Na verdade, os assuntos sobrepõem-se, tão depressa quanto o dedo o faz rolando as redes sociais ou o site noticioso num qualquer telemóvel. Seria interessante que, mais do que o clique, importasse o tempo que cada pessoa fica numa notícia. Como se uma prova de natação não valesse pela quantidade de metros que se nadam à superfície, mas sim pela quantidade de metros a que se vai de profundidade.

No mundo de hoje, temos este problema. Vê-se tudo, sabe-se de tudo, mas a nada se vai em profundidade. É fácil enganarem-nos.

Alguns dias depois da indignação coletiva sobre o caso do navio Iuventa que envolve um voluntário português – Miguel Duarte – o assunto vai desaparecendo, vai espumando pela areia, como se de uma pequena onda se tivesse tratado.

Há bem poucos dias, assinalou-se o Dia Mundial do Refugiado. Já pouco se fala disso. Os números atuais de pessoas nesta condição são alarmantes. Nunca como hoje houve tantas pessoas a serem forçadas a deslocar-se e a abandonar as suas casas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados conta mais de 70 milhões e alerta para os números provavelmente inferiores à realidade no caso da crise venezuelana.

Se as nossas lideranças políticas não agirem e as nossas empresas e explorações agrícolas não se conseguirem adaptar, em breve, o número de pessoas refugiadas pode aumentar. Portugal não ficará de fora. Somos, de facto, vulneráveis às alterações climáticas, não só em zonas costeiras, como também no interior, onde uma extensa agricultura depende do acesso à água.

Não há dúvida de que a proteção do ambiente e do clima não se consegue só com um país. É certo e sabido que não é um assunto interno e que os negócios estrangeiros e a diplomacia portuguesa têm de ser chamados a este jogo. António Guterres, o nosso maior diplomata, já está nessa liderança. Juntemo-nos a ele.

Portugal pode liderar, sobretudo pelo exemplo, pela exigência na advocacia política mundial a favor dos refugiados e pode mostrar a toda a Europa as falácias que se dizem sobre estas pessoas numa condição de fragilidade que nunca quiseram ter.

Em primeiro lugar, a de que eles não nos estão a invadir. A Europa não é sequer a região do mundo com mais refugiados. A razão é muito prática. Quando alguém foge de uma guerra ou da miséria no seu país, vai para o local seguro mais próximo. Por maioria de razão, a maior parte dos refugiados vai para um país que faça fronteira com o seu. Geralmente, a fronteira mais próxima até.

Outro mito é o de que nos vêm roubar empregos e ficar com os nossos benefícios. Argumento tão semelhante ao usado contra os judeus na Alemanha nazi. Um refugiado adulto recebe da União Europeia (não de Portugal) 150€ por mês, durante 18 meses. Ao fim desse tempo espera-se que já estejam integrados e autónomos. Depois, passam a contribuir para a economia e as receitas fiscais do nosso país, acontecendo o retorno do investimento que a UE fez em benefício de Portugal por essa via.

O reforço de fronteiras, dos seus muros, da sua violência e a ausência de operações de salvamento não é um desincentivo como alguns querem fazer crer. As pessoas não escolhem fugir e se pudessem utilizariam uma rota legal e segura, viajariam de avião e não se deixariam explorar por redes de traficantes, em travessias duras e perigosas por terra e mar. As mortes no Mediterrâneo são consequência de processos burocráticos que não ajudam e são resultado do nosso abandono. Não são os barcos de ONG que aumentam as travessias. É a falta de rotas legais, seguras e rápidas. O que dá a ilusão a estas pessoas de que se se arriscarem poderão viver (uma vez que já não subsistem outras opções) é a percepção da luz face ao desespero, do mar tranquilo para atravessar face à realidade escura e sangrenta do Mediterrâneo.

Há ainda um outro mito, o da falsa solidariedade. Não podemos ajudar os refugiados de fora porque temos muitas pessoas com necessidades em Portugal. A solidariedade não tem fronteiras, não tem competitividade. Tem competência.

As organizações que, em Portugal, fazem mais pelos refugiados, já fazem muito na ação social pelos mais pobres, pelos sem-abrigo, pelos idosos, pelas crianças e mulheres em condição de fragilidade do nosso país. Benjamin Franklin dizia que pessoas que são boas em arranjar desculpas raramente são boas em qualquer outra coisa.

É por isso que este texto, mais do que dedicado a gente de desculpas e problemas, é uma ode de elogio às pessoas de mangas arregaçadas, às de soluções que trabalham por um e por todos, que não perdem tempo a dar desculpas. O tempo é precioso e deve ser usado a cuidar da vida e de uma humanidade mais sã e plena de direitos humanos, daquilo que cumpre a promessa do verbo permanecer, um verbo tão forte, esquecido, mas duradouro e perene.

Permaneçamos de facto. A espuma dos dias não precisa de atenção.