou um conjunto de reivindicações na área do Estado social, dos direitos do trabalho, da paz, do combate às alterações climáticas, e esse é o debate em que estamos interessados, não no debate das cadeiras.

Qual foi a primeira coisa que fez quando chegou a Estrasburgo?

Quando cheguei a Estrasburgo tive mais algumas questões burocráticas para resolver. A primeira, primeira coisa que fiz foi encontrar o meu gabinete, o que, aliás, correu até bastante bem, nem sequer precisei que me fossem buscar.

Descreva a última vez que se irritou.

A última vez que me irritei talvez tenha sido hoje durante a reunião plenária, quando um deputado do nosso grupo chamou a atenção para o facto de ainda não terem sido credenciados três deputados catalães, que representam cerca de dois milhões de cidadãos europeus, e o presidente do Parlamento em funções [Antonio Tajani] reagiu com alguma piada que eu não consegui entender. Penso que uma questão desta gravidade democrática tem de ser levada mais a sério.

Tem alguma comida de conforto?

Comida de conforto? Toda a comida me deixa bastante confortável, talvez um bocadinho de mais, até [riso].

Alguém merece ter cem milhões de euros?

Não, penso que não.


Afinal, da esquerda à direita, os deputados europeus não são tão diferentes como poderíamos pensar. A maioria acredita mesmo que não pagamos demasiados impostos, é contra um exército europeu, prefere os EUA à China, admite irritar-se com facilidade e é bom garfo. Ainda assim, há diferenças. Estas foram as respostas de José Gusmão, mas o eurodeputado do BE não foi o único a responder. Saiba mais aqui.