O relato é de Anabela Mota Ribeiro, jornalista, e uma das 12 pessoas convidadas para a iniciativa do SAPO24 para o Dia da Mulher intitulada “As notícias têm género?”.
Uma pergunta em vez de uma afirmação, um ponto de partida para um dia que se quer não apenas de celebração, mas de reflexão. E a reflexão não é um exercício que se pode encerrar nas mulheres e para mulheres. Eles, filhos, maridos e pais, têm de ter uma palavra a dizer.
“Ainda há muito machismo, (….) acho muita graça ao pessoal que diz que já está tudo bem, que as mulheres já têm os mesmos direitos e que estão só a chorar à toa”, atira Diogo Faro, humorista e cronista do SAPO24.
“Temos ainda uma sociedade profundamente patriarcal, temos grandes desigualdades entre homens e mulheres, e apesar de termos cada vez mais mulheres na universidade, os cargos de direção de grandes empresas e os cargos de direção política continuam a ser maioritariamente de homens”, salienta Ricardo Robles, vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, com o pelouro da Educação e Direitos Sociais na Câmara de Lisboa.
E se “em termos de direitos civis e políticos as coisas estão equilibradas”, há ainda muito para caminhar na esfera “dos direitos económicos, sociais e culturais”, diz Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional em Portugal.
E elas sabem-no bem, vivem-no “quando trabalham tanto quanto os homens fora de casa, ou quando são remuneradas 20% a menos, e quando para chegar a lugares de topo ser mulher é ainda uma grande desvantagem”, lista Assunção Cristas, líder do CDS.
Ser mulher hoje é “estar em luta”, considera Anabela Mota Ribeiro, é “ter 20 mãos”, diz a pianista Luísa Tender, é saber que “não existe uma forma única de ser mulher”, acrescenta Júlia Pereira, ativista. Mas, sobretudo, “é uma bênção”, é poder afirmar-se “enquanto mãe, esposa, profissional… elementos fundamentais na sociedade”, remata Selma Uamusse.
E se era mais fácil caso tivesse nascido homem? “Muito mais fácil, isso aí não tenho dúvida nenhuma”, atira Maria Filomena Mónica, escritora e professora universitária.
“A mulher é e continuará sempre a ser vista como uma intérprete social que mais tarde ou mais cedo irá para casa ter os seus filhos. Portanto, inevitavelmente, o homem continuará biologicamente a ter essa vantagem, e é uma vantagem bastante desigual, que a sociedade não consegue mitigar”, reconhece Miguel Somsen, sócio da Gin Lovers e copywriter na TVI.
Por isso é preciso puxar as mulheres para a “linha da frente”. Assunção Cristas é a favor das quotas, considera ser o caminho mais “eficaz”. Uma opinião “muito pessoal”, que não alinha com o posicionamento tradicional do partido que lidera.
“Eu pergunto-me se fosse homem se teria gerado o mesmo interesse [político]”, comenta. “As mulheres tendem a resguardar-se mais, a exporem-se menos e a política faz-se muito do uso da palavra e dessa exposição pública. Quando fui desafiada para vir para política não foi certamente só por isso, não principalmente por isso, mas acho que ser mulher também contou”.
E a luta pela paridade continuará a ser um dos temas mais prementes, considera Manuel Pinto Coelho, médico, defensor de que, no fim do dia, o que deve pesar é a competência. Mas não será o único. Assédio, violência, identidade de género, o equilíbrio entre a vida profissional e familiar, a violência dentro e fora de portas ou atrás do ecrã de um computador, escondida e sempre cobarde.
“Há muito caminho a percorrer”. A frase é de Diogo Faro, mas o sentimento unânime.
E enquanto se mantêm as tradições e se travam as lutas das nossas mães e avós, como diz Catarina Matos, atriz, que estejamos certos, todos, de que “não existe uma forma única de ser mulher, e que não há nenhuma sentença em ser-se mulher”, conclui Júlia Pereira.
As perguntas que fazemos, as inquietações que não nos largam, são o primeiro passo para a mudança. Por isso, desafiámos estes convidados a escolher as manchetes do SAPO24 neste dia de reflexão, para saber se pensamos mais diferente ou mais igual no turbilhão informativo dos nossos dias, onde a curadoria é fundamental à construção do pensamento. Em 24.sapo.pt a partir das 10h00.
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