Donald Trump agendou para esta tarde uma conferência de imprensa para dar conta do trabalho referente à transição de poderes entre a administração Obama e a nova equipa presidencial. Mas o tema principal foram as notícias segundo as quais o FBI e CIA tinham conhecimento de que a Rússia possuía informações comprometedoras sobre o novo presidente americano. "Disparates que foram divulgados pelas agências de inteligência e que nunca deviam ter sido escritos, lidos e divulgados", afirmou Trump.
Trump começou por dizer que estava feliz por regressar às conferências de imprensa e agradeceu aos meios de comunicação presentes, antes de criticar os media que publicaram as informações que hoje classificou como fake news (notícias falsas). "Considero uma absoluta vergonha que o tenham feito", sublinhou, ao mesmo tempo que garantiu que é um grande defensor da liberdade de imprensa e que está grato aos meios que souberam olhar para as informações do FBI e da CIA e não publicar.
Sobre a reunião que terá decorrido na semana passada e em que os diretores dos serviços secretos o terão posto a par da existência de informações comprometedoras [sobre si próprio] na posse dos russos, Trump não negou que tivesse acontecido mas assumiu, de novo, um tom crispado sobre as notícias trazidas a público. "Não estou autorizado a falar sobre o que se passou nessa reunião. Acho lamentável que a informação tenha sido divulgada. Li informação fora dessa reunião e são notícias falsas, não aconteceram. Foi um grupo de opositores que se juntaram, pessoas doentes, que puseram esse relatório de pé. Alguém o divulgou. Nunca devia ter sido escrito, muito menos divulgado, é uma vergonha absoluta".
Perante a insistência sobre o conteúdo da reunião, Trump escudou-se na resposta da própria Rússia, divulgada hoje. "A Rússia lançou hoje um comunicado a informar que estas notícias são falsas. Acho que se tivessem algo estariam felizes divulgar isso (…) o hacking é terrível, mas revelou que Hillary recebeu as perguntas para o debate com antecedência, imaginem se tivesse sido Trump, seria uma grande história, mas ninguém falou sobre isso", acrescentou ainda.
Questionado sobre se, face às informações divulgadas, admite que tenha havido interferência dos russos também na campanha democrata, nomeadamente no hacking à convenção democrata , Trump desviou o assunto, mas acabou por admitir que a Rússia teria tido algum papel. “Vocês verão, a Rússia não o devia ter feito [pirataria], acredito que não o fará mais. Temos de trabalhar em algo, mas não é apenas a Rússia. Vejam, dois milhões de contas foram pirateadas e isso não foi feito pela Rússia mas pela China, e isso é porque não temos uma defesa". Algo que, garante, irá mudar no seu mandato: "Outros países, mesmo a China - que tirou partido de nós [da América] economicamente e no que respeita ao mar da China - a Rússia, o Japão, o México, todos vão respeitar-nos mais, muito mais, do que fizeram em administrações anteriores".
Já sobre as suas relações com Vladimir Putin, e referindo-se a si próprio na terceira pessoa, Trump afirmou que essa cordialidade só pode ser boa. "Se Putin gosta de Trump, eu considero isso um activo e não um risco. A Rússia pode ajudar-nos a combater o ISIS (autoproclamado Estado Islâmico). Espero dar-me bem com Putin, mas é pouco provável. Mas alguém acha realmente que Hillary seria mais dura com Putin do que eu? Por favor… ".
Na síntese de muitas questões que lhe foram feitas, o presidente eleito não desmentiu a existência do relatório com as alegadas informações na posse dos serviços secretos da Rússia, reconheceu aliás a sua existência ao afirmar que “esse relatório nem sequer devia ter sido impresso”. Questionado sobre o conteúdo do documento divulgado pelo BuzzFeed que adianta que os serviços secretos russos teriam informações sobre o seu envolvimento em episódios com prostitutas Trump respondeu: "Acreditam mesmo nisso? Sou bastante germofóbico, acreditem ".
Já o impacto destas revelações nas relações com a Rússia, acrescentou que “Putin terá muito mais respeito pelo nosso país comigo na liderança do que quando outros o lideraram".
“Serei o melhor criador de empregos que Deus já criou”
Na agenda da conferência, Donald Trump trazia também informações sobre a forma como está a preparar mudanças na América. “Serão anunciadas grandes notícias nas próximas semanas”, disse Trump, referindo que a Chrysler irá investir no país. O presidente-eleito salientou ainda que o anúncio recente da Ford de que vai travar os planos de construção de uma fábrica no México para investir no Michigan e, acrescentou: “espero que a General Motors siga o mesmo exemplo”.
Trump, que assume a presidência no próximo dia 20 de janeiro, disse ainda que “é preciso trazer de volta a indústria farmacêutica” ao país e prometeu maior regulação das atividades deste setor.“Haverá um grande imposto alfandegário sobre estas empresas que estão a sair [do país] e que estão a escapar com homicídio”.
O presidente-eleito disse estar “muito orgulhoso” do que já foi acordado com algumas empresas e prometeu mais emprego nos EUA. "Se esta eleição não tivesse corrido como aconteceu, estas empresas não estariam aqui”, disse.
Donald Trump anunciou também que David Shulkin foi escolhido para dirigir o Departamento dos Assuntos de Veteranos. “Ele fará um trabalho tremendo. (…) acho que ficarão impressionados com o trabalho de David”. “Os nossos veteranos têm sido tratados muito mal. (…) Têm um cancro em fase inicial e quando vão ver um médico já estão em fase terminal”, exemplificou, acrescentando que este departamento fez parcerias com hospitais nacionais. “Temos alguns dos melhores hospitais do mundo, que já se estão a associar a nós”, disse.
“Eu conseguiria gerir o meu negócio e o país ao mesmo tempo"
“Ganhei [a presidência]”, limitou-se respondeu Trump quando questionado se iria divulgar a declaração de rendimentos para provar que não existe conflito de interesses no que à Rússia diz respeito”. “Eu conseguiria gerir o meu negócio e o país ao mesmo tempo. Não gosto disso, mas seria capaz.”
O presidente eleito passou durante largos minutos a palavra à sua advogada a quem coube explicar como será feita a separação de poderes entre os negócios de Trump e a sua atuação como presidente. “Estes papeis [disse Trump apontando para uma vasta pilha de documentos] são apenas alguns dos documentos que assinei entregando entregando o controlo total e completo [dos meus negócios] aos meus filhos".
"Estes papéis são apenas uma parte das muitas empresas que vão ficar a cargo dos meus dois filhos e espero chegar daqui a oito anos e dizer: Ah, fizeram o bom trabalho. caso tenham feito um mau trabalho dir-lhes-ei: Estás despedido! [frase icónica do reality show que tornou Trump famoso]
Convidada por Trump para falar sobre o processo de afastamento do presidente-eleito dos negócios da família, a advogada Sheri Dillon disse à imprensa que recebeu instruções para o que estava ao seu alcance para garantir que Trump estaria “isolado” dos negócios da família. “Todos os seus esforços são no sentido perseguir os interesses do povo e não os seus próprios interesses. Nesse sentido, ele encarregou-me a mim e aos meus colegas de desenhar uma estrutura que o isole completamente da gestão da sua empresa”.
O fim do Obamacare
Finalmente, vamos falar de Obamacare, estava a ver que nunca mais perguntavam, diz Trump em resposta a uma pergunta de um jornalista. "Vão ficar orgulhosos do que vamos fazer. O Obamacare é um desastre total. Podíamos ficar sentados a ver, à espera e a criticar [o Obamacare], mas isso não seria justo para com as pessoas, e viriam implorar-nos para fazer alguma coisa. Vamos submeter um plano para revogar e substituir [o Obamacare] e será essencialmente simultâneo. Provavelmente no mesmo dia, ou na mesma semana (…) Vamos tratar do sistema de saúde neste país. O Obamacare é um problema dos democratas e nós vamos tirar esse problema da prateleira, vamos fazer-lhes um grande favor, podíamos deixá-los enforcar com isso”, detalhou Donald Trump, prometendo uma alternativa “muito mais barata e muito melhor”.
“Eu adoro mexicanos, os mexicanos são fenomenais"
E, depois, claro o muro com o México que o novo presidente voltou a garantir que seria construído.“Vamos construir um muro, posso esperar cerca de um ano e meio até terminarmos as nossas negociações com o México, que serão iniciadas assim que assumirmos funções, mas não quero esperar”. Acrescentou ainda que o seu vice Mike Pence "está trabalhar no sentido de obter autorizações de várias agências". "O México, de alguma forma - e há muitas formas - vai reembolsar-nos pelo custo do muro. Isso vai acontecer, seja num imposto ou num pagamento, ainda que seja menos provável, mas vai acontecer".
“Eu não os culpo [ao povo mexicano] pelo que aconteceu, eu não os culpo por se aproveitarem dos EUA. Os políticos foram muito inteligentes. O México tirou partido dos EUA (…) o que digo é que não devemos permitir que isso aconteça”.
No que respeita aos candidatos ao Supremo Tribunal, Trump referiu uma lista de 20 candidatos. “Tinha uma lista de 20, encontrámos-nos com vários candidatos. (…) Eu tomarei a decisão sobre quem vamos colocar no Supremo Tribunal de Justiça em substituição de Scalia provavelmente duas semanas após dia 20 [dia da tomada de posse]”.
"O dia 20 será muito especial e bonito ..."
“Estou ansioso pela tomada de posse (…), teremos um dia muito elegante, o dia 20 será muito especial e bonito porque temos um movimento como o mundo nunca viu antes, e que muitos não esperavam. Aconteceu algo lindo no passado dia 8 de novembro, à medida que aqueles estados foram sendo ganhos [pelos republicanos]. (…) esses estados terão muitos empregos, receberão muito boas notícias”, acrescentou. Trump toma posse no próximo dia 20 de janeiro numa cerimónia para a qual está prometida uma "suave sensualidade".
Antes de Trump subiu ao púlpito Mike Pence , o seu vice-presidente que acusou também o que designou de imprensa "mainstream" de organizar uma campanha para retirar legitimidade à eleição de Trump.
As reacções ao discurso de Trump não se fizeram esperar no Twitter.
A actriz e comediante Sarah Silverman disse "ele quer que saibamos que é vingativo e está a correr-lhe bem ser assim":
O comentador político da TSF e do Eixo do Mal, Pedro Marques Lopes, considerou que com este discurso Trump mostra que quer implodir com a democracia americana:
Tal como na Turquia, Hungria e Rússia "ganhei" é a única palavra que importa, diz o historiador e dirigente político Rui Tavares:
Já Pedro Boucherie, diretor da SIC Radical mostra-se convencido que de história em história Trump acabará no impeachment:
Jon Fevreau, da equipa de Obama, optou por lembrar que Trump, segundo o que foi anunciado pela sua advogada na mesma conferência de imprensa, continuará a deter as suas empresas e a receber dinheiro de governos estrangeiros.
Este artigo foi atualizado às 22h08 de 11 de janeiro de 2017
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