Numa intervenção efetuada no III Fórum Nacional contra a Violência Doméstica, a decorrer entre hoje e sexta-feira na sede nacional da Polícia Judiciária (PJ), em Lisboa, Lucília Gago assegurou que a limitação dos recursos humanos no Ministério Público (MP) e no sistema judicial está a travar o alargamento de instâncias de prevenção e combate a este fenómeno, nomeadamente as Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica (SEIVD)

“Desde 2020 que o modelo das SEIVD não pode ser alargado porque não existem magistrados do MP e oficiais de justiça que permitam a sua existência e continuidade, o que é gerador de natural frustração”, referiu a magistrada, continuando: “A eficácia e a qualidade necessitam de meios. Cabe reconhecer o evidente défice existente, quer nas forças de segurança, quer na liderança da investigação criminal - com o MP -, quer nos oficiais de justiça”.

Embora tenha salientado que “todos os dias se salvam pessoas” deste flagelo, a procuradora-geral da República lamentou que continuem a existir demasiadas vítimas, “incluindo crianças e jovens”, e que só nos primeiros nove meses de 2023 já existam 18 mortes neste contexto, segundo os dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).

“Se pretendemos com seriedade uma melhor atuação não podemos deixar de reclamar os meios necessários”, observou, notando que “muito há ainda por fazer” nesta matéria.

Também o diretor nacional da PJ, Luís Neves, lamentou que a violência doméstica continue “a ser um flagelo” e que “a prática de crimes graves e vidas postas em causa continue a ser uma realidade” em Portugal. “É uma cultura enraizada que tem de ser extirpada. (…) Precisa de uma interação contínua e trabalho em equipa”, afirmou.

De acordo com Luís Neves, o crime de violência doméstica é um dos que apresenta mais dificuldades na obtenção de prova por ser cometido “na cobardia do lar”, defendendo nessa intervenção a importância da recolha de prova científica para conseguir travar estes comportamentos e levar os agressores à justiça.

A presidente da CIG revelou que a violência doméstica é o crime que mais vítimas mortais faz por ano em Portugal, sendo ainda o crime com mais denúncias.

“A violência doméstica não é um fenómeno para se ir gerindo, é um fenómeno para erradicar. É esta a atitude que se nos exige: não podemos ter qualquer outra atitude menos radical que não seja a mais absoluta intolerância a qualquer comportamento agressivo e abusivo nas relações de intimidade”, adiantou.

Apesar de uma evolução nos últimos 20 anos a nível de políticas públicas e da legislação para fortalecer o combate e a prevenção da violência doméstica, Sandra Ribeiro salientou que é preciso ir mais longe no trabalho desenvolvido.

“Não está a ser suficiente. Estamos a falhar, porque os dados mostram isso mesmo. Não estamos a conseguir eliminar os preconceitos de género causadores de comportamentos agressivos à velocidade que seria desejável e não estamos a conseguir baixar de forma consistente o número de vítimas mortais”, concluiu.